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Dorothy Stang: Mandante do crime no comando da violência?

Dorothy Stang: Continua o mandante do crime no comando da violência?

A missionária Dorothy Stang foi morta a tiros em 12 de fevereiro de 2005, em Anapu (PA), porque defendia a implantação de assentamentos sustentáveis para rurais em terras públicas reivindicadas por fazendeiros e madeireiros da região.

Por Joseph Weiss

Doze anos depois do assassinato, há menos de uma semana, no dia 31 de dezembro de 2017, Regivaldo Pereira Galvão, conhecido como o “Taradão”, grileiro mais forte de Anapu e o principal mandante do assassinato de Dorothy, depois de muito processo jurídico, se entregou à polícia e está preso.

Além de ficar constatado que Regivaldo mandou matar Dorothy, o blog de Cândido Neto registra uma longa lista de crimes, por alguns dos quais o mandante já foi condenado. 

Dentre seus crimes estão a participação na máfia da SUDAM, onde ele e outros comparsas fraudaram 132 milhões de reais; escravo, ameaças, despejos de trabalhadores assentados, crime ambiental, grilagem de terras públicas da União e estelionato.

E há indícios que, de  dentro da prisão, está se vingando pela segunda vez de Dorothy Stang. A primeira, ao matá-la, e a segunda,  ao acabar com os resultados do seu trabalho. 

Antes, estava em jogo a dela e dos inúmeros ameaçados de morte pela mesma causa. Desta vez, está em jogo a sobrevivência do Projeto de Virola-Jatobá, legado da Irmã Dorothy e a integridade de florestas que até ontem se estendiam por quase 35 mil hectares.

Eu não sou repórter investigativo, só estou ligando os pontos. Outros podem fazê-lo de maneira diferente. Pra mim, fica claro que ele é o opositor mais forte dos trabalhadores e seus aliados.

Na minha opinião pessoal, só ele poderia chefiar a organização que está acabando com a chance de uma Anapu civilizada, onde começava a predominar o espírito da lei.

 

Dorothy EBC
Cortejo do Enterro de Irmã Dorothy – Foto: Alberto Cesar Araujo/Greepeace

A reserva dos agricultores familiares

Há quinze anos, os PDS foram criados como uma proposta de uma vasta área de reserva legal sob domínio coletivo de agricultores familiares.  Os ruralistas e setores contrários a políticas fundiárias e ambientais efetivas na pressionam.

Ao lado do PDS Esperança, o Virola-Jatobá foi criado há 15 anos como fruto do trabalho da missionária em busca de uma solução que aliasse conservação ambiental com reforma agrária.

Há uns meses se desarticulou a atuação do INCRA municipal, responsável pelo assentamento diferente do ponto de vista ambiental.

Na reserva florestal coletiva do PDS, é proibida a agricultura e a pastagem. Só pode aplicar o manejo florestal sustentável de produtos madeireiros e não madeireiros (frutos nativos da Amazônia, óleos, plantas medicinais, castanhas, palhas para artesanatos, etc.).

Os assentados podem cultivar as “áreas de uso alternativo” do PDS, lotes de 20 hectares para cada uma das 160 famílias. Mas, se for indo como está a gestão fundiária e ambiental do governo Temer, nada sobrará dos 35 mil ha da reserva.

Passados quinze anos do início do PDS que irmã Dorothy ajudou a criar, mais de 90% da área continuava sob cobertura florestal no início de 2016. Na reserva legal foi implantada um plano de manejo da Associação Virola-Jatobá dos assentados, retirando todo ano uma baixíssima proporção das árvores adultas, complementando a familiar enquanto mantem a em pé, ao contrário do restante da região da Transamazônica.

Um acordo com uma empresa privada para manejo florestal vigorou entre 2008 e 2012. Foi interrompido por normativa do INCRA que passou a vedar a gestão direta de empresas florestais em projetos de assentamento.

A partir de 2014, os assentados buscaram apoio para reestabelecer o manejo florestal por meio de suas próprias organizações, numa trajetória marcada pela extrema dificuldade no licenciamento e na condução da exploração florestal, mesmo com apoio de organizações de pesquisa como a Embrapa, Federal do Pará e Instituto Floresta Tropical.

Dorothy Stang FOTO PARA NOTA DO COMIT%C3%8A FE V11

A segunda ameaça 

Mais uma vez está ameaçado o incansável trabalho das comunidades tradicionais e a omissão do governo, representado hoje pelo legado da missionária norte-americana e naturalizada brasileira, irmã Dorothy Stang, na região da Transamazônica.

Repete-se em Anapu a perversa estratégia observada em inúmeras situações na Amazônia. Grupos contrários a políticas efetivas de e conservação ambiental ameaçam setores camponeses e comunidades tradicionais que defendem a Amazônia.

Pecuaristas, madeireiros, especuladores imobiliários e políticos querem que essas terras passem pelos mesmos processos que resultaram em degradação e reconcentração fundiária. Desmatamentos são inicialmente feitos por agricultores descapitalizados que, sem apoio governamental, são estimulados a formar pastagens e subsequentemente a repassar seus direitos a outros.

