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Conferência Mundial da Ayahuasca...

Conferência Mundial da Ayahuasca…

Conferência Mundial da Ayahuasca…

Conferência da Ayahuasca: Dissonâncias com o Sagrado Indígena
 
O Aquiry Indígena teve uma semana bem movimentada e terminou com o movimento de caravanas de indígenas em direção ao Seringal Empresa, localizado em  Rio Branco, capital do Estado do Acre, a fim de participarem direta e indiretamente da II Conferência Mundial da Ayahuasca, que começou nesta segunda-feira, dia 17 de outubro.
 
Por Jairo Lima

É um evento que muitos consideram importante, outros nem tanto (meu caso), e que vem suscitando diferentes emoções e manifestações de apoio ou protesto, tanto por parte de seguidores das diferentes doutrinas do Santo Daime, quanto de lideranças indígenas. Também tem aqueles que oscilam entre o apoio e o protesto, manifestando-se a favor numa semana e contra na outra.

– Mas, o objetivo do evento é científico, academicamente científico – tem sido a explicação mais ouvida sobre a Conferência.

O Acre é o berço da conhecida “Doutrina do Santo Daime”, que engloba três grandes correntes doutrinárias de uso ritualístico do chá sagrado, de origem indígena. Doutrinas essas que se espalharam pelo mundo, dirigidas em grande parte por grandes mestres e, logicamente, gerando interesse acadêmico/científico pelo assunto.
 
Claro que, junto com o crescimento das doutrinas, diferentes interesses e possibilidades também floresceram, umas bem positivas, outras nem tanto.
 

Conferência Mundial da Ayahuasca...

O chá, muito conhecido no mundo cariú (não-índio, segundo os Shawãdawa)  como ayahuasca, possui diferentes denominações, tanto no mundo destes quanto no mundo indígena.

O objetivo da ingestão dessa bebida sagrada, apesar de aparentar grandes similaridades entre esses dois mundos, em sua essência e método, possui detalhes que os diferem completamente. Deixo claro que não vejo com maus olhos as doutrinas daimistas, pelo contrário, não só me identifico como sou parte delas.

O foco de minha reflexão é bem mais profundo.

Me sinto bastante incomodado com muitas das práticas do chamado “mercado xamânico” que, assim como reconhece e beneficia direta e indiretamente as comunidades indígenas, também é responsável pela banalização e mercantilismo do sagrado indígena.

O antropólogo José Pimenta, ao se manifestar quanto a uma recente publicação da National Geographic, foi feliz em um comentário quanto aos “especialistas em cosmologia e xamanismo indígena” que, após umas poucas oportunidades de participarem de um ritual indígena, já se consideram conhecedores ou herdeiros deste conhecimento e passam a realizar rituais mundo afora, ganhando muito dinheiro, enganando pessoas e, em muitos casos, prejudicando os yuxim destas.

Esta reflexão eu estendo também para o campo científico, que insiste em dissecar, rotular, criar teorias e construir conceitos que de nada servem, a não ser para as carreiras de uns poucos, com a publicação de seus estudos. Claro que, assim como há pessoas ótimas e bem intencionadas neste mercado xamãnico, também os há no mundo acadêmico.

Temos exemplos ótimos e diversos de benefícios para as comunidades e o conhecimento indígena que são possibilitados através da academia. De publicações a participação de indígenas tanto como palestrantes, quanto expositores e até como acadêmicos, é um movimento que vem tomando corpo ano a ano, o que beneficia e muito os povos indígenas.

O que está “na mesa” não são os benefícios ou malefícios do cientificismo sobre práticas espirituais que não possuem dogmas, como as indígenas, por exemplo. A questão que me toca, pelo menos em relação a esta conferência e sua pretensão é exatamente o ponto sobre a qual a mesma, em princípio, não trataria: o sagrado indígena e sua relação com a bebida dos yuxin, ou seja, a ayahuasca.

Seus idealizadores não entenderam as manifestações das lideranças indígenas, muitas destas, indignadas pelo evento não prever a participação indígena, com acesso amplo e irrestrito.

Não entenderam que os povos indígenas do Acre não se revoltaram com o evento em si e, sim, com fato de ser realizado na “aldeia do Aquiry” terra de quatorze povos indígenas que ingerem a bebida e que foram relegados como meros participantes, com cota e uma ajuda pequena para participação no evento.

Também não entenderam a simbologia do local que escolheram.

Darei um exemplo bem claro: seria como realizar uma conferência mundial do islamismo, pensado e idealizado por europeus, na cidade de Meca. E neste evento, houvesse cota para a participação dos muçulmanos nativos da região. Deu pra sacar?

Pois bem.

Conferência Mundial da Ayahuasca...

Ainda assim, como todas as dificuldades possíveis, os nossos txais vão a Rio Branco, realizar suas danças e alguns rituais e, ao contrário do que possam pensar, não é para embelezar ou servirem de atração exótica do evento. A participação deles é para mostrar que esta “casa tem dono”.

