FAMILIARES DE CAMPONESES ASSASSINADOS EXIGEM JUSTIÇA, REPARAÇÃO E PARTICIPAÇÃO NA COP 30

FAMILIARES DE CAMPONESES ASSASSINADOS EXIGEM JUSTIÇA, REPARAÇÃO E PARTICIPAÇÃO NA COP 30

FAMILIARES DE CAMPONESES ASSASSINADOS EXIGEM JUSTIÇA, REPARAÇÃO E PARTICIPAÇÃO NA COP 30

Realizou-se em Belém (PA), nos últimos dias 10 e 11 de abril, na Assembleia Legislativa do Pará, o I Encontro de Familiares de Camponeses Mortos, Desaparecidos e Atingidos pela Repressão Política no Campo, como parte da programação organizada pela Secretaria Estadual de Igualdade Racial e Direitos Humanos (SEIRDH) e Comissão de Direitos Humanos da ALEPA para marcar o rastro de violência e dor deixado pela ditadura militar instaurada em primeiro de abril de 1964.

Por Gilney Viana e Paulo Roberto Ferreira

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Ouvimos depoimentos emocionados e emocionantes das viúvas, filhas e filhos, netos e netas de líderes camponeses assassinados por pistoleiros, a serviço de latifundiários e empresas do agronegócio, e pelas polícias estaduais. Sem esconder a dor e o choro, revelaram as violências sofridas que atingiram as famílias, bem como os traumas psicológicos decorrentes.

Com dignidade e altivez, revelaram a dura luta pela sobrevivência e criação dos filhos, quando, em muitos casos, lhes tiraram a terra, e ao mesmo tempo o local de moradia, de produção e de subsistência. Com coragem, as vítimas da violência no campo exigem Justiça, reconhecimento da legitimidade política da luta dos camponeses contra o latifúndio e contra o estado ditatorial, tanto no âmbito federal como estadual.

O seminário “As políticas de Memória, Justiça e Reparação: as demandas dos desaparecidos, torturados e mortos pela ditadura militar no Brasil” contou com o apoio da Assembleia Legislativa, da Universidade do Estado do Pará (UEPA), secretarias de Educação, Cultura e o Programa de Pós-graduação de História da UFPA (Universidade Federal do Pará), da Comissão Camponesa da Verdade e da Comissão Pastoral da Terra.

CHICO BARBUDO: VAMOS À COP 30 DENUNCIAR O AGRONEGÓCIO

Francisco da Silva Vasques, o Chico Barbudo, presidente da Associação de Colonos Atingidos pela Repressão Estatal e Privada da Gleba Cidapar, relembrou em seu depoimento a luta dos agricultores e agricultoras contra as empresas que tentaram expulsá-los das terras, desde a antiga Cidapar até o atual grupo Josapar, responsáveis pelas “atrocidades que cometeram aos agricultores e agricultoras, quilombolas, indígenas, garimpeiros que moravam nessa região de Viseu”. 

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Em outro momento de sua fala, Chico Barbudo destacou que “Quintino foi um companheiro que assumiu a defesa armada do pessoal, porque nós tentamos resolver o problema de forma pacífica, mas não conseguimos. Eu e vários outros Quintinos e mulheres como a Rita, trabalhamos muito para manter as famílias naquelas terras. Eu e meu irmão fomos presos, em 1984, torturados e impedidos de trabalhar. Hoje, lá temos três Projetos de Assentamento”. Mas, segundo ele, a dívida do Estado e das empresas ainda é muito grande com as famílias que trabalhavam na gleba, uma área de 387 mil hectares, entre os rios Piriá e Gurupi.

“Com a Associação, prossegue Chico Barbudo, estamos travando um segundo tempo da luta, para exigir do Estado a reparação devida. Já demos entrada no INCRA com um processo para destinação de uma área de 500 hectares onde era a antiga sede da empresa, em termos de reparação coletiva. Não queremos só pedido de desculpas, queremos ação concreta. Queremos a doação daquela área, para que o governo ali construa uma escola superior, um campus universitário para todos nós.

