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Cúpula das Américas demonstra fraqueza

Cúpula das Américas demonstra fraqueza

Por Márcio Santilli/via Mídia Ninja

Como potência mundial, os EUA deveriam zelar melhor pelas Américas, seu continente, sua retaguarda. Talvez tenha sido esta a impressão que o presidente Joe Biden pretendia transmitir com a reunião da Cúpula das Américas, em Los Angeles, na semana passada. O acordo que resultou dela, sobre migração, não veio acompanhado de qualquer iniciativa de escala para superar a crise social e econômica que assola o continente.

Foto oficial de chefes de Estado na Cúpula das Américas, Los Angeles, junho de 2022 | Reprodução do Twitter

Não cabe, aqui, entrar nos detalhes do tratado assinado. Em linhas gerais, pretende ser mais restritivo em relação à migração ilegal e criar mais opções para a migração legal. 

 

Porém, nem de longe ataca as questões estruturais que fomentam os processos migratórios. Fica a impressão de que, a despeito dessas novas flexibilizações, trata-se de um exercício de jogar para a plateia, e enxugar gelo em tempos de .

A migração é um componente histórico da trajetória dos povos, forçada ou voluntária. Deriva de várias causas, políticas ou econômicas, com elementos de tragédia, ou de . Em geral, esses movimentos de populações suscitam conflitos entre o direito de todas as pessoas ao acolhimento em situações de penúria e de sofrimento e as políticas nacionais que protegem países e territórios dos impactos da ocupação massiva por terceiros.

Fluxos migratórios têm assumido enormes proporções em quase todas as partes do mundo. Têm, como pano de fundo, o crescimento da população mundial, da miséria e das condições de mobilidade, trazendo, como manchetes principais guerras, epidemias e catástrofes climáticas. As migrações continuarão crescendo, assim como a demanda dos países por acordos e regras.

Vício de origem

No discurso de abertura da cúpula, Biden defendeu a democracia e o . No entanto, foi criticado pelo presidente da Argentina, Alberto Fernández, pela exclusão, já na sua na convocação, de Cuba, Nicarágua e Venezuela. Biden alega a ausência de democracia para essa exclusão, mas a situação desses países não é idêntica e a crise da democracia, no continente, não se reduz a eles.

A questão migratória envolve todos os países, em intensidade e sentido diferentes. Pactos continentais a seu respeito não dependem, necessariamente, de unanimidade, mas deveriam incorporar todas as nações que se dispusessem a discuti-la, o que ampliaria a sua eficácia. A exclusão, a priori, não favorece o objetivo da reunião.

Biden fez bem ao destacar as agendas democrática e ambiental no seu discurso, mas se elas fossem levadas a fundo como critério de exclusão provavelmente inviabilizariam a própria realização do encontro. Todos têm dívidas com uma ou com ambas as agendas. Até a inclusão do seria questionável.

Biden “maravilha”

Só que o Brasil é o segundo país mais populoso das Américas, origem e destino de significativos fluxos migratórios e a sua eventual exclusão fragilizaria ainda mais o acordo e a própria reunião.

Encontro entre Joe Biden e Jair Bolsonaro na Cupula das Americas Jun 2022 TV Brasil Reproducao

Encontro entre Joe Biden e Jair Bolsonaro, na Cúpula das Américas, em Los Angeles, em junho de 2022 | Reprodução TV Brasil

O presidente Jair Bolsonaro não queria aceitar o convite de Biden. Ele fica constrangido nesses eventos, ao perceber o seu isolamento e a pouca disposição da maioria dos chefes de Estado em aparecer numa foto ao lado dele. Ademais, a antipatia pessoal entre Bolsonaro e Biden é diretamente proporcional ao apego pegajoso e constrangedor do primeiro ‒ e família ‒ ao ex-presidente Donald Trump.

