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CRIMES HEDIONDOS COMETIDOS CONTRA CRIANÇAS NA DITADURA

6 crimes hediondos cometidos contra crianças brasileiras durante a ditadura militar 

Prisão, tortura, desterro, estupro, aborto e morte. Nem as crianças estiveram imunes à violência do regime militar.

Da gazetadopovo

Prisão, tortura, desterro, estupro, aborto e morte: a lista de violências é tão longa quanto chocante. Na década de 70, no auge da repressão no Brasil, as crianças não estiveram imunes à violência do regime militar.
 
Fosse por obra direta do terrorismo de Estado, como no caso de crianças presas e torturadas, ou por conivência do regime com figuras influentes, como nos escândalos de pedofilia que acabaram abafados em 1973, esses episódios deixaram uma memória traumática na história do país — e um legado de impunidade que se estende até os dias atuais.
 
Abaixo, recordamos alguns dos crimes mais famosos ocorridos durante o período ditatorial.

Prisão e exílio dos irmãos Nascimento

Suas fotografias 3×4, marcadas com o carimbo do DOPS, atestam sua condição de prisioneiros políticos. Irmãos de criação, Samuel Dias de Oliveira, Luis Carlos Max do Nascimento, Zuleide Aparecida do Nascimento e Ernesto Carlos Dias do Nascimento estiveram entre os mais jovens detidos pela ditadura: tinham idades entre 2 e 9 anos de idade no momento da prisão.

Não foram as únicas crianças presas durante o período militar, mas se tornaram um caso famoso devido ao seu banimento do país com um grupo de pessoas vistas pelo regime como “extremistas”.

As crianças foram capturadas no Vale do Ribeira em 1970, onde eram cuidados pela avó. Usavam nomes falsos no dia a dia e saíam pouco de casa, na tentativa de evitar o destino que acabariam tendo. Seus pais faziam parte da luta armada contra o regime e, na região, a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) funcionava sob o comando de Carlos Lamarca.

Aos olhos dos militares, os filhos também podiam pagar pela incômoda militância dos pais: fichadas como terroristas, as crianças acabariam detidas por mais de dois meses. O mais novo deles, Ernesto, acompanhou os pais nas prisões clandestinas da Oban, do DOPS e do DOI-CODI. Ainda bebê, presenciou as torturas do pai.

Sem ter cometido qualquer infração além de terem nascido em uma família considerada “terrorista”, os quatro acabariam sendo banidos do Brasil, forçados ao exílio junto com a avó, Tercina Dias de Oliveira. Os pais continuaram presos.

Os irmãos Nascimento foram incluídos numa negociação do governo pela liberação do então embaixador alemão Ehrenfried von Holleben, que havia sido sequestrado por grupos da oposição armada. Ao todo, quarenta outros prisioneiros políticos – além das quatro crianças – foram desterrados, primeiro em direção à Argélia, vindo a obter asilo definitivo em Cuba.

Exilados em terra estrangeira e longe dos pais, que só seriam liberados dez meses mais tarde em outra troca de prisioneiros, os quatro “elementos menores subversivos” foram proibidos de retornar ao Brasil antes da promulgação da Lei da Anistia, em 1979.

Casos Ana Lídia e Araceli

A menina Ana Lídia Braga tinha 7 anos de idade quando foi sequestrada, torturada, estuprada e morta em Brasília, em setembro de 1973. Foi encontrada enterrada, nua, nas proximidades da UnB. A investigação do caso foi rapidamente abafada quando começaram a vir à tona suspeitas de que o filho do então Ministro da Justiça da ditadura, Alfredo Buzaid, estaria envolvido no crime.

A presença de nomes influentes dentro do governo militar foi desconversada pelo regime, alegando que tudo não passava de uma boataria promovida pelos “subversivos”. Em 1974, a ditadura emitiria uma ordem expressa à imprensa proibindo novos comentários sobre o crime. O processo relacionado ao Caso Ana Lídia acabou sendo arquivado sem que se avançasse nas investigações.

Era a segunda vez naquele ano que um crime de tal natureza redundava em impunidade após surgir uma suposta conexão com nomes influentes. Em maio de 1973, a menina Araceli Crespo, de 8 anos, havia sido morta e desfigurada com ácido seis dias após o seu desaparecimento. As investigações indicaram que Araceli havia sido mantida em cárcere privado por pelo menos dois dias, durante os quais foi repetidamente estuprada.

Os principais suspeitos do crime eram Paulo Constanteen Helal e Dante de Barros Michelini (Dantinho), filho do latifundiário Dante de Brito Michelini, que gozava de grande influência junto ao governo militar. A denúncia da época mostrava que Michelini pai havia usado as suas ligações para dificultar as investigações policiais. Embora tenham sido condenados em um primeiro momento, os acusados sairiam impunes após a sentença ser anulada nas instâncias superiores.

Operação Camanducaia

Em outubro de 1974, o Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC) de São Paulo prendeu e torturou 93 meninos com idades entre 11 e 17 anos. As detenções eram ilegais: embora a polícia afirmasse que se tratavam de delinquentes, jamais houve qualquer acusação formal contra os meninos.

Todos os garotos tinham perfis modestos, saídos de famílias de baixa renda, e alguns viviam nas ruas da cidade. A Operação Camanducaia, na realidade, pretendia “limpar as ruas de São Paulo”.

 Os meninos foram amontoados em um ônibus e agredidos ao longo da viagem — com as cortinas fechadas, não sabiam para onde estavam sendo levados.
 
Finalmente, no meio da madrugada, foram obrigados a tirar as roupas e abandonados à beira da rodovia Fernão Dias, nas proximidades de Camanducaia (MG): para garantir que se dispersassem pelo mato, os policiais dispararam às cegas em sua direção. Machucados e nus, os meninos chegaram à cidade e acabaram acolhidos pela população chocada. Três dias depois, foram recolhidos pelas autoridades e levados de volta a São Paulo, onde permaneceram detidos.

