EUNICE PAIVA: UMA MULHER DE MUITAS LUTAS

EUNICE PAIVA: UMA MULHER DE MUITAS LUTAS

EUNICE PAIVA: UMA MULHER DE MUITAS LUTAS

Conheci Maria Lucrécia Eunice Facciolla Paiva (1929-2018) em fevereiro de 1980, no Colégio Sion, em São Paulo, na fundação do PT. Mesmo com o filho Marcelo ainda se recuperando do acidente que o deixou paraplégico em dezembro de 1979, Eunice Paiva, a mulher-símbolo da luta contra os crimes da ditadura militar, estava lá, com Lula, construindo o partido político que mudou a história do Brasil

Por Zezé Weiss

Embora eu já soubesse, desde meados da década de 1970, sobre a militância de Eunice no campo dos direitos humanos e na defesa dos povos indígenas, foi a partir da leitura de um artigo dela e de Manuela Carneiro da Cunha, publicado na Folha de SP em outubro de 1983 com o título “Defendam os pataxós”, que decidi botar mais reparo em sua jornada de resistência. 

Dali por diante, fui criando cada vez mais intimidade com as batalhas da companheira que, além da busca por seu marido, “desaparecido” nos porões da ditadura, foi, no dizer de Ailton Krenak, em entrevista à CBN, “de uma expressão tão grande que se torna impossível contar a história do movimento indígena nos anos 1970 e 1980 sem fazer referência a Eunice Paiva, tanto do ponto de vista jurídico quanto humanitário.” 

Uma das poucas advogadas especializadas na defesa jurídica de indígenas contra os arbítrios da ditadura – conforme dados  da Comissão Nacional da Verdade (CNV), pelo menos 8.350 pessoas indígenas foram mortas  “em decorrência da ação direta de agentes governamentais ou da sua omissão” –,  em 1978 Eunice se juntou à Comissão Pró-Índio, uma entidade a que os povos indígenas podiam recorrer, uma organização ‘para-raio’ de conflitos”, segundo Márcio Santilli, hoje diretor do Instituto Socioambiental (ISA). 

Seja assinando pareceres judiciais, buscando indenizações e demarcações de terras, publicando artigos e livros, e, em especial, contribuindo na elaboração do capítulo “Dos índios” da Constituição Federal de 1988, a presença firme de Eunice Paiva tornou-se parte indissociável das lutas do movimento indígena brasileiro. Como não admirar essa trajetória?

Mas íntima de Eunice eu fiquei mesmo foi em dezembro de 2015, quando me recuperava da mastectomia bilateral que fiz como parte do tratamento contra um câncer que mudou o rumo da minha vida. Em uma tarde chuvosa, naquele momento em que meu coração balançava entre dores e esperanças, a amiga Nena Lentini chegou aqui em casa, em Formosa, com o Ainda Estou Aqui

 “Esse livro vai ajudar no seu processo de cura.  É uma ode à resiliência de uma mulher que lutou, de cabeça erguida, para que o regime militar reconhecesse ter matado e lhe entregasse o corpo de Rubens Paiva, levado de sua casa no Rio de Janeiro por agentes à paisana no ano de 1971, para nunca mais ser visto,” disse Nena. 

Li o livro de Marcelo Rubens Paiva de uma sentada só, a noite inteira. Aprendi muito sobre o Alzheimer, sobre como a doença evolui. Chorei muito com a violência da ditadura contra uma mulher e suas crianças inocentes. Me indignei com as marcas deixadas na história de uma família a quem, como tantas outras, sequer foi dado o direito de enterrar seu morto. 

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Foto: Acervo da Família/Reprodução

Desde então, Ainda Estou Aqui virou meu livro de cabeceira. Leio sempre, não o livro inteiro, mas partes, sobretudo em noites de insônia ou prenúncio de tempestades. Fui ficando cada vez mais admiradora de Eunice Paiva, essa mulher extraordinária que fez, do luto, luta em defesa da justiça, do resgate de memória, dos direitos humanos e da democracia. 

