Dinamarca devolverá ao Brasil manto raríssimo do Povo Tupinambá
“Não tem mineral, não tem fóssil, não tem artefato que consiga ser mais importante que esse manto. Ele representa as primeiras populações brasileiras, é um artefato de uma das primeiras populações brasileiras.” Alexander Kellner – Diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro.
Por Maria Letícia Marques
Há pelo menos 300 anos, um belíssimo manto Tupinambá, adornado com plumagem vermelha, fez parte da coleção do Museu Nacional da Dinamarca.
Levado do Brasil durante a ocupação holandesa do século XVII, no período colonial, o manto, extremamente raro, será agora devolvido ao Brasil, por meio de uma doação ao Museu Nacional do Rio de Janeiro, conforme anúncio do museu dinamarquês no último dia 27 de junho.
Costurado por meio de uma técnica artesanal ancestral, o manto, feito com penas vermelhas de guará, uma ave que vive em áreas de mangue do litoral brasileiro, tem 180 cm de altura por 50 cm de largura, representa uma parte essencial da cultura material e das tradições ancestrais do povo Tupinambá.
Conforme matéria do G1 (https:manto-tupinamba-que-esta-na-dinamarca-sera-devolvido-ao-brasil), os Tupinambá foram um dos primeiros povos indígenas a ter contato com os europeus, após o início da invasão do território pelos portugueses em 1500. Eles habitavam várias aldeias ao longo de uma larga faixa do litoral atlântico e enfrentaram guerras de extermínio, tomada do território, escravização, conversão religiosa e a imposição da língua portuguesa. Mesmo assim, resistiram e, ainda hoje, lutam para manter sua identidade.
Registros europeus dos séculos 16 e 17 mostram que os mantos eram usados pelos Tupinambá em importantes rituais. Muitos foram enviados à Europa por missionários jesuítas, outros foram roubados como espólio de guerra ou trocados num comércio desigual que favorecia os colonizadores. Estima-se que hoje existem cerca de dez mantos Tupinambá, todos eles em museus europeus.
Tratados como itens de valor em coleções reais, algumas peças chegaram a ser usadas por nobres europeus. Uma grafia de 1599 mostra um duque integrante da corte alemã vestido com um manto vermelho numa procissão intitulada “Rainha da América”. Outro aparece vestindo a princesa Sophie von Hannover, filha de um rei da Boêmia, em um retrato pintado a óleo em 1644.
Eu vejo a nossa cultura como um pote que foi quebrado, espalhando vários caquinhos, vários fragmentos por todo o canto. Agora é o momento de a gente recolher esses fragmentos e recompor esse pote. Essa é uma oportunidade para que a cultura Tupinambá seja vista em seu todo – e não apenas em partes, afirmou Glicéria Tupinambá ao G1.
Em nota, o Museu Nacional do Rio de Janeiro celebrou o acontecimento: “A doação do manto Tupinambá configura algo radicalmente novo e que merece ser celebrado: é a primeira peça de incomensurável valor simbólico e artístico, um ícone da história do Brasil e de sua Antropologia, que regressa para o país e para a guarda das instituições nacionais”.
O G1 informa que as negociações para a repatriação do manto, que deverá retornar ao Brasil a partir de maio de 2024, só foram possíveis graças ao envolvimento do embaixador brasileiro na Dinamarca, Rodrigo de Azeredo Santos, do Museu Nacional e da comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro, localizada na ainda não demarcada Terra Indígena Tupinambá Olivença, na Bahia.
Maria Letícia Marques – Pesquisadora e redatora voluntária para a Revista Xapuri. Foto: Reprodução/Portal Mato Grosso.