DEGRAUS DE AZALEIAS E GENTE

DEGRAUS DE AZALEIAS E GENTE

DEGRAUS DE AZALEIAS E GENTE

No coração da cidade, a escadaria da Trinità dei Monti se abre em leque, em pedra clara, sob o céu limpo de abril…

Por Antenor Pinheiro, especial de Roma, Itália

É primavera — e com ela, as azaleias da Praça de Espanha. Chegam feito as coisas belas, sem anúncio. Discretamente estão ali, em vasos alinhados como oferendas, cobrindo degraus com a delicadeza que desafia o peso da arquitetura.

São brancas, cor-de-rosa, rubras — pequenas explosões de cor contra o mármore pálido. Mil pessoas capturam imagens. Há algo naquele contraste que as obriga ao clique. A cidade eterna, feita de colunas, impérios e guerras, agora tocada por flores frágeis que vencem a pressa.

O ar carrega o perfume sutil e se mistura ao cheiro de pedras aquecidas pelo sol, ao leve aroma de café que vem das calçadas, ao murmúrio dos idiomas que se cruzam como velhos conhecidos. O mundo inteiro parece estar ali, olhando as mesmas flores.

Um artista senta-se à sombra com seu caderno. Um casal se apoia nos degraus, rindo baixinho. Uma criança corre, tropeça no vaso e volta para os braços dos pais. Uma mulher tira os sapatos e respira fundo para guardar aquele instante dentro de si. E as azaleias nada dizem, apenas florescem.

Fazem da escadaria um jardim suspenso, como se Roma, cansada de ser eterna, quisesse apenas ser brevemente bonita.

Quando a derradeira luz do sol se impõe, a praça ganha um tom de pintura antiga. Há silêncio entre vozes. Há calma que não se explica, como se o tempo tivesse parado para ver as azaleias também.

Não se trata só de flores. É um lembrete de que a beleza vive no breve — e que até o mais grandioso dos lugares pode florescer lindamente em silêncio.

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p class=”” data-start=”53″ data-end=”135″>antenorAntenor Pinheiro – Geógrafo. Membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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