Despedida
Não houve despedida solene. Você decidiu partir e fomos nos despedindo ao longo do tempo…
Por Nara Vilas Bôas Bueno e Lopes
Construindo memórias e angustiando a pressentida dor do adeus.
Memórias amorosas e dolorosas, de cumplicidade, de atrito, de felicidade… todo tipo de memória: memória besta de carinho cotidiano, de mesa posta, de papel timbrado, de muitos códigos de família, de sorrisos espirituosos, de rosca de batata quentinha com calda doce, de poemas declamados, de literaturas compartilhadas, de bobó de camarão saboroso, de trocas de ideias e teorias feministas, de ensinamentos políticos, de consciência de classe, de prosa boa com café fresco, de personagens vivenciadas, de longas estradas e memórias de viagens… todas elas serão, de agora em diante, por mim mobilizadas com um misto de maravilhamento, saudade e sofrimento.
Você decidiu se encantar, tal qual se encantava em vida pelas tantas causas que defendeu, minha mãe. Ficarão essas memórias, pois sei que está em paz. Consegui encarnar essa paz, mesmo em um momento tão doloroso, em sua cerimônia de cremação, ao lado dos meus. Olhamos para nosso Cerrado — majestoso e contorcido, naquela manhã serena — ouvimos suas músicas e poemas, fizemos preces para suas guias e choramos em família.
Nos despedimos para que fique em paz. E também fiquemos em paz, apesar da dor e da saudade.
Ficam seus ensinamentos, professora. Fica seu legado, mãe.
Amo você!