Também vi que teremos algumas figuras importantes como palestrantes, como o Benky Ashaninka. Segundo ele, decidiu participar para acompanhar o desenvolvimento da conferência e falar do “significado de tudo”, procurando o diálogo para combater os “ismos” de nossa sociedade. Para ele,  é importante que a real mensagem seja transmitida.

Vale citar que este txai sempre criticou a arrogância da ciência de achar que de tudo sabe e gera, mesmo sem querer, a destruição de muitas coisas. Nesse mundo vasto e infinito da Ayahuasca a ciência não pertence aos homens.

Como bem me disse a colega Eliane Fernandes, grande parceira dos projetos desenvolvidos pelo povo Ashaninka do Amônia, é um grande problema as lideranças espirituais indígenas não estarem mais envolvidas nas discussões, pois a ciência lhes pertence, toda a sabedoria desta bebida sagrada e tudo que a envolve.

Tenho que registrar, além do Benky, que teremos sim, figuras importantes e conhecedoras da questão, como a Bia Labate.

Também recebi manifestação de grandes lideranças e pajés, como o Tashka Yawanawá, Biraci Brasil, Isáias Ibã Huni Kuin, entre outros que não irão participar ou se fazer presente neste evento.

Sei que muitos colegas indigenistas e interessados no assunto não concordarão com minha posição, mas fazer o que né? É o que sinto e, conforme aprendi em anos de aldeia é que não devemos deixar certas coisas presas dentro nós, pois podem nos desarmonizar ou trazer alguma panema**.

Então, creio ser a única voz dissonante nesta ópera, mas, sem as dissonâncias, não haveria o debate.

E assim respondo, publicamente, à pergunta que um bom número de pessoas me fizeram ao longo dos últimos três meses: você vai participar?

Não!

Também não me iludo pela propaganda oficial do evento, nem com as informações de seu site bonito e bem sacado traz.

E digo, ainda, que fiquei surpreso com certos sites estrangeiros citados na página principal da conferencia que, entre outras coisas, vende produtos que, segundo estes, são dos povos indígenas do Acre. Mas, as lideranças que perguntei nem sabiam sobre a utilização do nome de seu povo nestes produtos.

A presença indígena, no volume que se dará, apesar da pouca quantidade, só foi garantida graças à intervenção e manifestação firme de um grupo de lideranças indígenas e indigenistas que, apesar das dificuldades e desconhecimento sobre o processo organizativo da coisa, conseguiram mobilizar e movimentar representantes de suas aldeias para o evento.

Também vai estar rolando, paralelamente, às palestras no campus da Universidade do Acre, entre atividades menores, uma concentração de lideranças e demais representantes indígenas, que estarão realizando rituais e mostrando um pouco da sua cultura material e sagrada (clique aqui). Que bom, parece ser bem mais interessante.

Acredito que sob a luz do conhecimento e do poder sagrado que emana deste vinho dos espíritos, todos tem seu cantinho, seu espaço, e o caminho que seguem são distintos: indígenas, igrejas, new ages, estudiosos, etc. Mas é preciso respeitar o espaço de cada um, manter a harmonia e manter-se dentro de um limite, o que, a meu ver, no que concerne a este evento, não foi o que ocorreu.

Tudo bem, beleza, muitos tem me dito que vai ser uma grande festa. Com certeza será, mas, o que me incomoda é bem mais profundo que isto.

Esse nosso Acre, de grandes pajés como o saudoso Inkamuru Huni Kui, de espíritos fortes como o velho Tuinkuru Yawanawá,  e de seres celestiais como o velho Juramidam e o missionário Mestre Daniel, é um local por demais sagrado, onde, em minha opinião, da maneira como está se apresentando, esta festa poderia bem ser feita em outro salão qualquer, longe daqui.

Epílogo: Não poderia, também, deixar de citar a bola fora da National Geographic em lançar o livro de “Um figura”, sobre a Amazônia, baseado em toda sua experiência de quatro meses visitando turisticamente a região. Isso mesmo, quatro meses!

jairo

ANOTE AÍ:

A II Conferência Mundial da Ayahuasca acontece de 17 e 22 de outubro, na Universidade Federal do Acre (UFAC), em Rio Branco, capital do estado do Acre. A I Conferência ocorreu em Ibiza, na Espanha.

Minha foto

Jairo Lima : Indigenista, graduado em Pedagogia pela UFAC. Casado, estudante da natureza e das pessoas. Amante da cultura e observador do cotidiano indígena. Atua há quase duas décadas junto aos povos indígenas do Juruá acreano. Mais sobre o trabalho de Jairo: http://cronicasindigenistas.blogspot.com.br/

As ilustrações desta matéria são de Tiago Tosh, artista plástico radicado no Acre que, além de obras em tela, também faz lindos grafites nos muros da capital do Estado, Rio Branco. (clique aqui para ver o trabalho deste artista).


UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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