As investigações judiciais sobre o caso nunca foram adiante, apesar da insistência do juiz responsável na época: “não há prova nos autos de que todos os menores detidos, encarcerados e transportados para Camanducaia fossem ‘trombadinhas’ (e se o fossem ainda seria injustificável a ‘Operação’)”, escreveu o magistrado, reforçando a necessidade de mais informações.

A promotoria chegou a oferecer denúncia contra 14 delegados e 7 policiais, mas o caso acabaria arquivado sem que qualquer autoridade passasse perto de ser investigada.

Para dar a aparência de que havia procurado punir os responsáveis, o DEIC realizou uma sindicância interna (denunciada na época como uma farsa) e puniu um funcionário – um escrivão, suspenso por 30 dias sob a acusação de ter “comandado” o esquema.

Carlos Alexandre Azevedo

Ele é considerado o prisioneiro político mais jovem a ter sofrido tortura física durante a ditadura no Brasil. Carlos Alexandre Azevedo tinha apenas 1 ano e 8 meses quando foi trancafiado na sede do Departamento Estadual de Ordem Pública e Social (DEOPS), em São Paulo. Lá, foi torturado com choques elétricos.

Seus pais, o jornalista e cientista político Dermi Azevedo e a pedagoga Darcy Azevedo, eram acusados pelo regime de dar guarida a militantes de esquerda. O bebê foi capturado em 15 de janeiro de 1974, quando estava sob os cuidados de uma babá – o pai já estava preso desde a véspera e a mãe seria presa horas depois.

Carlos Alexandre não parou de chorar após a invasão da casa pela polícia. Para que ficasse quieto, um dos agentes da repressão deu-lhe um soco na cara, que ficou sangrando.

No DEOPS, o bebê ficou nas mãos da equipe do torturador Sérgio Fleury. Seria vítima de mais violência como forma de convencer os pais a confessarem os supostos crimes: passou mais de quinze horas sofrendo as sevícias da tortura.
O trauma trazido da infância deixou sequelas psicológicas que ele carregou pelo resto da vida – Carlos Alexandre voltou a ganhar destaque em 2010, quando o Estado finalmente o reconheceu como vítima da ditadura.

Na época, em entrevista à revista IstoÉ, ele revelou sofrer de fobia social, que trazia desde a infância. Preso aos antidepressivos e antipsicóticos, o mais jovem torturado do Brasil vivia recluso, sem amigos nem emprego.

Carlos Alexandre Azevedo suicidou-se em 2013, aos 40 anos de idade. “Hoje a ditadura militar concluiu a morte de Carlos, iniciada em tão tenra idade”, escreveu o Movimento Nacional de Direitos Humanos na ocasião.

Abortos forçados na prisão

Por muitos anos, os episódios de violência específica sofridos por mulheres na prisão política não foram denunciados. O medo, o trauma e a vergonha que marcavam esses episódios impediam que os relatos sobre estupros, partos clandestinos e abortos forçados viessem à tona.

A abertura de comissões investigadoras por parte do Estado, desde os anos 90, ajudou a jogar luz sobre uma nova dimensão desses suplícios: as crianças vitimadas antes do nascimento, mortas ou carregando sequelas sofridas por prisioneiras grávidas.

Alguns bebês sobreviveram à tortura das mães. Criméia Schmidt de Almeida contava seis meses de gravidez quando foi presa. A barriga proeminente não impediu que fosse torturada. O seu caso, diferentemente de outros, teve uma espécie de acompanhamento médico.

Segundo seu relato à Comissão da Verdade, o suposto especialista “disse o tipo de tortura que eles poderiam fazer, recomendava que não espancassem a barriga e não dessem choques elétricos na vagina, na boca, nos órgãos mais internos”.

Criméia foi espancada no pau de arara e ouviu várias ameaças de que seu filho seria sequestrado após o nascimento. “Meu filho tinha soluços na barriga. […] [Até hoje,] qualquer tensão, ela se manifesta com soluços”, disse à CNV.

Nem todas passaram pela mesma tortura específica que foi reservada a Criméia. Rosa Maria Barros dos Santos, presa no DOPS de Recife no início de 1971, estava no início da gestação. Após as torturas, relatou à Comissão da Verdade, “começou um sangramento cheio de pedaços de coisas”.

Passou a entender o que estava acontecendo quando trouxeram comprimidos de ácido acetilsalisílico (AAS), que sem orientação médica pode facilitar abortos. Rosa abortou completamente, e ainda precisou considerar isso uma sorte: “depois, conversando com a minha ginecologista, ela falou: ‘Foi uma sorte, Rosa. Você fez um aborto completo, porque se você tivesse feito um aborto incompleto, provavelmente, você morreria’”.

A professora Izabel Fávero, presa no interior do Paraná em 1970 por seu envolvimento na VAR-Palmares, estava grávida havia dois meses no momento da detenção. Segundo o relato dela, seu marido teria pedido aos soldados que não fizessem nada com ela – “pode me torturar, mas ela está grávida”. O suplício foi recebido com deboches.

Os militares não acreditaram e não realizaram qualquer exame para comprovar a gravidez. Izabel sofreu torturas com choques elétricos ao longo de cinco dias – nos órgãos genitais, nos seios, nos dedos e atrás das orelhas. Ela também abortou. Seu filho, como o de Rosa e outras mulheres que viveram situação semelhante, não aparece em nenhuma lista oficial de vítimas da ditadura militar.

CRIMES HEDIONDOS COMETIDOS CONTRA CRIANÇAS NA DITADURA
Acervo Histórico

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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