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João Cabral de Melo Neto:100 Anos

João Cabral de Melo Neto:100 Anos. 

No centenário de João Cabral, Morte e Vida Severina completa 65 anos…

Por: André Santa Rosa

No centenário do poeta, os versos célebres de Morte e vida severina completam 65 anos. O , publicado em 1955, é feito em redondilha maior (sete sílabas métricas) e acompanha a trajetória de um retirante que sai do para a cidade. O título já denuncia: a morte vem antes de vida, já que a tragédia iminente acompanha o protagonista desde o início. São vários encontros com ela, antes do sopro de esperança. O texto continua atemporal, servindo de adaptação para outros formatos de , ajudou a moldar a poesia e é um dos trabalhos com mais edições da brasileira.
 
“Minha poesia procura ser não-lírica e não-subjetiva. É feita para despertar e não para embalar. Utilizo de preferência vocábulos concretos e não abstratos. Tenho a impressão que essas são as principais características que reconheço nela”, disse João Cabral, numa de suas últimas entrevistas, ao jornalista Gerson Camarotti. Isto estava lá em Morte e vida: um texto palpável, concreto, como se fosse feito para sentir aquela síntese e dureza das palavras.
 
Ele foi inicialmente encomendado pela escritora e dramaturga Clara Machado. Por se tratar de uma peça em forma de poesia, dispensa certa hermeticidade comum a alguns trabalhos do poeta. Com o subtítulo Auto de Natal pernambucano, o poema evoca uma à literatura ibérica, principalmente os autos medievais. Antonio Carlos Secchin reitera as simbologias natalinas da obra. “Destaco que, por ser pernambucano, o Auto de Natal se despe da figuração tradicional, com os reis magos, a estrela guia, e passa a simbolizar a dura luta pela sobrevivência do homem nordestino, e por isso é um texto tão atual.”
 
Sua força o torna atemporal. Não à toa o texto é um dos mais publicados e maior sucesso editorial da poesia brasileira. Segundo o pesquisador, foram mais de cem edições. “É uma prova de que alta poesia e grande comunicabilidade podem andar juntas”.
No centenário do poeta, os versos célebres de Morte e vida severina completam 65 anos. O poema, publicado em 1955, é feito em redondilha maior (sete sílabas métricas) e acompanha a trajetória de um retirante que sai do Sertão para a cidade. O título já denuncia: a morte vem antes de vida, já que a tragédia iminente acompanha o protagonista desde o início. São vários encontros com ela, antes do sopro de esperança. O texto continua atemporal, servindo de adaptação para outros formatos de arte, ajudou a moldar a poesia e é um dos trabalhos com mais edições da literatura brasileira.
 
“Minha poesia procura ser não-lírica e não-subjetiva. É feita para despertar e não para embalar. Utilizo de preferência vocábulos concretos e não abstratos. Tenho a impressão que essas são as principais características que reconheço nela”, disse João Cabral, numa de suas últimas entrevistas, ao jornalista Gerson Camarotti. Isto estava lá em Morte e vida: um texto palpável, concreto, como se fosse feito para sentir aquela síntese e dureza das palavras.
 
Ele foi inicialmente encomendado pela escritora e dramaturga Maria Clara Machado. Por se tratar de uma peça em forma de poesia, dispensa certa hermeticidade comum a alguns trabalhos do poeta. Com o subtítulo Auto de Natal pernambucano, o poema evoca uma homenagem à literatura ibérica, principalmente os autos medievais. Antonio Carlos Secchin reitera as simbologias natalinas da obra. “Destaco que, por ser pernambucano, o Auto de Natal se despe da figuração tradicional, com os reis magos, a estrela guia, e passa a simbolizar a dura luta pela sobrevivência do homem nordestino, e por isso é um texto tão atual.”
 
MORTE E VIDA SEVERINA

O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI

— O meu nome é Severino,

não tenho outro de pia.

Como há muitos Severinos,

que é santo de romaria,

deram então de me chamar

Severino de Maria;

como há muitos Severinos

com mães chamadas Maria,

fiquei sendo o da Maria

do finado Zacarias.

Mas isso ainda diz pouco:

há muitos na freguesia,

por causa de um coronel

que se chamou Zacarias

e que foi o mais antigo

senhor desta sesmaria.

Como então dizer quem fala

ora a Vossas Senhorias?

Vejamos: é o Severino

da Maria do Zacarias,

lá da serra da Costela,

limites da Paraíba.

Mas isso ainda diz pouco:

se ao menos mais cinco havia

com nome de Severino

filhos de tantas Marias

mulheres de outros tantos,

já finados, Zacarias,

vivendo na mesma serra

magra e ossuda em que eu vivia.

