De costas para a Verdade

De costas para a VERDADE…

Por Joacir d’Abadia

 Em frente a um portão um passou correndo e logo em seguida veio seu dono que às vezes caminhava, noutras trotava com uma coleira e uma corrente nas mãos. Hora por outra chamava pelo cachorro, no entanto, sem resposta. Nisso um homem que estava sentado do outro lado da rua observava de uma choupana. Sem querer saber o que se passava com o , até porque ele havia atravessado aquela rua rápido demais, o pensador viu uma folha na calçada toda amassada e muito suja e a pegou. Começou a escrever “De costas para o mar…”.
Que poderia significar “de costas para…” alguma coisa? Colocou a refletir o homem! Ele sabia que estar de costas era saber o que está acontecendo, ver toda a realidade e não querer ou não poder fazer nada; estar com as decisões sobre o próprio domínio sem que se possa decidir nada; não querer assumir sua responsabilidade de autoridade competente pra fazer a eleição entre um fato pertinente e outro com pouca relevância; criar meios, artifícios para nunca buscar a verdade de uma ação; recusar a verdade para seguir titubeando sobre sua consciência laxa; perseguir, massacrar a veracidade ao invés de exaltá-la; fazer com que o errado pareça ser o certo; criar leis que beneficie seus interesses mundanos; decretar sentenças coagindo súditos; enxergar a maldade alheia para se beneficiar da fraqueza do outro; encobertar erros, mentiras, roubos.
O homem colocando suas mãos no rosto continuou sua alterando o que havia escrito. Desta vez sintetizou: “de costas para a VERDADE”.
Ao escrever a palavra “VERDADE” ele sentiu dentro de si uma grande calmaria. Seus sentidos em uníssonos comunicaram uns com os outros o deixando em uma dimensão transcendental de forma que pôde sentir esta mesma verdade se fazendo notar dentro dele; era uma libertação; como que tirar todo o fardo de seus ombros. Ele desejou que todos os seres humanos se alimentassem desta chamada “Verdade”. Pensava que se assim fosse os homens teriam mais uns pelos outros e, respectivamente, amariam todos os seres vivos. Não precisaria de nenhum tipo de prisão. O homem viveria sua envolta da verdade, usando de sua liberdade para estar sobrevivendo. Deste modo, não precisaria ninguém correr atrás de nenhum animal para lhe acorrentar mostrando que é seu superior.
Correr atrás de um animal para amarrá-lo é um meio para dizer que tem domínio sobre a fraqueza do mesmo. Contudo, mostrar poder com um indefesso é se acovardar a propósito de si mesmo, porque o primeiro domínio que o homem precisa ter não é a respeito de nada externo, senão dominar seus próprios medos, suas mentiras, suas máscaras de grandeza, sua autoafirmação por meio de prisões como coleira, correntes, leis ou decretos.
Enquanto aquele homem perseguia o cão que seguia correndo tentando salvar sua vida dos maus tratos da prisão, ele se esquecia de que o cachorro era seu protetor, guardava sua casa e sua vida contra todo tipo de mal. Quando o animal foi embora, a vida e a casa daquele homem que tinha as amarras em suas mãos ficaram expostas e poderiam facilmente ser invadidas por forasteiros que antes foram covardemente afugentados. O mesmo animal que fora repelido, antes era seu companheiro e fiel amigo.
Por fim, o pensador concluiu: “o homem é realmente ingrato consigo mesmo e com os outros seres; estando com o poder nas mãos, faz de tudo para expor seu poderio, mesmo que custe a vida dos demais que vão à sua frente usando de sua liberdade para viver a verdade. Alguns homens preferem viver a vida de costas para a Verdade, mas de frente para a mentira”.
ANOTE AÍ:
Joacir 1
Joacir d’Abadia, Sacerdote, Pároco de Alto Paraíso-GO
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Filósofo, Escritor, Especialista em Docência do Ensino Superior, Bacharel e Licenciando em , membro da “Academia de Letras e Artes do Goiano” (ALANEG) e da “Casa do Brasileiro”,  autor do mais recente “A Incógnita de Cully Woskhin” (Palavra e Prece, 2018).

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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