É preciso perdoar: mágoa mata!

É preciso perdoar: mágoa mata!

É preciso perdoar: ciência confirma ligação da mágoa com infarto

 
É preciso dizer: “Eu te perdoo”. A conclusão é da Medicina e da que, juntas, começam a comprovar que o corpo reage negativamente a sensações como o ressentimento e a raiva. Os infartos, por exemplo, são associados, em alguns casos, a pessoas que não conseguem perdoar.

Enquanto isso, o perdão tem sido visto como a possibilidade de viver melhor e com mais saúde. Uma questão não apenas subjetiva, mas que faz parte do campo da saúde.

A atenção da ciência em relação ao assunto ganhou força nos últimos 15 anos. Os exames mais modernos de imagem como os eletromagnéticos começaram a medir com mais precisão a do cérebro e, consequentemente, do coração a situações de similares ao perdão.
É do cérebro que partem estímulos nervosos para o coração e o resto do corpo.
 
A Psicologia, principalmente depois do advento da Psicanálise, em 1920, sempre se interessou pelos processos inconscientes e subjetivos dos seres .

Em uma mesa do 40º Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de (Socesp), em junho deste ano, a psicanalista Suzana Avezum apresentou uma pesquisa que mostra relação entre o enfarte agudo do miocárdio, quando a circulação de sangue para uma parte do coração é interrompida, e a dificuldade em perdoar.

A pesquisadora entrevistou 130 pacientes que enfartaram, de 2016 a 2018, e encontrou maior incidência do problema entre aqueles que diziam ter dificuldade para perdoar.  Segundo a Secretaria de Saúda da Bahia (Sesab), neste ano, 2,8 mil pessoas foram internadas depois de sofrerem infarto do miocárdio. Não é possível determinar a causa direta de cada infarto.

Na Bahia, o tema do perdão na saúde é tratado diretamente por médicos desde 2017, Foi quando surgiu o chamado Grupo de Estudos em Espiritualidade e Medicina Cardiovascular (Genca), ligado à Sociedade Brasileira de Cardiologia na Bahia. São 14 médicos dedicados no estado.

Até agora, descobertas comprovam, e explicam, como o ato de perdoar age bioquimicamente a ponto de fazer bem ao coração.

Como o corpo reage 

Todas as situações traumáticas ficam, de alguma forma, registradas no corpo. No corpo, perdoar significa diminuir a quantidade de hormônios de estresse e de desgaste emocional como o cortisol , explica Lucélia,

É quando a mágoa deixa de ser exclusivamente subjetiva e passa a ser passível de observação, física, palpável. Não há estudos que deem conta dos efeitos medicinais do perdão no corpo de quem o  recebe. Mas quem estuda o perdão está certo de efeitos positivos para ambos.

“EM ALGUÉM COM RAIVA CRÔNICA, O CÉREBRO FICA MODIFICADO. CONSEGUIMOS VER, COM MARCADORES CINTILOGRÁFICOS [MÉTODO DE DIAGNÓSTICO POR IMAGEM] ALTERAÇÕES”, EXPLICA.

As lesões no coração podem ser causadas justamente nesse processo de alterações que levam a um aumento da frequência cardíaca e até a um processo de inflamação do endotélio, a parte mais interna do coração.

A médica afirma que os estudos já conseguem apontar possíveis relações entre o câncer e sentimentos como a mágoa, a partir da produção excessiva do hormônio cortisol. Não há, no entanto, nenhum consenso científico sobre essa relação.

Por enquanto, relata a cardiologista e psicoterapeuta von Flach, a ciência já atesta que qualquer momento estressante eleva a frequência cardíaca.
São chamados de momentos estressantes qualquer episódio em que o corpo se vê obrigado a dar um resposta rápida a uma situação. É o que acontece, por exemplo, quando a mente recebe a notícia de uma  traição.

Se os batimentos cardíacos são mais fortes, é porque o coração está sendo requisitado além da conta, pontua a médica. Outro ponto é que, na resposta a esse estresse, o corpo pode iniciar um processo inflamatório, que é uma resposta natural do corpo a uma possível desregulação interna ou externa como alterações de níveis de hormônios ou lesões físicas.

O perdão é a possibilidade de deixar de reviver traumas e, com isso, ativar sensações e dores passadas. O ciclo de ativar substâncias danosas, então, é rompido. Não por isso, perdoar significa esquecer.

Quando falam de perdão, as especialistas também falam de um processo de ressignificação de um trama. E não adianta ser apenas da boca para fora, pois o corpo não pode ser enganado.

Mas como perdoar?  

