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Em tempos de pandemia, solidariedade é vida

Em tempos de pandemia, solidariedade é vida – O corvo simboliza a morte, mas outras aves competem com ele. Em seu filme “Os Pássaros” (1.963), um clássico do mundial, o cineasta inglês Alfred Hitchcock usa toda sua maestria no suspense pra demonstrar essa simbiose. Ao ver o avanço do novo coronavírus, me lembrei intensamente desse filme.

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O cenário da película é a cidade de Bodega Bay, no estado da Califórnia, Estados Unidos. Os pássaros vão chegando aos poucos, de maneira sorrateira, mas volumosa, e vão tomando espaços, atacando as pessoas. Os moradores e visitantes buscam revidar do jeito que podem e fogem, fechando portas e janelas, buscando o isolamento, pra usar um termo de largo uso no momento.
No Planeta todo, há regiões e países isolados. Neles, há estados, municípios, comunidades, agrupamentos e famílias socialmente isoladas. O isolamento demonstrou ser o modo mais eficiente de conter o Coronavírus, essa praga que afeta toda a Humanidade, em muitos e muitos casos levando à morte, sem distinção de classes sociais ou locais de moradia. Ao vírus, a igualdade é plena.
No sábado, 28 de março, o número de casos de infecção rompeu a casa dos 600 mil, num salto assustador. No entanto, veio junto uma sensação de declínio, de início do fim, de alegria, portanto, mas sem nenhuma garantia de que aquilo de fato ocorreria. De todo jeito, naquele dia, o jornal O Globo abriu assim sua matéria sobre o assunto:
“Os casos do novo coronavírus se aproximam de 615 mil na manhã deste sábado, praticamente dobrando em uma semana: as infecções ultrapassaram a marca dos 300 mil há apenas oito dias, em 20 de março, segundo o levantamento da Universidade Johns Hopkins. O agravamento cada vez mais acelerado da pandemia é resultado do aumento exponencial de casos na Europa e nos Estados Unidos, que se tornou o país mais afetado pela doença na última quinta-feira. Até o momento foram diagnosticados 614.884 casos e 28.687 mortes em 177 países e territórios. O número de pessoas curadas é 135.671.”
A progressão da doença é assustadora. Até a manhã de 13 de abril, data do fechamento desta edição, segundo a Johns Hopkins University & Medicine (coronavírus.jhu.edu), havia 1.860.011 casos confirmados e 114.983 mortes, em 185 países. Ou seja, de 28 de março a 13 de abril, os números mais que triplicaram, e nada aponta ainda para mudança desse ritmo no curso da pandemia.

AGILIDADE NO CONTROLE

Foi na República Popular da China que o vírus apareceu primeiro e foi lá mesmo que se desenvolveu mais rapidamente o método de sua contenção, com o isolamento inicial de uma província. Depois, foram sendo fechadas outras portas, todos os caminhos e possibilidades, de modo que o vírus foi controlado em poucas semanas.
A descoberta do vírus na província chinesa de Wuhan causou enorme susto no mundo inteiro. Afinal, trata-se de um país com 1,4 bilhão de habitantes – e dá pra imaginar o tamanho do estrago se, ali, o , como o vírus foi batizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), fugisse do controle. Mas não fugiu, ao contrário, foi detido com rapidez exemplar.
Imediatamente, a China ofereceu apoio a outros países também assediados pelo Covid-19, principalmente na Europa, onde a Itália havia assumido o papel de maior vítima e a Espanha seguia logo atrás, falando de número de casos confirmados de infecção e de mortes.
Foram enviados especialistas e toneladas de respiradores, roupas, máscara de proteção e medicamentos para combater a pandemia em vários países ao redor do mundo, entre os quais Itália, Espanha e Irã. Depois do Fundo Monetário Internacional (FMI) negar financiamento para combater o coronavírus na Venezuela, a China imediatamente enviou ajuda financeira pra enfrentar a pandemia naquele país.
Foram numerosos, de igual modo, os apoios recebidos pela China, naquele primeiro momento, de fontes as mais diversas. Contudo, não houve tempo sequer de colocar em prática esses apoios, tal a rapidez com que os chineses agiram. As ações voluntárias nos locais de trabalho e de moradia, em conversas e atos em promoção do isolamento, foram de grande valia.

