Fumaça tóxica da Imerys provoca pânico em Barcarena

Fumaça tóxica da Imerys provoca pânico em Barcarena

Por Cicero Pedrosa Neto/ Amazonia Real

Barcarena (PA) – Uma nuvem branca, fétida e sufocante vinda da planta industrial da mineradora transnacional francesa Imerys Capim Caulim tomou conta de dois populosos bairros da cidade de Barcarena, nordeste do Pará, na noite desta segunda-feira (06). Eram 19h quando a população notou um forte odor que invadia as casas e tomava conta das ruas, antes mesmo de a fumaça se alastrar e de notarem que havia um incêndio na empresa. Logo desconfiaram que fosse algo vindo da Imerys, já que muitas delas vivem a menos de 100 metros das instalações industriais. Sem nenhuma orientação por parte da companhia ou mesmo da prefeitura nas primeiras horas do ocorrido, as pessoas saíram desesperadas em busca de um lugar seguro para respirar. Algumas desmaiaram a caminho dos postos de saúde.
“Eu estava cozinhando quando, do nada, senti aquele cheiro parecido com pólvora, enxofre, sei lá… pensei até que era meu menino soltando bombinha. Eu já ia brigar com ele quando comecei a sentir meus olhos arderem e minha boca pinicar. Depois veio uma falta de ar e eu larguei tudo em casa e vim pra cá pra beira do rio”, contou Léia Gomes, que é asmática, à Amazônia Real. A reportagem chegou poucas horas depois do início do incêndio na cidade para ouvir a população.
Léia estava no Ginásio Esportivo e Cultural Antônio Dias dos Anjos quando a Amazônia Real a encontrou junto a outros moradores dos bairros Industrial e Vila do Conde – bairros contíguos ao Polo Industrial do município e, portanto, os mais afetados pela fumaça. Asfixiada e com medo, ela, que é mãe de dois meninos pequenos, buscou refúgio na beira da praia de Vila do Conde. Em seguida, se dirigiu ao ginásio quando soube que a prefeitura tinha montado um centro de acolhimento no local e estava encaminhando as pessoas para atendimentos médicos, dos quais ela não necessitou.
As lideranças comunitárias dos bairros começaram a distribuir orientações via Whatsapp para que as pessoas se retirassem de suas casas, sobretudo e idosos, e procurassem um lugar seguro para passar a noite ou atendimento médico, as que precisassem. Também recomendaram cuidados, como uso de máscaras para pessoas com respiratórias.
No principal posto de saúde do bairro de Vila do Conde o movimento era intenso. Luzes e barulhos de ambulâncias, pessoas tossindo, cilindros de oxigênio chegando e sendo carregados por familiares de pessoas que aguardavam atendimento, remontavam às cenas marcantes dos momentos de pico da nos últimos dois anos de pandemia.
As principais queixas relatadas pela população eram dores de cabeça, náuseas, tonturas, coceiras e ardor nos olhos, boca e garganta. Nos postos de saúde, as pessoas foram atendidas e medicadas basicamente com analgésicos e antialérgicos. Os casos mais agudos receberam suporte de oxigênio ou foram encaminhados para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Vila dos Cabanos – que possui maior estrutura.
Luiz Carlos dos Santos Dias, 39 anos, sua mãe e seu filho mais velho foram algumas das pessoas que sentiram os impactos da fumaça e estavam em atendimento no posto de saúde de Vila do Conde, desde às 23 horas de segunda-feira.  
“Eu tive que acudir minha mãe e meu filho porque eles começaram a passar muito mal. Meu filho está ali, já foi medicado, mas ainda está ruim, porque ele chegou a desmaiar três vezes antes da gente chegar aqui. Ele quase veio a óbito”, contou Luiz. “Minha mãe, que sofre de pressão alta, também desmaiou no meio da rua”, completou o morador do bairro Industrial sobre a mãe, que foi levada de ambulância até o posto após o desmaio.
A mãe de Luiz, Domingas dos Santos Dias, 58 anos, mesmo rouca, ofegante e com a pressão alta, fez questão de manifestar sua revolta com mais esse acidente. “Não é de hoje que a gente sofre com isso. Acontece as coisas lá e eles escondem da gente […] eles fazem é matar as pessoas. Eles são um bando de safados, e safados também são os que encobrem as coisas deles”, repudiou Domingas.

