Daquele 1º de abril que eu vivi nada mudou
Nos dias que antecederam o 1º de abril de 1964, a agitação deixava todos tensos. O comício da Central do Brasil, de 13 de março, criara um misto de confiança e ao mesmo tempo de preocupação sobre que rumo o País tomaria.
Por Trajano Jardim
Cada setor da sociedade tinha uma avaliação particular de qual seria o caminho. Boatos sacudiam os noticiários dos jornais, do rádio e da televisão que ainda engatinhava. O Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), de há muito, vinha se reunindo com regularidade, para avaliar a situação e organizar a resistência ao golpe que, na opinião de alguns, “estava em marcha”.
E o golpe que estava em marcha chegou no dia 1º de abril. O dia 2 amanheceu e só aí a “ficha caiu”. E agora. O que fazer? (Voltávamos a Lenin, na derrota de 1905). Naquela época a comunicação não tinha as facilidades de hoje. Os contatos eram interpessoais e institucionais.
Concluí que a minha vida a partir daquele momento iria virar “de ponta-cabeça”. Não queria acreditar no velho Erasmo, camarada que me filiou ao Partidão, quando profetizou “esse é um golpe para 20 anos”. Infelizmente ele acertou em cheio. Foram exatamente vinte anos, dos quais, sete eu vivi na clandestinidade e, por quase dois, passei exilado na saudosa União Soviética.
Mesmo assim, apesar das muitas baixas sofridas, resistimos à ditadura militar. Reconstruímos, embora de forma frágil e com tropeços, a democracia. Durante a Constituinte de 88 enfrentamos os mesmos adversários golpistas de 1964.
Alinhados no chamado “centrão” impediram avanços sociais consistentes, que poderiam ter feito o Brasil avançar rumo a uma sociedade justa e democrática. Ficamos no meio do caminho, dentro de um processo híbrido, com as portas escancaradas para o neoliberalismo, com suas políticas liberalizantes de entrega do patrimônio nacional.
Embora incompreensões e equívocos das forças progressistas e de esquerda, em 2003, elegemos um metalúrgico a presidente da República. A esperança ressurgiu. Estávamos diante da possibilidade de construção de um novo processo de desenvolvimento voltado para a maioria da população e não acuramos que o inimigo não dorme.
Diante das políticas empreendidas pelo governo democrático e popular, que por certo emancipariam os trabalhadores, os estudantes, as mulheres e a população do campo, eles criaram as condições para um novo golpe e, com isso, destruir os avanços conseguidos.
As mesmas forças de 1954, 1961/64, sempre com apoio da grande mídia conservadora e do judiciário-político, criaram o ambiente propício para o retrocesso. Agora com o propósito de retirar as conquistas dos trabalhadores consignadas na Constituição e na Consolidação das Leis do Trabalho, conseguidas a ferro-e-fogo nos processos de lutas, com suor e lágrimas.
Era preciso abalar as estruturas das organizações sociais e sindicais, com o uso de métodos nazifascistas, alicerçados na bandeira da anticorrupção, para ganhar as mentes da classe média despolitizada e dominada pelos meios de comunicação conservadores.
O golpe de 31 de agosto de 2016, tendo como resultado a cassação do mandato de Dilma, embora sem o uso dos tanques e das armas, das mortes e torturas explicitas, foi mais destruidor. Com métodos políticos similares aos usados pelos nazistas para chegar ao poder, os golpistas de agosto de 2016 criaram um estado de terror pela via da Segurança Pública.
Daquele 1º de abril que eu vivi nada mudou. As classes dominantes continuam na ofensiva para consolidar o retrocesso social e político e de destruição da soberania nacional.
Trajano Jardim – Jornalista. Conselheiro da Revista Xapuri. Foto: Divulgação/ Evandro Teixeira.