SOLIDARIEDADE

A solidariedade pode ser um ato individual, entre duas pessoas, parentes, amigos ou vizinhos ou uma ação coletiva, social, envolvendo número variável de seres humanos, de pequenos grupos a grandes coletividades. É um ato de bondade e compreensão com o próximo ou um sentimento, uma união de simpatias, interesses ou propósitos entre os membros de um grupo. A palavra teria francesa e significa responsabilidade mútua ou recíproca.
No Dicionário Houaiss, o verbete é classificado assim: substantivo feminino. 1. caráter, condição ou estado de solidário; 2. Rubrica: termo jurídico – compromisso pelo qual as pessoas se obrigam umas às outras e cada uma delas a todas; 3. sentimento de simpatia ou piedade pelos que sofrem; 4. manifestação desse sentimento, com o intuito de confortar ou ajudar – ex.: levou sua s. aos sobreviventes da tragédia; 5. cooperação ou assistência moral que se manifesta ou testemunha a alguém em certas circunstâncias – ex.: diante dos fatos, não hesitou em dar sua s. ao adversário; 6. estado ou condição de duas ou mais pessoas que dividem igualmente entre si as responsabilidades de uma ação ou de uma empresa ou negócio, respondendo todas por uma e cada uma por todas; interdependência; 7. identidade de sentimentos, de ideias, de doutrinas – exs.: s. partidária, s. de classe.
A solidariedade é, no fim das contas, um estilo de vida, que tem muitos efeitos sobre as sociedades humanas, em maior ou menor intensidade. Dela depende, por exemplo, a relação dos humanos com a natureza. Nas sociedades capitalistas, onde a propriedade privada e a competição se impõem, esse sentimento se enfraquece e, em muitos casos, deixa de existir com caráter coletivo.
Ao mesmo tempo, porém, há modos de vida que sobrevivem dando espaço a outros modelos. O ainda é berço do modo de vida indígena, profundamente solidário, em que a atividade econômica tem convívio harmônico com o meio ambiente. Esse modo é também adotado por comunidades não- da Amazônia, como as cooperativas extrativistas, por exemplo.

DURKHEIM

Esse estilo de vida tem sido alvo de incontáveis estudos e pesquisas científicas, especialmente nos dois últimos séculos. O filósofo francês Émile Durkheim, um dos criadores da Sociologia, se dedicou ao da solidariedade e, na sua obra, aborda o caso dos índios do Brasil.
Ao se dedicar ao estudo da sociedade industrial do século XIX, Durkheim percebeu a importância de se compreender a organização social, isto é, compreender o que garantia a vida em sociedade e uma ligação (maior ou menor) entre os seres humanos.
Chegou à conclusão de que os laços que prenderiam os indivíduos uns aos outros, nas mais diferentes sociedades, seriam dados pela solidariedade social, sem a qual não haveria uma vida social, sendo esta solidariedade do tipo mecânico ou orgânico.
Na tarefa de compreendê-la, é preciso levar em consideração as ideias de consciência coletiva (ou comum) e de consciência individual, também estudadas por esse autor. Cada um de nós teria uma consciência própria (individual), com características peculiares e, por meio dela, tomaríamos nossas decisões e faríamos escolhas no cotidiano.
A consciência individual estaria ligada, de certo modo, à nossa personalidade. Mas a sociedade não seria composta pela soma de consciências individuais, mas, sim, pela presença de uma consciência coletiva (ou comum). A consciência individual sofreria a influência de uma consciência coletiva, que seria fruto da combinação das consciências individuais de todos os humanos ao mesmo tempo.
A consciência coletiva seria, então, responsável pela formação de nossos valores morais, de nossos sentimentos comuns, daquilo que temos como certo ou errado, honroso ou desonroso e, dessa forma, ela exerceria uma pressão externa, no momento de nossas escolhas, em maior ou menor grau.
Assim, podemos afirmar que, para Durkheim, a solidariedade social se daria pela consciência coletiva, pois essa seria responsável pela coesão (ligação) entre as pessoas. Contudo, a solidez, o tamanho ou a intensidade dessa consciência coletiva é que iria medir a ligação entre os indivíduos, variando segundo o modelo de organização social de cada sociedade.