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Agora, com mais de 5 milhões de pessoas conhecendo essa mulher de tantas lutas nos cinemas brasileiros e Ainda Estou Aqui voltando de Hollywood com o Oscar de melhor filme internacional, embora em vida jamais tivesse buscado qualquer protagonismo que não fosse por justiça e por liberdades, Maria Lucrécia Eunice Facciolla Paiva tornou-se, justa e merecidamente, admirada e respeitada por boa parte do povo brasileiro.  

ÍNTIMA DO BRASIL 

A mulher que se tornou íntima do Brasil nasceu em São Paulo, em 07/11/1929 e faleceu também em São Paulo em 13/12/2018, aos 89 anos.  Eunice Paiva

Casou-se, aos 23 anos, com o engenheiro Rubens Beyrodt Paiva, deputado federal eleito pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) em outubro de 1962, e cassado pelo AI-1, o primeiro ato exceção do golpe militar, em 9 de abril de 1964.

Com a cassação, o casal se exilou na antiga Iugoslávia, hoje Sérvia, e depois na França. Voltaram  ao Brasil em 1965 e deixaram São Paulo, rumo ao Rio de Janeiro, com suas quatro filhas, Vera Sílvia Facciolla Paiva (1953), Maria Eliana Facciolla Paiva (1955), Ana Lúcia Facciolla Paiva (1957), Maria Beatriz Facciolla Paiva (1960), e seu único filho, Marcelo Rubens Paiva (1959).  

Em 20 de janeiro de 1971, a casa da família Paiva foi invadida por seis militares à paisana, e ele foi preso, torturado e morto nos porões da ditadura. Eunice e Eliana, uma das filhas do casal, de apenas 15 anos, também foram presas. Eliana foi solta um dia depois. Eunice permaneceu presa e incomunicável durante doze dias. Rubens Paiva “desapareceu” para sempre. Eunice Paiva

Em março de 2014, o coronel reformado Paulo Malhães, em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, confirmou que Paiva foi torturado até a morte e depois teve seu corpo jogado em um rio na região serrana do Rio de Janeiro. Em maio de 2014, o MPF do Rio entrou com uma ação contra cinco militares envolvidos no caso. Malhães foi encontrado morto em sua casa, em abril, um mês após seu depoimento à Comissão da Verdade.

Viúva aos 41 anos, ainda em plena ditadura, em 1973, dois anos depois do sumiço de Rubens Paiva no DOI-Codi do Rio de Janeiro, Eunice voltou com suas quatro filhas e com Marcelo, seu único filho, para São Paulo, entrou para a Faculdade de Direito e virou militante pela Anistia, pela redemocratização, pelas Diretas-Já, pela Constituinte, pela Democracia. 

Atenta e forte, liderou campanhas pela abertura dos arquivos sobre vítimas da ditadura militar e, por sua militância crítica, arriscou a própria vida, como mostraram documentos do SNI (Serviço Nacional de Inteligência) que vieram a público em 2013, pois tanto ela quanto seus filhos foram vigiados por agentes militares de 1971 até 1984. Eunice Paiva

Lutou pela promulgação da Lei 9.140/95, que reconhece como mortas as pessoas desaparecidas em razão de participação em atividades políticas durante a ditadura militar. Em 23 de fevereiro de 1996, após 25 anos de luta por memória, verdade e justiça, Eunice conseguiu que o Estado brasileiro emitisse oficialmente o atestado de óbito de Rubens Paiva. Eunice Paiva

AINDA ESTOU AQUI

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Com um editorial primoroso, publicado dia 3 de março, o Portal Vermelho celebrou a conquista do nosso primeiro Oscar, sobretudo por sua importância para “inspirar a luta pela democracia”. Segue o texto, com pequenas edições por limitação de espaço de ajuste temporal: 

Pela primeira vez, o cinema brasileiro conquistou uma cobiçada estatueta do Oscar. Na noite do dia 2 de março, Ainda Estou Aqui foi premiado na categoria de “melhor filme internacional”. O feito se deu em pleno Carnaval, o que turbinou ainda mais a euforia que alagou ruas e avenidas do País.

