Daniel Viglietti

Daniel Viglietti: uma gota pode ser pouco, mas com outra podemos fazer um aguaceiro

Me ajude, companheiro: uma gota pode ser pouco, mas com outra podemos fazer um aguaceiro

Nestes sujos, não nos resta outra coisa a fazer, exceto seguir as lições ensinadas pela cantada pelo saudoso cantor uruguaio Daniel Viglietti

 

Por Alberto Kornblihtt
Daniel Viglietti
Créditos da foto: (Reprodução/Youtube)

Morreu Daniel Viglietti. Morreu . Morreu Eduardo e Fidel Castro. Há muito mais atrás, morreu o Che. Morreram outros 30 mil. Morreu Santiago Maldonado.

Víctor Jara, Violeta Parra, Salvador Allende e Pablo Neruda estão mortos no Chile. Morreram Hugo Chávez e Néstor Kirchner. As mães e avós da Praça de Maio estão morrendo de velhinhas.

Joan Manuel Serrat e Les Luthiers se reciclaram. Muitos outros também se reciclaram, talvez a maioria dos artistas do passado. Eu não me reciclo, você não se recicla, mas ele e ela e eles se reciclam.

Vivemos tempos de negação. Tempos de empresários, de cínicos, de empresários cínicos, de empreendedores de sucesso. Tempos de dolorosa.

Não são tempos de generais, como os de antes, ou de vilões facilmente identificáveis. Os de agora querem nos castigar tirando de nós a épica. Não só a contemporânea, mas também a do passado distante, a dos heróis escolares, agora culpados por serem revolucionários. Tempos de militância perdendo força e se dedicando a campanhas educativas, como pregações no deserto. Tempos de delação e de afirmações não comprovadas, emitidas com força igual à das comprovadas. De invocações desavergonhadas a cadáveres congelados, de desfiles descarados de caras pintadas.

Tempos de banalidade televisiva, de discursos presidenciais epidérmicos que degradam a . De detenções ilegais, de linchamentos midiáticos, de simulação de distúrbios para justificar a repressão. Tempos em que muitos nos olham como bichos raros, por evocarmos um passado que não deveria voltar, ou porque desejamos um que, por resgatar esse passado, não deveria ter lugar. Tempos de peleguismo explícito, em que conservadores se reúnem em uma frente partidária com nome de mudança (como a “Cambiemos” de Mauricio Macri) para não mudar nada, exceto quando é para retroceder. Tempos de discurso monocórdio.

O voto popular escolheu uma Argentina governada pelos seus donos, um país-empresa onde os patrões prometem governar em equipe, com piedade e condescendência festiva, sempre que possam seguir aumentando seus já enormes lucros e privilégios. E quem não aceitar a conciliação de classes é culpado de reforçar uma polarização que atenta contra o entusiasmo e o otimismo necessários para adormecer as consciências.

Nestes tempos sujos, não nos resta outra coisa a fazer, exceto seguir as lições ensinadas pela história cantada pelo saudoso cantor uruguaio Daniel Viglietti: me ajude, companheiro, me ajude, não demore, que uma gota pode ser pouco, mas com outra podemos fazer um aguaceiro.

ANOTE AÍ

Alberto Kornblihtt é biólogo molecular argentino, doutor em Ciências Químicas, investigador do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (Conicet) da Argentina, docente da Faculdade de Ciências Exatas e Naturais da de (UBA), e diretor do Instituto CONICET-UBA

Fonte: Carta Maior

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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