Queremos trazer para este Seminário que devemos estar juntos, inclusive nessa bendita COP 30, para dizer para todo o mundo que esse agronegócio é criminoso, matou muita gente. Assim como ele destruiu o meio ambiente, destruiu nossas famílias.”

MULHERES ASSUMEM O PROTAGONISMO DA LUTA

Os órfãos, viúvas e viúvos das lideranças camponesas arrancaram muitas lágrimas das pessoas presentes ao seminário promovido pela SEIRDH.

No município de Mãe do Rio, Reijane Guimarães, líder do Movimento de Mulheres do Nordeste Paraense, foi assassinada com cinco tiros, em 6 de setembro de 1996, por um pistoleiro, dentro de sua casa. Nonato Guimarães, o viúvo, que foi deputado estadual e presidente estadual do PT, declarou que a filha do casal nunca mais se recuperou do trauma.

Bastante emocionado, Nonato Guimarães, que está cego, desabafou: “tiraram a vida de uma mulher que lutava por justiça para todos e era capaz de mobilizar 2 mil pessoas na rua, numa cidade do interior do Pará”. Ele responsabiliza o Estado brasileiro de proteger o latifúndio e conclamou a todos a denunciar os crimes contra os camponeses na Conferência Mundial do Clima, a COP 30, que vai se realizar em Belém, em novembro deste ano.

Conceição do Araguaia, Sul do Estado – “Todos nós, ainda hoje, sofremos muito no Dia dos Pais, porque gostaríamos que nosso pai estivesse aqui, ao nosso lado, e não na história do Brasil”, desabafou Nédyma, filha de Raimundo Ferreira Lima, o “Gringo”, liderança sindical assassinada em 29 de maio de 1980, quando era candidato a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Conceição do Araguaia, no sul do Pará. A viúva, Oneide, estava com 23 anos de idade e teve que criar sozinha seis filhos. Nédyma e cinco irmãos participaram da escuta, ao lado da mãe, Oneide Lima, que virou uma referência como educadora e liderança popular em São Geraldo do Araguaia. “As filhas dos militares recebem pensão e nós ficamos com o sofrimento, por isso queremos justiça e reparação”, concluiu a filha de Gringo.

Viseu: Impacto psicológico – Arlete de Aviz Lira era uma adolescente quando o pai, Quintino Silva Lira, foi assassinado, em 4 de janeiro de 1985, em Viseu, na região nordeste do Estado. “Ficamos numa situação muito difícil. Minha mãe precisava criar quatro filhos. As três mulheres tivemos que vir trabalhar em casa de família em Belém, para ajudar a nossa mãe a criar nosso irmão, que foi impactado quando assistiu à exumação do corpo de nosso pai, oito dias depois do assassinato. Ele teve distúrbios psicológicos que marcaram profundamente a vida dele. Arlete participou do Seminário, ao lado do filho, Charles Lira, neto de Quintino.

Rondon do Pará: Mandante homenageado pela Câmara – Joélima Dias da Costa, filha de José Dutra da Costa, o Dezinho, assassinado por um pistoleiro em 21 de novembro de 2000, no município de Rondon do Pará, denunciou que o mandante do crime, o madeireiro e pecuarista José Dércio Barroso Nunes recebeu, no último dia 7 de abril, “Votos de Aplausos, concedido pela maioria dos vereadores do município, como reconhecimento pelo seu exemplo de empreendedorismo e compromisso social”. Dezinho foi ameaçado pelo madeireiro, pediu proteção, ganhou apoio da Fetagri e de parlamentares do PT, mas foi morto em frente à sua casa. O mandante passou apenas 13 dias preso. “Meu pai clamou por socorro, mas o Estado foi cúmplice de sua morte”, disse Joélima, que esteve em Belém ao lado de uma irmã e de sua mãe Maria Joel Dias da Costa, que assumiu a luta do marido, foi presidente do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais e eleita vereadora, pelo PT, em 2024.