POVOS INDÍGENAS

As comunidades indígenas do país, especialmente aquelas que vivem em reservas no Centro-Oeste e Amazônia, vivem à espera de balas desferidas por madeireiros, garimpeiros e ruralistas.
Agora, contudo, temem a chegada desse vírus letal. E, mesmo já isolados em suas aldeias, seguem as orientações do Ministério da Saúde e não saem de suas tabas, nem pras atividades tradicionais como coleta de alimentos.
De qualquer modo, nas sociedades de organização mais simples, como as deles, predominaria um tipo de solidariedade diferente daquela existente em sociedades mais complexas, uma vez que a consciência coletiva se daria também de forma diferente em cada situação. Basta uma simples comparação entre sociedades indígenas do interior do Brasil com sociedades industrializadas, como as das regiões metropolitanas das principais capitais.
O sentimento de pertencimento e de semelhança é muito maior entre os indígenas ao redor de um lago quando pescam do que entre os passageiros do metrô de São Paulo, ao irem para o trabalho pela manhã. Dessa forma, segundo Durkheim, poderíamos perceber dois tipos de solidariedade social, uma do tipo mecânica e outra orgânica.
Numa sociedade de solidariedade mecânica, o indivíduo estaria ligado diretamente à sociedade, sendo que enquanto ser social prevaleceria em seu comportamento sempre aquilo que é mais considerável à consciência coletiva, e não necessariamente seu desejo enquanto indivíduo.
A solidariedade do tipo mecânica depende da extensão da vida social que a consciência coletiva (ou comum) alcança. Quanto mais forte a consciência coletiva, maior a intensidade da solidariedade mecânica. Aliás, para o indivíduo, seu desejo e sua vontade são o desejo e a vontade da coletividade do grupo, o que proporciona uma maior coesão e harmonia social.
Esse sentimento estaria na base do sentimento de pertencimento a uma nação, a uma religião, à tradição, à família, enfim, seria um tipo de sentimento que seria encontrado em todas as consciências daquele grupo. Assim, os indivíduos não teriam características que destacassem suas personalidades, como visto no exemplo da tribo indígena, por se tratar de uma organização social “mais simples”.

SEM IDEOLOGIAS

A verdadeira solidariedade está longe de posturas exclusivistas, personalistas e de natureza ideológica, como ficou claro nessa avassaladora crise por que passa a Humanidade. Qualquer que seja o nível de sua manifestação, seja ele doméstico, caseiro, ou internacional, de largo alcance.
Os campos de refugiados de conflitos espalhados pelo mundo são apontados como áreas de possível proliferação do coronavírus e têm colocado governantes e lideranças políticas de sobreaviso. Mais uma vez, contudo, essa possibilidade não tem se confirmado. De todo jeito, na Síria, Grécia e outros países onde há campos de refugiados, diversas ações foram preparadas por ONGs e grupos de voluntários, visando reduzir a dor dessas populações, caso sejam atingidas.
Chama atenção e merece destaque, desde logo, a atuação de Cuba, com diversas manifestações de solidariedade a outros países, independente de posições político-ideológicas de cada. O primeiro foi a Itália, que se tornou epicentro da pandemia no momento em que a China pôs o vírus sob controle. Uma delegação de algumas dezenas de médicos e enfermeiros cubanos foi aplaudida por populares ao desembarcar em Milão, no norte daquele país.
O presidente da China, Xi Jimping, entrou em contato com os principais mandatários cubanos, com os quais debateu sobre ações conjuntas e agradeceu a pronta solidariedade de Havana quando da descoberta do novo coronavírus. Em entrevista à imprensa, ele afirmou:
“Nesta luta contra o surto, a China adotou a visão de uma comunidade com o futuro compartilhado com a Humanidade. Uma atitude de abertura, transparência e responsabilidade, compartilhando informações com a OMS e a comunidade internacional, de modo oportuno, e respondendo ativamente às preocupações de diversos lados, fortalecendo a cooperação para impedir a endemia de se espalhar pelo mundo.”
Ao mesmo tempo, Cuba aceitou um pedido do Reino Unido e acolheu um navio britânico com passageiros infectados, após passar vários dias no mar, sendo rejeitado por outros países do Caribe. Ou seja, o governo cubano adota com firmeza o conceito da comunidade global, em que a solidariedade se sobrepõe a qualquer outro sentimento ou interesse.

Respeitado no mundo inteiro pelos conceitos que empregou no seu trabalho como educador e na sua obra teórica, Paulo Freire também defende a isenção da solidariedade. Ou seja, ao ser colocado em prática, este gesto desconhece as diferenças sociais, de classes ou de posicionamentos.
O elemento humanista marxista da libertação na pedagogia crítica exige a noção de solidariedade para transformar a prática dos oprimidos, bem como a sua posição em direção ao opressor. Para Freire, “a solidariedade verdadeira é encontrada somente na plenitude deste ato de amor, em sua existencialidade, na sua práxis. Afirmar que os homens são pessoas e que como pessoas devem ser livres, e ainda assim não fazer nada tangível para fazer esta afirmação uma realidade, é uma farsa”.
Freire defende a possibilidade de os oprimidos estarem em solidariedade uns com os outros e, finalmente, com o opressor, através de uma compreensão mais flexível do “nós” da solidariedade. Essa solidariedade também envolve uma conceituação do “nós” em solidariedade que é composto de vários “eus” e evita uma dicotomização de “nós” contra “eles”, promovendo um reconhecimento mútuo do outro dentro do “nós”.