Tudo isso acontece à vista de órgãos públicos imobilizados. Ao INCRA falta recursos financeiros e humanos mas sobretudo orientação política. O IBAMA, igualmente sem recursos, está paralisado, sem resposta governamental às retaliações de madeireiros contra servidores que ainda defendem a floresta em pé.

Nos últimos dois anos, o assentamento tem sido gradualmente ocupado por pessoas que foram ilegalmente adquirindo os lotes de uso alternativo, de 20 hectares. Com pretensões de domínio sobre áreas muito maiores, tais atores investem na progressiva derrubada de florestas na reserva legal.

Estes ocupantes não aceitam as normas ambientais do PDS, sendo apoiados e financiados por grileiros que dominam livres na perversa realidade fundiária na Amazônia, lucrando com a venda de terras públicas na reserva legal do PDS e em terras adjacentes da União que estavam para ser incorporados ao assentamento.

Já em 2015, invasões resultaram na grilagem de terras em parte da reserva legal, trazendo de mais de 300 hectares detectadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.

Nesta situação, madeireiros compram, processam e transportam madeira ilegal para serrarias clandestinas na calada da noite. Incluem, além de toras de espécies valiosas, estacas para cercar pastagens em fazendas. Ocupantes irregulares retiram e vendem, sem parar e sem se preocupar com ações policiais ou governamentais.

Assim, financiam a derrubada das florestas na região. O acapu (Vouacapoua americana), hoje proibido por normativa ambiental federal, é a espécie mais utilizada para a confecção de estacas.

No último dia 15 de novembro, a desestabilização do PDS Virola-Jatobá chegou ao seu ponto mais grave. Um movimento bem articulado e focado na transformação da floresta na reserva legal do PDS Virola-Jatobá em lotes para quem quiser tirar, seja para viver ou vender.

Financiados pelo setor privado ruralista que pratica a ilegalidade, aliam-se nesse movimento vários grupos sociais distintos, articulados por aqueles que foram se estabelecendo irregularmente no PDS.

Enquanto isso, os órgãos fundiários e de fiscalização ambiental nada fizeram para impedir, depois de inúmeras denúncias de delitos e irregularidades apresentadas desde 2015 a estes órgãos e ao Ministério Público Federal. As famílias do PDS insistiam, legalmente, via associação e cooperativa, buscando seus direitos, sem serem atendidas.

No mesmo 15 de novembro, vieram da cidade de Anapu uns 200 posseiros para invadirem a reserva legal do PDS Virola-Jatobá. Demarcaram lotes de 500 a mil metros de frente, alcançando entre 100 a 200 hectares. Vieram motivados por boatos intencionalmente plantados sobre a existência de terras livres no PDS para se “tirar” um lote.

Um movimento frenético de motocicletas passou a ser observado pelas estradas instaladas na reserva legal, estradas estas construídas com apoio do INCRA para o escoamento da safra legal do manejo florestal comunitário, que seria realizado no fim de novembro e agora está ameaçado.

Os invasores trazem motosserras para consolidar nos próximos dias sua ocupação e deixar marcas permanentes no que era a floresta destinada ao Manejo Florestal Comunitário.

Em meio ao caos e na eminência do saque da floresta, muitos dos assentados regulares do PDS aderiram a esta ocupação, desesperados por ver seus direitos sobre a reserva legal serem apropriados por recém-chegados, e principalmente, por não mais acreditar na ação do Estado.

Os ruralistas, setores do poder local envolvidos na exploração ilegal de madeira e na especulação do mercado de terras, são contra este PDS e todos os outros parecidos.

Nos últimos dois anos nos quais o governo federal foi amaciando as regras fundiárias e ambientais, orquestradas com a intensificação de setores ruralistas atuantes em Anapu, para acabar de vez com a proposta do PDS.

Dorothy camiseta

A resistência tem chance?

As famílias que ainda resistem, mesmo correndo eminente risco, apelam para uma ação conjunta que possa reverter a invasão, manter a floresta em pé, viabilizar a continuidade do Manejo Florestal Comunitário e restaurar a dignidade do emblemático PDS Virola-Jatobá.

Eu estava em Altamira no início de dezembro quando, devido a essa instabilidade local, minha visita a Anapu, a 87 km de Belo Monte, foi cancelada.

Tão próxima à tão contestada Hidroelétrica Belo Monte e ao Belo Sun Mining Corporation, tido como o maior projeto de mineração de ouro do Brasil, a ser brevemente aprovado.

Há muito pouco tempo para evitar danos ao ideal daqueles que acreditam ser possível manter essas florestas em pé, enquanto também gerem renda e que alcancem, num dia não tão distante, florestas irreversíveis do Projeto de Desenvolvimento Comunitário, tão sonhados por irmã Dorothy.

Dorothy 1
ANOTE AÍ:

Joseph S. Weiss, Ph.D. – Engenheiro Agrônomo. Ambientalista.

Texto adaptado de Roberto Porro e Noemi Miyasaka Porro — publicado 21/12/2017 no blog do Brasil Debate da cartacapital@. Roberto Porro é antropólogo e engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental;  Noemi Miyasaka Porro é antropóloga e engenheira agrônoma, pesquisadora do Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares, Universidade Federal do Pará.


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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