Omissão da empresa

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Planta Industrial da Imerys, onde ocorreu o incêndio
(Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)

A maioria das pessoas entrevistadas durante a madrugada e a manhã desta terça-feira (07) se queixou da omissão da mineradora. Segundo relatos, nenhuma orientação foi dada por parte da Imerys sobre a toxicidade da fumaça ou sobre quais procedimentos a população deveria adotar para evitar intoxicações.
“Cadê a empresa Imerys para prestar socorro pra nós? Não tem nenhum funcionário deles aqui. A gente já mora há muito ali, a gente não pode estar passando por isso. Eu tive que sair da minha própria casa, como se fosse um ladrão correndo no meio da rua. Isso não pode ficar assim”, protestou Luiz Dias, que também tem uma filha recém-nascida. Ela teria ficado abrigada em um cômodo forrado da casa com sua esposa, enquanto ele foi com o restante da família buscar por atendimento médico.
Em nota, a Imerys informou que foi registrado um foco de incêndio em um dos seus galpões, ocorrendo “exclusivamente em uma pequena parcela do produto químico hidrossulfito de sódio”. Afirmou ainda que o produto “pode provocar irritação temporária do aparelho respiratório, caso seja inalado”. A nota garantiu que “a ocorrência foi controlada ainda na noite desta segunda-feira, dia 6 de dezembro, sendo a fumaça completamente dissipada em poucas horas”.
A reportagem constatou que, na manhã desta terça-feira, mais de 12 horas após o incidente, o mal cheiro impregnava o ar e incomodava as famílias, sobretudo as que vivem mais próximas da indústria. E, até então, nenhum agente da empresa esteve em contato direto com as famílias impactadas pela fumaça tóxica.

Material perigoso para a saúde

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Leandro Santos Dias, 17 anos, desmaiou três vezes antes de chegar até o posto de saúde (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)

O Hidrossulfito de sódio (ou ditionito de sódio, como também é conhecido na química) é um produto químico utilizado no processo produtivo da Imerys para branqueamento do caulim, subproduto mineral refinado pela empresa e que a faz ser a maior do neste segmento. 
A professora e pesquisadora da Universidade Federal do Pará (UFPA), Simone Pereira, uma referência nas análises sobre desastres socioambientais em Barcarena, alerta que ele possui enxofre em sua composição e pode ser um material altamente perigoso para a saúde humana e do meio ambiente.
“Ele causa problemas no trato respiratório, especialmente nos pulmões, provoca queimaduras e, quando o enxofre entra em contato com a água da atmosfera, também transforma-se no ácido sulfúrico que pode precipitar em forma de chuva. É necessário fazer análises químicas e também a medição do H2S [ácido sulfúrico] na atmosfera, para ver se esse ácido realmente foi formado”, afirmou a professora em entrevista dada ao portal do MAM (Movimento pela Soberania Popular na Mineração).
Simone Pereira também afirmou que este material já foi, inclusive, utilizado em guerras: “Esse enxofre misturado com a água da atmosfera […] é altamente tóxico e já foi usado na guerra para matar pessoas”.
De acordo com a prefeitura de Barcarena, a Imerys já foi notificada para apresentar a “Ficha de de Segurança de Produtos Químicos (FISPQ), o plano de contingência da empresa e o laudo da qualidade do ar”.
“O que me mais me chateou foi que a empresa não disse nada pra gente, nós somos seres humanos. Por que eles não avisaram pra gente sair daqui? Se a gente não tivesse visto a fumaça, ninguém nem ia saber o que estava acontecendo”, lamentou Damares do Socorro Martins, 30 anos. O filho de Damares ficou zonzo, com ânsia de vô e com formigamento nos lábios. “Nossa casa não é forrada, a gente se trancou, mas era o mesmo que está na rua”, completou.
A reportagem entrou em contato com a mineradora para saber quais medidas foram tomadas para garantir a segurança e a saúde da população que vive nas cercanias de suas instalações, mas até a publicação desta reportagem não recebeu resposta.
A empresa também foi questionada sobre seu plano de contingência e se sirenes soaram para alertar a população sobre os iminentes, mas a Imerys também não se manifestou sobre essas questões.
Por meio de nota, a Prefeitura Municipal de Barcarena afirmou que uma equipe do Samu e mais duas ambulâncias “foram prontamente deslocadas para transporte, e a UPA do município esteve preparada para receber possíveis vítimas”. Segundo estimativas atualizadas da prefeitura, cerca de 45 pessoas foram atendidas nas unidades de saúde do município, apresentando problemas de saúde relacionados à emissão da fumaça do incêndio. 
A prefeitura disse também que “enviou equipes da Secretaria de Meio Ambiente e da Defesa Civil do município até as instalações da Imerys, com o objetivo de avaliar os riscos do incêndio para a comunidade”.
Entrevistado nas instalações do posto de saúde de Vila do Conde, o gestor da Secretaria Municipal de Indústria, Comércio e Turismo de Barcarena, Marcos Mendes – que também é membro da Defesa Civil do município –, afirmou que existe um plano de contingência para casos como esse e que ele foi acionado quando o poder municipal tomou conhecimento do incêndio na Imerys.   
Na mesma noite do incêndio, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou que a Imerys desse ampla publicidade sobre os fatos e sobre as providências e apurações preliminares sobre o ocorrido, com o prazo que venceu nesta terça-feira, às 14h30. Por conta das alegações recebidas pelo MPF, a recomendação também indicava que a mineradora deveria auxiliar no socorro às vítimas.
O MPF em nota informou que “novos pedidos de providências foram enviados nesta terça-feira (07) pelo MPF para investigações a serem conduzidas pelo de Bombeiros, pelo Instituto Evandro Chagas e pelo Centro de Perícias Científicas Renato Chaves”.