Foliões com máscaras da magistral atriz Fernanda Torres e réplicas da estatueta erguidas ao alto como taças de campeonatos de futebol passaram a se destacar entre as alegorias. Fernanda não foi agraciada como melhor atriz, mas adquiriu reconhecimento internacional e se consagrou em definitivo como parte do melhor da dramaturgia brasileira.

Ainda Estou Aqui somou quantidades significativas de público e bilheteria no País e no exterior. Realizou-se uma maratona frenética de divulgação do filme, exibido em 50 festivais pelo mundo afora. O diretor Walter Salles (que recebeu a estatueta, em nome da equipe), a própria Fernanda, o ator Selton Mello e os produtores do filme realizaram dezenas e dezenas de debates em salas de cinema, além de um número incontável de entrevistas em veículos de vários países.

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Essa promoção do filme foi importante. Mas, qual teriam sido as razões de fundo dessa conquista inédita? 

Duas se destacam. A primeira, a qualidade em si do filme, que vem da maestria da direção de Walter Salles e da qualidade do elenco com Fernanda Torres à frente, a sempre notável atuação de Selton Mello e da escolha certeira da trupe jovem.

Sem ouro puro, porém, não há ourives que sejam capazes de esculpir esplêndidas joias. E ouro aqui é o livro de Marcelo Rubens Paiva. É, pois, um produto cultural cinematográfico derivado da cabeça aos pés do trabalho de gente experimentada, veterana, que foi capaz de apresentar uma “pegada nova”, original, de uma velha ferida ainda não cicatrizada: as atrocidades da ditadura militar brasileira, a partir do sofrimento de uma família que, apesar dos padecimentos, triunfa diante do regime de terror dos generais.

A cena icônica na qual Eunice (Fernanda) ordena à família que abra um sorriso largo, contrariando o pedido do editor da revista que orientara o repórter a obter uma foto triste, consoante ao teor da entrevista, salienta a fibra da matriarca e a esperança apesar das trevas.

O certo é que o filme, por sua estética, forma e conteúdo, bem como pelo desempenho magistral de Fernanda Torres, rompeu a bolha e cativou um público amplo no Brasil e no exterior. Pesquisa Ipec realizada no início de fevereiro atestou que 80% dos eleitores de Lula se sentem orgulhosos pelo fato de o filme ter sido indicado a três Oscars, mas não só: 62% dos que votaram em Bolsonaro, também têm sentimento igual. Eunice Paiva

E qual seria o segundo motivo principal de um filme em língua portuguesa ter sido acolhido por estrangeiros de dezenas de países e ter vencido acirrada concorrência pelo Oscar? Eunice Paiva

Ainda Estou Aqui expressa um sentimento e suscita a necessidade de tomada de posição que pulsa forte, sobretudo, nas Américas e na Europa, devido à força emergente da extrema direita e do neofascismo. O refrão da música de Erasmo Carlos sintetiza, digamos, a mensagem do filme: “É preciso fazer alguma coisa, meu amigo”. Eunice Paiva

Por essas proezas de que somente a linguagem artística é capaz, Ainda Estou Aqui, partindo de um recorte das vítimas da ditadura militar brasileira, acontecido há mais de meio século, expressa no presente o que sente, o que pensa e o que inquieta, as pessoas de grande parte do mundo.

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, organizadora do Oscar e pilar da poderosa indústria de Hollywood, encontra-se emparedada pelas pressões do governo ultradireitista de Donald Trump, visto que em maioria não apoiaram o neofacista.

