“Tem gente que chega lá em casa, aí diz: Mas, seu Espedito, por que que toda peça sua tem um coração? Digo: porque eu faço de todo coração, né?” Espedito Seleiro
Por Zezé Weiss
Seleiro desde menino, Seu Espedito, nascido em 1939, em Arneiroz, no interior do Ceará, aprendeu o ofício com o pai, aos oito anos, confeccionando selas e outros equipamentos para vaqueiros, tropeiros e cangaceiros.
Do pai, falecido muito moço, herdou algumas ferramentas de ofício e a responsabilidade de sustentar a mãe e seus nove irmãos menores. Ali onde viviam, na Chapada do Araripe, no extremo sul do Ceará, em Nova Olinda, cidade localizada a 543 quilômetros de Fortaleza, seu Espedito tornou-se exímio produtor de selas.
No início dos anos 1980, Seu Espedito teve que reinventar seu ofício, porque a profissão de vaqueiro entrou em queda, devido a uma profunda crise na pecuária, causada pela mais longa estiagem do século XX, que assolou o Ceará por longos cinco anos, entre 1979 e 1984.
Espedito Seleiro passou a fazer outras peças em couro, como sandálias e bolsas, e passou a usar cores. Tornou-se investigador de pigmentos naturais e técnicas de tingimento.
Descobriu o angico que tinge de marrom, o urucum que traz o vermelho, a cinza da capimbeira, que colore de branco. Com o tempo, criou sua própria estética, com cores e desenhos únicos, resultado da influência cigana, povo que admira e que, quando novo, o fascinava pelas vestimentas e adornos.

Para não deixar morrer o conhecimento que vinha sendo passado desde seu tataravô, ensinou o ofício aos irmãos, depois aos filhos e, mais recentemente, aos netos.
Fundou também a Oficina-Escola Espedito Seleiro que, além das técnicas do ofício, cria, entre jovens do Cariri, a compreensão de que esse saber-fazer é parte de uma cultura, de um modo de ser que está vivo e que deve seguir vivendo dentro de cada jovem do sertão.
Hoje, Seu Espedito produz calçados, bolsas, chapéus, carteiras, bancos, poltronas, além das selas, gibões e outros elementos da cultura vaqueira. Tudo artesanal, feito com couro de cabra, pelica e camurça compradas em diversas cidades do Nordeste.
Suas peças são vendidas em outros estados e exportadas para outros países. Alguns produtos se destacam como muito característicos do mestre artesão, como é o caso das sandálias de Lampião e de Maria Bonita.
A confecção das sandálias foi inspirada por uma passagem da história do seu pai. Um dia, um cliente chegou com o desenho de uma sandália “quadrada” que encomendou do pai de Espedito.
Alguns dias depois, quando voltou para pegar a encomenda, aprovou a sandália e revelou ser cangaceiro do bando do Capitão Virgulino. A sandália com o formato quadrado tinha uma função bem prática para o bando por despistar os rastros deixados pelos calçados nas areias do sertão.
Anos depois, a pedido do músico Alemberg Quindins, idealizador da Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri, Espedito confeccionou uma sandália igual à de Lampião. Logo em seguida, criou também a sandália de Maria bonita.
Mestre da cultura, reconhecido oficialmente pelo Governo do Estado do Ceará e pelo Ministério da Cultura, Seu Espedito recebeu também o título de Notório Saber pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) em 2017.
Zezé Weiss – Jornalista. Publicado originalmente em julho de 2021. Fotos internas: Artesol e Site Miséria. Capa: Reprodução Internet.
