Elizabeth Teixeira, 98: Eu continuo na luta!
Em 13 de fevereiro de 2023, Elizabeth Teixeira, a militante das lutas do campo brasileiro, liderança das históricas Ligas Camponesas, completou seus 98 anos de vida. Viva Elizabeth Teixeira!
Por Zezé Weiss
De Elizabeth Altina Teixeira, a moça da roça, filha de fazendeiro, que teve que enfrentar a família para se casar João Pedro Teixeira, um homem preto, pobre, sem-terra e, ainda por cima, da luta, a longa vida sempre exigiu teima e coragem. Em 1962, com a morte do companheiro, Elizabeth assumiu a liderança do movimento camponês no município de Sapé.
O amor a João Pedro a fez fugir de casa para morar com ele, aos 16 anos. Grávida do segundo filho, mudou-se com João Pedro para Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco, e ali o ajudou a fundar o Sindicato dos Trabalhadores da Construção. Por causa da luta, a João Pedro faltou emprego e a família voltou para a Paraíba onde, ajudada por familiares, produziu seus 11 filhos e passou a liderar a luta das Ligas Camponesas no estado.
“Eu continuo na luta!”. A reação de Elizabeth após o assassinato do companheiro, morto pelas costas, com três tiros de fuzil, fez dela exemplo de resistência para o movimento dos trabalhadores rurais de Sapé, da Paraíba e do Nordeste. Nessa luta renhida, enfrentou o machismo da época e abriu picada que outras mulheres, como a amiga Margarida Maria Alves, pudessem liderar espaço de defesa dos camponeses e camponesas do Nordeste, que viviam, praticamente, em estado de escravidão.
Por conta de sua luta por direitos, terra, trabalho e dignidade, por combater o latifúndio no interior da Paraíba na década de 1960, foi presa diversas vezes, passou a viver na clandestinidade, com o nome de Marta Maria da Costa, em São Rafael, no Rio Grande do Norte, depois do golpe militar de 1964. E, provação maior, viu dois de seus filhos, José Eudes e João Pedro, serem assassinados pelo latifúndio e perdeu a filha mais velha, que se matou, por medo de que a mãe tivesse a mesma sorte do pai.
Os anos de clandestinidade duraram até 1981, quando o cineasta Eduardo Coutinho a reencontrou e a fez protagonista do documentário “Cabra Marcado para Morrer”, iniciado em 1964 e interrompido durante a ditadura militar. Lançado em 1984, “Cabra Marcado para Morrer” é considerado por críticos de cinema como um dos melhores documentários brasileiros de todos os tempos.
No Rio Grande do Norte, Elizabeth sobreviveu como lavadeira de roupa e dando aulas. Ela conta que, mesmo na clandestinidade, nunca deixou de defender a Reforma Agrária, causa que continua defendendo até os dias de hoje.
Em 2017, em um encontro como presidente Lula, ela disse: “Enquanto houver a fome e a miséria atingindo a classe trabalhadora, tem que haver luta dos camponeses, dos operários, das mulheres, dos estudantes e de todos aqueles que são oprimidos e explorados. A luta não pode parar!”.
Depois de descobrir que havia sido beneficiada pela Lei da Anistia, de 1979, Elizabeth, que vivia “exilada” apenas com um de seus filhos, voltou para a Paraíba, onde, depois de 20 anos, reencontrou a filharada e foi morar em João Pessoa, em casa doada pelo cineasta Eduardo Coutinho.
Aos 81 anos, quando foi homenageada pelo Senado brasileiro, Elizabeth marcou posição em seu discurso de agradecimento: “O que eu considero importante é que o nosso povo brasileiro se una, fiquem todos unidos, lutando por uma reforma agrária. A maior alegria da minha vida se eu tomasse conhecimento de que fosse implantada uma reforma agrária em nosso país, e que todos os homens do campo tivessem condições de sobreviver ali na terra, melhorar essas condições do trabalhador da terra, isso aí era o que eu tinha mais prazer na minha vida, e hoje, na idade em que estou, tomasse conhecimento de um movimento desses.”
O relatório final da Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória do Estado da Paraíba, reconhece que o Movimento das Ligas Camponesas, aliado aos sindicatos dos trabalhadores rurais, foi o que melhor retratou a resistência dos povos da terra no cenário de confronto do campo brasileiro durante o regime militar. À frente do espaço de luta aberto pelas Ligas Camponesas, a presença aguerrida de Elizabeth Teixeira não somente fez história, mas também, e principalmente, abriu caminho para que outras mulheres, como Margarida Maria Alves e as que a sucederam pudessem seguir teimando em nome da Resistência.
A anciã serena que, do alto de suas quase 10 décadas de vida, já recebeu e recebe grandes homenagens, dentre elas o Diploma Bertha Luz, do Senado Federal, e a Medalha Epitácio Pessoa, a mais alta honraria do Estado da Paraíba. E para alegria sua, a casa onde viveu com João Pedro em Sapé foi tombada e hoje abriga o Memorial das Ligas Camponesas. Viva Elizabeth Teixeira em seus 98 anos!
P.S. Por amar a vida, Elizabeth Teixeira vacinou-se contra a Covid-19 assim que a vacina foi liberada, no ano de 2021.
Zezé Weiss – Jornalista. Editora da Revista Xapuri.
@zezeweiss
Foto de Capa: Reprodução/Documentário Ligas Camponesas