Entre a dor e a esperança

Entre a dor e a esperança

A tragédia humanitária hoje enfrentada pelo povo Yanomami constata uma verdade inexorável: nossos povos indígenas, assim como o meu povo preto, continuam sofrendo as mazelas de um racismo estrutural histórico, cruel e genocida.

Por Iêda Leal

Penso na criança com vermes saindo pela boca; no ancião esquelético, desnutrido pela dor da fome; na adolescente emprenhada pela violência de um estuprador abjeto; na mulher violada em sua dignidade, sem direito sequer à última despedida, à cremação do filho inerte.  

Penso nos rios poluídos pelo garimpo, nos peixes mortos onde a pesca foi um dia abundante, na fome, na dor da fome, na morte pela fome entre os escombros de uma floresta que foi, um dia, fonte de paz e de fartura para o povo Yanomami.

Me entristeço e choro. Minha indignação profunda vem das entranhas dessa minha alma negra que presenciou e presencia, dia sim, dia sim, violências terríveis também contra o meu povo negro, Brasil afora.

Mas nem tudo é desalento. Temos, hoje, um Ministério dos Povos Indígenas, um Ministério da Igualdade Racial e um Ministério dos Direitos Humanos que, atentos e fortes, começam a fazer valer os direitos do povo negro e dos nossos povos originários. 

 Começa-se, neste novo tempo do governo Lula, o lento processo de valorização do conhecimento ancestral dos povos indígenas, extrativistas e quilombolas, todos eles guardiões da nossa cultura e da nossa biodiversidade. “Nunca mais um Brasil sem nós”, determinou a ministra Sonia Guajajara em seu discurso de posse.

Nunca mais um Brasil sem nós, ecoa, com igual força e determinação na alma das pessoas pretas que, assim como eu, vislumbram, neste momento de combate intenso às mazelas da discriminação e da injustiça, a possibilidade concreta de, agora sim, tornarem-se sujeitos de se sua própria história.

Penso, então, no binômio indignação-esperança. Não há como não se indignar com a tragédia humanitária dos Yanomami. Mas é hora de esperançar porque, por fim, o Estado chega para proteger aquele povo desvalido, para garantir o fim da fome, para fazer a desintrusão do garimpo, para garantir a despoluição da floresta. 

Esperancemos, pois, pela volta da dignidade do povo Yanomami, dos povos indígenas, extrativistas e quilombolas, e de todo o meu povo negro!

Iêda Leal – Secretária de Combate ao Racismo da CNTE; Secretária de Comunicação da CUT-GO; Tesoureira do SINTEGO; Coordenadora Nacional do Movimento Negro Brasileiro.

 


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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