A vitória de Ainda Estou Aqui no Oscar vai inspirar e impulsionar a jornada pelos direitos humanos, pela democracia, além de alavancar a produção cinematográfica do país e elevar autoestima dos brasileiros. Vale, sim, comemorar – e muito.

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COMO EUNICE PAIVA E OUTRAS BRASILEIRAS ENCARAM A DOR E A DEMORA POR DIREITOS 

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No oito de março, Dia Internacional da Mulher, Luiz Claudio Ferreira, repórter da Agência Brasil, com a colaboração da repórter Sayonara Moreno, da Rádio Nacional, publicou matéria contando a história de outras mulheres que lutaram e lutam por justiça para suas famílias e pela democracia, aqui editada por limitação de espaço: 

O dia oito de março era sempre de celebração especial do aniversário [da costureira] de Elza dos Santos. [Os seis filhos] comemoravam a vida dela, a “rainha” deles, na casa de um quarto em que todos moravam no Rio de Janeiro. 

Foi também em um mês de março, no dia 15, em 1971, que a dor passou a ocupar espaço naquela casa. Foi aquele o dia em que o filho mais velho, (…) o estudante Joel Vasconcelos, de 21 anos, que também era sapateiro e ajudava nas despesas da casa, foi preso por agentes da ditadura militar e desapareceu. 

Elza, então, iniciou um périplo. Carregava a foto do filho por onde ia. Buscou notícias, chorou escondida a ausência do rapaz, que era idealista e diretor da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes). 

Porém, mesmo diante do desespero que se abateu, ela pedia que os filhos não deixassem de sorrir enquanto lutava para que dessem informações ou entregassem o corpo ou a certidão de óbito.  Elza morreu em 1994, aos 64 anos, sem ter o corpo do filho.

Uma das filhas de Elza, a advogada Altair de Almeida, de 68 anos, recorda que a mãe “ficava na escadaria da Cinelândia todos os dias com a foto do meu irmão. Nunca se calou, procurou o presidente, o papa. Não tinha quem não a conhecia”, lembra Altair que perdeu o irmão, quando ela era uma adolescente de 14 anos.  

Histórias como a dessa família foram reconhecidas, principalmente após o relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 2014, e passaram a ter nova chance de visibilidade com as repercussões do filme “Ainda Estou Aqui”, sobre a luta de Eunice Paiva, viúva do ex-deputado Rubens Paiva.  

De acordo com a historiadora Lorrane Rodrigues, coordenadora executiva do Instituto Vladimir Herzog, são as mulheres que levam à frente as políticas de memória, verdade e justiça para a América Latina como um todo, incluindo o Brasil. “Essa repercussão toda causada pelo filme é muito importante para a gente entender qual é o papel dessas mulheres, seja no período da ditadura militar ou em outros períodos que o país já viveu”, afirma a pesquisadora.

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Foto: Elza dos Santos/Arquivo Pessoal/Reprodução

PERDA E LUTA 

Uma das fundadoras do movimento Tortura Nunca Mais, a professora Victória Grabois, de 81 anos, perdeu o pai (Maurício, ex-deputado, de 61 anos), o irmão (André, estudante, de 27) e o marido (Gilberto Olímpio, jornalista, de 31) em 1973, assassinados na região do Araguaia. A família nunca recebeu os corpos. “Eu acho que eu vou morrer sem resposta”, lamenta. Eunice Paiva

Ela acredita, no entanto, que o filme Ainda Estou Aqui traz nova perspectiva para a luta das famílias dos desaparecidos e espera que o Supremo Tribunal Federal (STF) vote para desengavetar processos sobre o assunto que estão na Corte. “A repercussão do filme é muito interessante para a nossa luta. Tem histórias de mães que precisam ser contadas no Brasil. Muitas mães eram donas de casa, professoras, operárias. Essas mulheres levaram a luta”, diz.  Eunice Paiva