A Medicina já possui um vocabulário próprio para falar do perdão. Aquele que perdoa, por exemplo, é chamado de “magoado”, e o outro a quem se destina o perdão, de “objeto”. Para medir a disposição para o perdão, geralmente são aplicados questionários que supõem situações hipotéticas nas quais os pacientes precisam se colocar.

Um momento traumático é registrado pelo corpo e o ressentimento – o ato de sentir de novo – traz à tona sensações passadas. Se a pessoa não conseguir ressignificar o sentimento, haverá um dano no corpo toda as vezes em quea pessoa relembrar um trauma passado. Isso porque as lembranças reativarão os mesmo processos bioquímicos, como a liberação de hormônios, como a situação fosse revivida.

Embora seja possível comprovar que o perdão é curativo, não há receita de bolo, nem tempo específico, para perdoar. A médica Rosário Von Flach sugere momentos de busca pelo perdão.

Primeiro, é preciso admitir que o sofrimento existe. Também é necessário dar espaço à vazão de sentimentos que aparecerão, como raiva e ódio. E compreender a humanidade do outro. Se quem magoou é humano, é esperado que erros sejam cometidos – falhas que são, inclusive, recíprocas. Nessa lógica, ninguém é vítima, ninguém é algoz.

O resultado é que quem errou começa a ser colocado numa posição de “educador”.

“QUANDO COLOCAMOS AQUELE QUE NOS AGREDIU COMO NOSSO MESTRE, PORQUE TODO TRAUMA NOS ENSINA, PASSAMOS A HONRÁ-LO COMO NOSSO MESTRE”.

Se, até agora, você ainda acha que o perdão é impossível, vale dizer que os traumas, na , são nossas primeiras experiências de .  O primeiro grande trauma sofrido é o próprio nascimento, quando somos lançados a força do único mundo conhecido a um universo completamente novo.

“É uma situação traumática gravíssima. Você  lembra? Eu não. Mas o que foi difícil, depois de sermos bem recebidas, alimentadas, tudo aquilo fica como uma memória traumática que não reativa“, diz a médica. Então, se o nascimento pode ser perdoado, atesta a ciência, tudo pode.

‘Achavam que falar de perdão não era ciência’
Quando, há 10 anos, começou a se interessar pelo tema do perdão, a cardiologista Lucélia Magalhães lembra que, em todo Brasil, eram apenas ela e outros seis médicos. A comunidade médica acreditava que aquilo sequer era ciência.

“LÁ DENTRO, HAVIA UM DEBATE QUE AQUILO NÃO ERA CIÊNCIA, MAS PROVAMOS QUE É CIÊNCIA, É BASEADO EM ESTUDOS. ACHAVAM QUE FALAR DE PERDÃO NÃO ERA CIÊNCIA”, LEMBRA A MÉDICA.

Os seis médicos, ao longo dos anos, viraram 930 – quantidade de médicos cadastrados no Genca Brasil. Se antes, também era escassas as produções científicas, entre cinco e seis no ano, hoje, a média anual é mais que o triplo.

O assunto do perdão faz parte de um tópico chamado de “espiritualidade” pela Medicina. A espiritualidade, explica o cardiologista Luiz Ritt, é compreendida não sob o ponto de vista religioso, mas como “conjunto de valores morais, mentais e emocionais que norteiam , comportamentos e atitudes nas circunstâncias da vida de relacionamento inter e intrapessoal”.

Neste ano, a Sociedade de Cardiologia lançou uma diretriz especifica espiritualidade e saúde. O documento sugere que os médicos perguntem de modo aberto sobre os valores dos pacientes, por exemplo.

Hoje, em , duas faculdades de Medicina têm matérias específicas sobre espiritualidade, segundo Lucélia Magalhães – a Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia e o Centro Universitário UFTC.

Em agosto de 2017, quando o Genca Bahia foi lançado, em média 240 pessoas se reuniam para discutir questões mais subjetivas ligadas à Medicina.

“SÓ TENDE A CRESCER. TÍNHAMOS QUE COMEÇAR COM EMBASAMENTO CIENTÍFICO, SE NÃO, NÃO CONSEGUIRÍAMOS SOBREVIVER”, OPINA LUCÉLIA.

O doutor em cardiologia Luiz Ritt afirma que ainda não é padrão, nos hospitais, levantar a rotina psicológica do paciente, como ele se relaciona nos momentos de raiva, do que ele sente raiva, se ele é capaz de perdoar.

A incorporação das demandas ditas espirituais nas consultas depende, no entanto, de cada médico. E das próprias demandas dos pacientes, opina Ritt, que cada vez mais solicitam abordagens mais pessoais e subjetivas. “As pesquisas, nesse sentido, são mais recentes. Acho que estamos num processo de difundir mais esse conhecimento”, finaliza.

Fonte: Voz da Bahia

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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