Outros crimes ambientais


A Imerys Rio Capim Caulim (Imerys RCC) é uma das empresas mais antigas em funcionamento no Parque Industrial de Barcarena. A empresa, que originalmente se chamava Pará Pigmentos S.A, foi fundada pela ainda estatal Companhia Vale do (CVRD), na década de 1970. Após a privatização da Vale em 2007, o grupo francês Imerys comprou a maioria dos ativos da empresa, transformando-a na maior planta de beneficiamento de caulim do mundo, já em 2010. 
No Pará, a empresa possui ainda duas minas de onde extrai sua matéria-prima, o mineral (caulim), composto por por silicatos hidratados de alumínio, fortemente utilizado na produção de cerâmicas, papel e pigmentos.
A história da Imerys em Barcarena é atravessada por crimes ambientais, o que a faz ser a recordista em desastres na cidade, segundo o “Dossiê Desastres e Crimes da Mineração em Barcarena, Mariana e Brumadinho”, organizado pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (NAEA/UFPA). O mais famoso deles ocorreu 2007, quando a principal barragem de rejeitos da Imerys se rompeu, despejando cerca de 300 mil metros cúbicos de rejeitos tóxicos no meio ambiente.
Os rejeitos atingiram os poços da população que vive na vizinhança da indústria, além de rios e igarapés da região. A Imerys chegou a ter suas operações interditadas pelo governo paraense, mas após assinar um Termo de Ajustamento de Condutas (TAC) conseguiu liberar sua produção.
Para Rosemiro Brito, 42 anos, que há cerca de 12 anos luta contra as violações de direitos da população impactada pelas atividades da mineradora, uma das maiores marcas dos crimes ambientais em Barcarena é a impunidade. “A pergunta que fica no ar é: até quando nós vamos poder conviver com esses impactos ambientais, que geram não só danos para o meio ambiente, mas principalmente pela vida das pessoas em Barcarena?”, questiona a liderança.  
“Nós não somos contra a indústria, só não queremos que ela nos mate. O que nós passamos aqui ontem foi uma noite de pânico, e isso não pode ser encarado como uma coisa normal”, disse Rosemiro.  “Nós esperamos providência das autoridades e que elas não fiquem só restritas a um TAC.”
A deputada federal Vivi Reis (PSOL) propôs a criação de uma Comissão Externa na Câmara Federal para, em atuação conjunta com o MPF, acompanhar os desdobramentos do incêndio ocorrido na sede da Imerys. “Vamos acionar as agências reguladoras, cobrando fiscalização sobre a atuação dessas mineradoras, bem como a devida responsabilização por mais este crime”, declarou. 
Pelo Twitter, ainda na noite de segunda-feira,  o governador Helder Barbalho (MDB) disse estar em contato com o prefeito de Barcarena, Renato Ogawa (PL), e que providências seriam tomadas para a resolução do caso.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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