EM TODO LUGAR

Foi uma baita festa. Começou às 18h de sexta-feira, dia 27 de março, das mais diversas formas. Buzinas de carros, apitos, cantorias e aplausos nas janelas de beiras de estrada exaltando a figura do motorista de caminhão, os caminhoneiros e as caminhoneiras.
Os heróis da estrada, como esses profissionais são carinhosamente tratados, uma vez mais se sacrificam em favor da coletividade.
Nas estradas esvaziadas, carretas de todos os tamanhos rodam no país inteiro transportando principalmente alimentos, tanto industrializados como vindos direto das lavouras, que acabam chegando às moradias onde a população se isola pacientemente. Correm risco maior de serem apanhados pelo vírus traiçoeiro, mas estão aí, e pé na estrada.
Quando surgiu a crise do coronavírus, os caminhoneiros estavam programando uma greve nacional, mas a ideia foi abandonada por tempo indeterminado. “Sobre a preocupação da população e de todos outros atores com a questão se o caminhoneiro vai parar, a resposta é não. Os caminhoneiros sabem da importância do papel deles nesse momento”, afirma Marlon Maues, assessor executivo da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA).
Desde o começo do ataque do vírus, também, eles contaram com apoio extra de comunidades e de órgãos de governos, de modo a garantir essa estirada. Inicialmente, restaurantes e postos de combustíveis fechados se tornaram um problema, pela falta de alimentos e de óleo Diesel.
Logo em seguida, porém, pequenas empresas e comunidades se uniram — de norte a sul, de leste a oeste – e garantiram marmitas aos caminhoneiros, em muitos casos de forma gratuita. Do mesmo modo, os postos foram reabertos em horários apropriados, assegurando a retomada dos transportes. Sim, e o transporte de carga passou a ser tratado como atividade essencial, que não pode ser interrompida.
Ao mesmo tempo, órgãos de trânsito adotaram medidas que facilitaram a vida dos caminhoneiros, como a flexibilização do controle nas rodovias, com a ampliação dos prazos a carteiras de motoristas vencidas e a suspensão das balanças em rodovias, por exemplo. A própria Polícia Rodoviária Federal entrou na campanha popular de incentivo aos caminhoneiros, evitando a paralização total e o consequente desabastecimento.
Algumas outras categorias profissionais seguem a mesma sina, num esforço extraordinário pra fazer as coisas funcionarem, salvando vidas. A começar, é claro, pelos profissionais de saúde, os primeiros a entrarem na roda do atendimento público, onde os limites do profissionalismo e da solidariedade desaparecem, se diluem em meio a um processo em que uma dose de atenção, acompanhada de um sorriso, são mais do que bem-vindos, são essenciais.
Menos exposto, mas igualmente importante, é o trabalho dos garis na limpeza das áreas públicas das cidades e coleta nas zonas residenciais. É certo que o volume de deixado nas ruas diminuiu consideravelmente com o isolamento, mas continua sendo produzido e precisa ser recolhido.
Também nesse caso, os profissionais e mesmo os catadores autônomos receberam vários tipos de apoio e foram bem acolhidos pela sociedade, num gesto espontâneo de solidariedade.

A DOR É MENOR

Em edifícios residenciais, condomínios e áreas de favelas surgiram vários tipos de atividades carregadas de desprendimento e amor ao próximo, independente de quem seja. A vizinhança passa à categoria de parentesco. Por exemplo, pessoas jovens e bem dispostas se oferecem pra fazer compras em mercados e farmácias aos vizinhos de grupos de risco, isolados em suas moradias, sem cobrar nada…
Outros usam a Internet e montam brincadeiras em grupos, como forma de quebrar a monotonia do isolamento. Este é o caminho encontrado por agitadores culturais pra se manterem em atividade, respeittando o isolamento recomendado. Em muitos casos, os deveres de escolas dos participantes do grupo entram na roda, de modo que a atividade vira aula virtual.
O fato é que o desempenho desse vírus tem uma espécie de lógica matemática, que os pássaros do filme de Hitchcock não tinham. O filme tampouco explica por que os pássaros das mais diversas espécies resolvem atacar as pessoas. E a cena final é obscura: em plano aberto, aparece uma paisagem meio escurecida, dando a entender que as aves haviam tomado conta de tudo por ali.
Pelo andar da carruagem, no entanto, os bichinhos chamados de coronavírus não terão ânimo nem fôlego pra isso. De minha parte, tenho me lembrado do desenrolar do filme, com sua linguagem própria, efeitos sonoros e os cuidados especiais com a fotografia, mas busco me esquecer do seu final.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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