Somos muitos Severinos

iguais em tudo na vida:

na mesma cabeça grande

que a custo é que se equilibra,

no mesmo ventre crescido

sobre as mesmas pernas finas,

e iguais também porque o sangue

que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos

iguais em tudo na vida,

morremos de morte igual,

mesma morte severina:

que é a morte de que se morre

de velhice antes dos trinta,

de emboscada antes dos vinte,

de fome um pouco por dia

(de fraqueza e de doença

é que a morte severina

ataca em qualquer idade,

e até gente não nascida).

Somos muitos Severinos

iguais em tudo e na sina:

a de abrandar estas pedras

suando-se muito em cima,

a de tentar despertar

terra sempre mais extinta,

a de querer arrancar

algum roçado da cinza.

Mas, para que me conheçam

melhor Vossas Senhorias

e melhor possam seguir

a de minha vida,

passo a ser o Severino

que em vossa presença emigra.

*

ENCONTRA DOIS HOMENS CARREGANDO UM DEFUNTO NUMA REDE, AOS GRITOS DE: “Ó IRMÃOS DAS ALMAS! IRMÃOS DAS ALMAS! NÃO FUI EU QUE MATEI NÃO!”

— A quem estais carregando,

irmãos das almas,

embrulhado nessa rede?

dizei que eu saiba.

— A um defunto de nada,

irmão das almas,

que há muitas horas viaja

à sua morada.

— E sabeis quem era ele,

irmãos das almas,

sabeis como se chama

ou se chamava?

— Severino Lavrador,

irmão das almas,

Severino Lavrador,

mas já não lavra.

— E de onde que o estais trazendo,

irmãos das almas,

onde foi que começou

vossa jornada?

— Onde a é mais seca,

irmão das almas,

onde uma terra que não dá

nem planta brava.

— E foi morrida essa morte,

irmãos das almas,

essa foi morte morrida

ou foi matada?

— Até que não foi morrida,

irmão das almas,

esta foi morte matada,

numa emboscada.

— E o que guardava a emboscada,

irmão das almas,

e com que foi que o mataram,

com faca ou bala?

— Este foi morto de bala,

irmão das almas,

mais garantido é de bala,

mais longe vara.

— E quem foi que o emboscou,

irmãos das almas,

quem contra ele soltou

essa ave-bala?

— Ali é difícil dizer,

irmão das almas,

sempre há uma bala voando

desocupada.

— E o que havia ele feito,

irmãos das almas,

e o que havia ele feito

contra a tal pássara?

— Ter uns hectares de terra,

irmão das almas,

de pedra e areia lavada

que cultivava.

— Mas que roças que ele tinha,

irmãos das almas,

que podia ele plantar

na pedra avara?

— Nos magros lábios de areia,

irmão das almas,

dos intervalos das pedras,

plantava palha.

— E era grande sua lavoura,

irmãos das almas,

lavoura de muitas covas,

tão cobiçada?

— Tinha somente dez quadras,

irmão das almas,

todas nos ombros da serra,

nenhuma várzea.

— Mas então por que o mataram,

irmãos das almas,

mas então por que o mataram

com espingarda?

— Queria mais espalhar-se

irmão das almas,

queria voar mais livre

essa ave-bala.

— E agora o que passará,

irmãos das almas,

o que é que acontecerá

contra a espingarda?

— Mais campo tem para soltar,

irmão das almas,

tem mais onde fazer voar

as filhas-bala.

— E onde o levais a enterrar,

irmãos das almas,

com a semente de chumbo

que tem guardada?

— Ao cemitério de Torres,

irmão das almas,

que hoje se diz Toritama,

de madrugada.

— E poderei ajudar,

irmãos das almas,

vou passar por Toritama,

é minha estrada.

— Bem que poderá ajudar,

irmão das almas,

é irmão das almas quem ouve

nossa chamada.

— E um de nós pode voltar,

irmãos das almas,

pode voltar daqui mesmo

para sua casa.

— Vou eu, que a viagem é longa,

irmãos das almas,

é muito longa a viagem

e a serra é alta.

— Mais tem o defunto,

irmãos das almas,

pois já não fará na volta

a caminhada.

— Toritama não cai longe,

irmão das almas,

seremos no campo santo

de madrugada.

— Partamos enquanto é noite,

irmão das almas,

que é melhor lençol dos mortos

noite fechada.

MELO Neto, João Cabral de. Morte e Vida Severina e Outros Poemas em Voz Alta. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974. p. 73-79.

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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