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Dia Nacional Da Consciência Negra: Ontem, Hoje E Sempre

Dia Nacional Da : Ontem, Hoje E Sempre

O artigo apresenta uma retrospectiva histórica a respeito da data e sobre a necessidade da Consciência Negra que, garante a existência de um momento simbólico, que permita à militância negra, aos que combatem em prol dos e àqueles que desejam um livre da discriminação racial uma reflexão e manifestação organizada de seus problemas, normalmente minimizados pelo Estado

Marcelo Gentil*

Em janeiro de 2011,a então presidenta sancionou a Lein°12.519/2011 estabelecendo, no Brasil, o Dia Nacional da Consciência Negra. Entretanto, a origem da data remonta há muito mais tempo. Na cidade de Porto Alegre – RS, o poeta, professor   de literatura e ativista negro Oliveira Silveira (1941/2009), com um pequeno grupo de outros (as)ativistas negros (as) criaram, no início dos anos 70, um grupo negro e o intitularam de Grupo Palmares.

Nas primeiras discussões, uma das principais preocupações do grupo giravam em torno da contestação ao 13 de maio que, ao invés de ressaltar as lutas negras contra a escravidão, exaltava “uma princesa portuguesa”, vista como a verdadeira redentora. Depois de conhecerem a história de Zumbi e do Quilombo dos Palmares por meio do livro Palmares lá Guerrila Negra do historiador gaúcho Décio Freitas, publicado no Uruguai e muito depois, por empenho de Silveira, foi publicado no Brasil sob o título Palmares a Guerra
dos Escravos.

Em 20 de novembro de 1971, aniversário de morte de Zumbi dos Palmares, o grupo composto por umas 20 pessoas, reuniram-se no Clube Náutico Marcílio Dias para fazerem uma ao líder negro. Desse encontro, o grupo resolveu instituir a data como um dia a ser celebrado, doravante, como uma importante data para reflexão e contestação ao 13 de maio.

Em 1978 em uma assembleia do MNUCDR – Unificado Contra a Discriminação Racial – foi proposta e aprovada a data da morte de Zumbi como Dia Nacional da Consciência Negra.

Ano pós ano e, paralelamente ao crescimento da importância dos movimentos negros como entidades das lutas políticas e sociais, a data foi ganhando cada vez mais visibilidade e, em 1995, o Estado Brasileiro, por meio da Fundação Palmares/MinC – FCP e por reivindicação das entidades negras, realizou uma grande celebração nacional alusiva ao tricentenário damorte de Zumbi dos Palmares.

A logomarca oficial da campanha foi criada pelo publicitário baiano João Silva (mesmo criador da logo do Olodum), proprietário da agência Publicidade.

A FCP realizou um concurso nacional de redação para alunos de escolas públicas brasileiras de primeiro e segundo graus; lançamento de cartão telefônico pela Telebrás, do selo postal pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e da moeda comemorativa pela Casa da Moeda.

A própria Fundação Palmares em parceria com a TV E Brasil, criou uma minissérie de televisão dirigida por Walter Avancini, tendo o ator global Norton Nascimento protagonizando o papel de Zumbi dos Palmares e campanha de resgate de personalidades
negras apresentada por Paulinho da Viola, veiculada pela mesma rede pública de televisão.

Debates e seminários se seguiram em todo o país, organizados por sindicatos, entidades negras, universidades públicas e privadas e, até nos e Europa foram realizados eventos alusivos ao tricentenário da morte do grande líder.

Toda essa repercussão no Brasil e no exterior, demonstra a real importância de Zumbi dos Palmares e da luta dos nossos movimentos negros no sentido de explicitar as mazelas do Brasil escravista e em denunciar a persistência dos preconceitos, e discriminação racial no Brasil, quase 130 anos após o ato da Princesa Isabel.

Uma das lutas dos movimentos negros dos nossos dias é manter viva a memória e o legado de Zumbi dos Palmares que muitos tentam negar. Há poucos dias ouvi de uma professora de escola pública a seguinte frase: “Já que é para ter o Dia Nacional da Consciência Negra, deveria haver também o dia nacional da consciência branca”.

Não sabendo ela que este, são todos os demais dias do ano e, disse mais: “Essa coisa de racismo existe porque vocês
ficam falando disso o tempo todo”. Será que se parássemos de tocar nesse assunto, que o racismo acabaria em um toque de mágica? Claro que não.

Como estratégia de tentar apagar a memória de Zumbi do Palmares, a Confederação Nacional do Comércio – CNC impetrou junto ao Supremo Tribunal Federal – STF, uma ADIN – Ação Direta de Inconstitucionalidade, pedindo a extinção do feriado do 20 de novembro no Estado do Rio de Janeiro. No questionamento a CNC alegava que o feriado acarretava prejuízo financeiro ao comércio e interferência nas relações trabalhistas entre os empregadores e os empregados do comércio.

No mesmo sentido, o vereador do DEM/SP, Fernando Holiday, que como demonstrado pelo Portal BuzzFeed, foi eleito com uso criminoso de caixa 2, informou, em recente entrevista à TV Câmara (4/10/17) que apresentará proposta de revogação da data de celebração na cidade de São Paulo, bem como, o fim das cotas raciais nos concursos públicos da cidade.

O que nos intriga é o fato dessas pessoas e instituições jamais terem questionado a existência de muitas datas celebrativas e feriados locais, como dia da Pizza em São Paulo (10/7) e o Dia do Evangélico no Estado do Rio.

A ação da CNC não foi recepcionada pelo ministro Alexandre de Moraes. Caso a ação fosse considerada procedente, por jurisprudência, estaria sendo dado o primeiro passo para a extinção desse mesmo feriado nos Estados de Alagoas, Amapá, , Mato Grosso e Rio Grande do Sul e, em mais de mil municípios brasileiros que estabeleceram feriado na data.

Isso, no exato momento em que a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei n°296/15 do Deputado Valmir Assunção (PT/ Bahia), que transforma o 20 de novembro – Dia Nacional da Consciência Negra em feriado nacional.

O que se deseja, não é a simples criação de mais um feriado cívico, mas sim, a garantia da existência de um momento simbólico, que permita à militância negra, aos que combatem em prol dos direitos humanos e àqueles que desejam um Brasil livre da discriminação racial, uma data em que todos nós, no Brasil inteiro, possamos refletir e nos manifestar organizadamente sobre o Brasil que queremos para nós e para as gerações que ainda estão por vir.

* Marcelo Gentil é Licenciado em História pela UCSAL. especialista em Gerência social para Afrodescendentes da América Latina e Caribe (INDES/BID-EUA, foi diretor de Estudos, Projetos e Pesquisas da Fundação Palmares/Minc e é Vice-presidente do Bloco Afro Olodum.

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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