Biden percebeu que a possível ausência do Brasil enfraqueceria ainda mais a cúpula e enviou a Brasília o diplomata Christopher Dodd com a missão de convencer Bolsonaro a participar. O mandatário brasileiro se fez de magoado, alegando ter sido ignorado por Biden em eventos anteriores. Exigiu e conseguiu agendar a sua primeira reunião bilateral com o presidente dos EUA.

Se houvesse muita substância no discurso de Biden, seria de esperar um encontro bilateral tenso com Bolsonaro. Mas não foi o que aconteceu. O norte-americano foi bem além da postura cordial de hospedeiro, chegando a agradecê-lo pela proteção da , num exagero de bundonismo associado à mentira. Bolsonaro entrou apreensivo e saiu entusiasmado do encontro bilateral como Biden.

“Foi excepcional, muito melhor do que eu esperava. Naquela reunião aberta a vocês, colocamos os pontos básicos e depois fomos para a reservada, confidencial, segredo de Estado. Vão ficar curiosos… Segredo de Estado. Há um interesse dos muito grande no Brasil, e a recíproca é verdadeira. E se a gente conseguir realmente consolidar, ampliar esse eixo Norte-Sul, será bom para todo mundo (…). Posso dizer que estou maravilhado com ele”, afirmou Bolsonaro.

A permissividade envergonhada do norte-americano diante da cara-dura do brasileiro, que chegou a pedir apoio na disputa eleitoral contra Lula, acabou ainda mais agravada com o desaparecimento do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Araújo, no Vale do Javari, no oeste do , às vésperas da cúpula internacional. O caso repercute em todo o mundo e escancara o aumento da violência na Amazônia, que, sob Bolsonaro, está entregue ao crime organizado.

Sinal de decadência

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Refugiados sírios e iraquianos chegam à ilha grega de Lesbos, na crise migratória de 2015 na Europa | Ggia / Wikipedia

A política externa de Biden tem sido um tanto atrapalhada, desde o início do seu mandato. Exacerbou na retórica contra a China, induzindo-a ao pacto estratégico com a Rússia, que se animou a invadir a Ucrânia. A retirada de tropas do Afeganistão foi um fiasco. Deteriora-se o ambiente político global, dificultando a superação dos efeitos da pandemia e o avanço de pautas civilizatórias sobre , e desarmamento.

Fato é que, até agora, Biden não apresentou qualquer programa consistente de cooperação pan-americana. Nem mesmo foram retomadas iniciativas positivas dos tempos de Obama, de que Biden foi vice, como a da distensão nas relações com Cuba. A decisão do presidente dos EUA de convocar a Cúpula das Américas nesse vazio e de pautar a questão migratória, dissociada do desenvolvimento regional, parece mais orientada por pressões políticas internas do que por uma visão de futuro sobre o continente.

Porém, paliativos não resolverão a crise migratória e não reforçarão a retaguarda estratégica das Américas no contexto da nova correlação global de forças. Migração, democracia e meio ambiente deveriam ser partes de um debate mais amplo sobre a integração e a redução das desigualdades continentais, que pudesse incluir propostas como a de um programa pan-americano de renda mínima, que privilegiasse a permanência e o retorno das pessoas aos seus países de origem, ou como a implantação de sistemas sustentáveis de comunicações e de transportes que aproximassem todos os povos americanos, gerando empregos e renda nos vários países.

De quebra, um olhar mais generoso sobre as Américas, considerando uma agenda ampla, ajudaria muito a superar entraves históricos entre os países, como os que levaram às exclusões na cúpula, e a melhorar a qualidade democrática das suas instituições e das suas relações externas. Além de evitar situações humilhantes como esta a que Biden submeteu-se, diante de um militante anti-democrático e anti-ambiental, logo após responsabilizar seu desgoverno pelo desaparecimento de mais duas vítimas.

http://xapuri.info/cupula-do-clima-os-desafios-do-aquecimento-global/

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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