Ela defende que o Estado brasileiro precisa abrir mais arquivos do que ocorreu durante o regime que durou 21 anos. “Se hoje a gente fala de ditadura, isso se deve às mulheres, às mães, às esposas, companheiras”, afirma Victória Grabois, que ficou sabendo das mortes do pai e do marido pelos jornais. Desde então, considera que os direitos ocorreram a “conta-gotas”.  Eunice Paiva

A certidão de óbito, que reconheceu que os familiares haviam sido mortos durante a ditadura, foi importante, segundo Victória, para que a família pudesse acessar recursos de pessoas assassinadas. Inclusive para fazer com que a vida continuasse. Quando eles morreram, o filho de Victória tinha apenas quatro anos de idade. 

PRISÃO AOS QUATRO MESES 

Eram crianças também, em São Paulo, quatro filhos dos operários Virgílio Gomes, de 36 anos, e Ilda Martins, de 38. Virgílio foi considerado o primeiro desaparecido político da ditadura militar. Ele foi preso em setembro de 1969 por militares, encaminhado para o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), onde foi torturado e assassinado, mas nunca o corpo foi entregue à família. 

A mais nova dos filhos, Isabel, tinha quatro meses de vida quando foi raptada pelos militares junto com os irmãos (todos crianças) e entregues para o juizado. Virgílio era um dos militantes mais procurados do Brasil porque foi o comandante do sequestro do embaixador norte-americano no Brasil, Charles Burke Elbrick. A operação negociou a libertação de 15 prisioneiros. 

Hoje, Isabel, que é professora, tem 54 anos de idade e vive em São Paulo depois de voltar de Cuba, onde a família se exilou com a mãe. “A história da família (de Rubens) Paiva é muito parecida com o que aconteceu com a nossa família. Minha mãe ficou viva com quatro filhos para criar. Eu era a filha menor”. Quando foi preso, o irmão mais velho tinha nove anos.

No dia da prisão da mãe (30 de setembro), o carro dos militares com a família chegou a capotar. “Minha mãe tentou me proteger e ninguém se machucou gravemente”. Ilda, que ficou mais de um ano presa no Dops e no presídio Tiradentes, também em São Paulo, tem hoje 94 anos de idade e está lúcida.

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Foto: Virgilio Gomes/Arquivo Pessoal/Reprodução

“Ela sente muito até hoje sobre o período em que ficou separada dos filhos. De vez em quando, lembra disso e chora”, diz a filha. As crianças, depois de quatro meses no juizado da infância, foram abrigadas por outros familiares. Eunice Paiva

Depois que a família passou mais de uma década exilada em Cuba, Ilda pediu que todos voltassem para o Brasil depois que se formassem no ensino superior.  Eunice Paiva

Para Isabel, a mãe é uma heroína, tanto por ter lutado ao lado do pai quanto para manter força para criar os quatro filhos depois que o marido foi sequestrado e morto pelos militares. “A nossa luta agora é por encontrar os restos mortais. O Brasil nunca fez um julgamento correto”, avalia.

NA PORTA DAS CADEIAS 

Com persistência e força, mesmo diante de dor e trauma, nessa busca [muitas mulheres] fizeram com que a luta permanecesse viva e presente. Como é o caso de Diva Santana que, aos 81 anos, é representante dos familiares na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.

Ela procura a irmã, Dinaelza Coqueiro que, há 50 anos, foi morta pelos militares na Guerrilha do Araguaia. Diva fala do papel das mulheres [que andavam] pelas portas das cadeias, buscando por seus familiares perseguidos e presos.  

“Essas mulheres lutaram, ao longo da nossa história, e continuam lutando para que tenhamos um país justo, democrático e humano antes de tudo”.

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zezeZezé Weiss Jornalista. Editora da Revista Xapuri, com a colaboração de Adair Rocha, memórias pessoais e informações obtidas nas seguintes fontes: A Pública, Agência Brasil, Focus Brasil, Vermelho.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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