MOJU: Tempo de história e memória de Virgílio Serrão Sacramento – “Lá onde meu pai foi morto tem uma cruz, mas a qualquer momento pode alguém derrubar, porque está numa área pública. E não é reconhecida como um símbolo que marca a história de um homem que lutou pelos trabalhadores rurais de Moju. A história dele é a história do povo, é memória, e deve ser mantido esse monumento, assim como a casa que ele deixou. Nós não temos condições, mas o Estado tem e pode fazer isso”, relembra, emocionada, Sandra, filha de Virgílio Serrão Sacramento. Elias Serrão Sacramento, lembra do pai, enquanto líder do Sindicato de Trabalhadores Rurais e da comunidade, que desde cedo orientou os filhos política e ideologicamente, segundo a perspectiva da Teologia da Libertação. E como pai atencioso, cuidadoso, sempre presente. Exatamente por isso, o trauma psicológico da sua perda foi muito forte, obrigando-lhes, desde cedo, a lutar pela sobrevivência, em ofícios que não o de lidar com a terra. Foi difícil, mas vencemos, declara Elias. E muito da luta de Elias é dedicada a honrar a memória do pai, assassinado no dia 5 de abril, fato mascarado em simulação de acidente.

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Rio Maria: Luzia Canuto, filha de João Canuto, assassinado em 18 de dezembro de 1985, e irmã de José e Paulo Canuto, assassinados cinco anos depois, avalia o Seminário, e clama por Justiça: Penso que a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos e Atingidos pela Repressão Política no Campo é de fundamental importância para as famílias que lutam por memória, justiça e reparação para as vítimas da violência no campo durante e posterior ao Regime Militar. Aqui no Pará, nós precisamos de apoio, porque por mais que continuemos na luta, ainda não vimos a justiça funcionar para os crimes cometidos pelo latifúndio em parceria ou com apoio dos militares.

FAMILIARES CRIAM A COMISSÃO DE FAMILIARES DE MORTOS E DESAPARECIDOS E ATINGIDOS PELA REPRESSÃO POLÍTICA NO CAMPO  

Ao final do encontro, os familiares emitiram um comunicado, ainda em finalização, a partir das falas e contribuições dos presentes, e anunciaram a criação da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos e Atingidos pela Repressão Política no Campo durante o estado ditatorial e do estado democrático, para lutar por reconhecimento político, memória, justiça e reparação.

Registrando os assassinatos, as chacinas, que ceifaram centenas de vidas de camponeses e de seus aliados que lutaram e lutam pela Reforma Agrária, desde 1964 e até 2023, atestam que o Estado, apesar das políticas de Justiça de Transição, não conseguiu cumprir a promessa de Não Repetição das graves violações aos direitos humanos dos camponeses, após o final da ditadura civil-militar.

Em seus depoimentos, os familiares indicam duas razões principais que explicam a continuidade da violência no campo: a estrutura fundiária que concentra terra e poder nas mãos de latifundiários e do agronegócio; e a impunidade dos crimes cometidos durante a ditadura civil-militar.

Registram a exclusão dos camponeses, assim como dos indígenas, quilombolas, extrativistas e outras comunidades tradicionais, e dos seus aliados advogados e religiosos, dos direitos da Justiça de Transição. E clamam por Justiça, Memória e Reparação.

Terminam o documento citando D. Tomas Balduíno e D. Pedro Casaldàliga, que criaram a CPT: “Direitos não se pede de joelhos, mas se exige de pé”.

GILNEY VIANAGilney Viana – Ambientalista. Militante dos Direitos Humanos. Conselheiro da Revista Xapuri.

 

 

 

 

Paulo Roberto Ferreira

Paulo Roberto Ferreira –  Jornalista.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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