Glorinha: Costurando e tecendo o fio da vida

Glorinha: Costurando e tecendo o fio da

Em 19 de agosto de 1935, nascia na Fazenda Cuscuzeiro, Município de Arinos-MG, Maria da Glória Dias Carneiro, ou Glorinha, apelido recebido desde a tenra . Minha madrinha Glorinha cresceu cercada por três irmãos e uma irmã que, juntos, participavam da lida e da roça. Moça humilde e recatada, muito cedo aprendeu o ofício da costura herdado da mãe. De Vó Isaura herdou também o hábito e gosto pela , que mantém ativo até hoje.

Por Iêda Vilas-Bôas

Naquele rincão de Minas Gerais, as famílias tinham o costume de visitar a Serra das Araras, onde todo ano acontecia a festa de Santo Antônio, no mês de junho. Levavam três dias a cavalo para chegar ao local, onde tinha uma bela serra talhada de vermelho. Numa dessas festas conheceu Ulisses Durães Coutinho. Glorinha tinha 19 anos, e ele, uma descendência cigana. Casaram e tiveram sete filhos.  Ela se tornou uma diligente dona de casa.

Costurando, inventando e fazendo moda, criou seus sete filhos:  Terezinha, Rivalino, Humberto, Marisa, Zelma, Maria da Conceição (Tita), em homenagem à padroeira de . Tinha a Antônia, de quem minha madrinha fala e chora com saudade. Toinha era deficiente visual e acometeu-se de leucemia, falecendo aos três anos. Na casa dela ainda é possível ver, guardado com carinho, um pé de seu sapatinho já enrolado e carcomido e uma sombrinha xadrez, escurecida pelo .

A família veio para Formosa em 1968. Inicialmente, moraram de aluguel na casa de Dona Antonia, sogra de Dona Inhazinha, perto do Cemitério. Alguns anos depois, adquiriram uma casa na Rua Olímpio Jacinto, onde ela reside até hoje. Conseguiu que, principalmente suas filhas, se dedicassem aos estudos. Frequentaram o Colégio São José, o Grupo Americano do , o Colégio do Planalto, este com primorosa dos freis holandeses, e também o Coleginho.

Glorinha atestava o ditado: “Quem lê, ouve, fala e vê… bem!” e, assim, sempre ajudou nos trabalhos escolares dos seus filhos. História e geografia eram com ela mesma. Foram muitas e muitas noites debruçada sobre a máquina de costura para conseguir ajudar a sustentar os filhos, que hoje são seus maiores orgulhos.

Mãe amorosa e dedicada, ela deu exemplo aos filhos, afilhada, afilhados, parentes e amigos sobre a importância do , do trabalho e da honestidade, do carinho e da humildade, da boa receptividade e do compromisso fraterno e solidário. A mim, me ensinou a bordar, que no coração dela há sempre espaço para mais uma, mesmo numa família humilde e numerosa.

Ela é uma pessoa muito caridosa, fez trabalho voluntário com as freiras holandesas, irmãs Jane e Adriana, ensinando às jovens mães carentes a fazer os enxovais no período de gestação. Católica, é devota de Nossa Senhora Aparecida, do Bom da Lapa e de Santo Antônio, a quem tem uma devoção especial.

Hoje, a vista embaçou, veio o peso dos anos, as doenças comuns à terceira idade, mas continua cercada dos carinhos e cuidados dos seus e de todos que a conhecem. Ama ter visitas, principalmente dos dezessete netos e dos quatro bisnetos (a quinta está a caminho).

Ieda

Iêda Vilas-Bôas – Escritora. Nota da Autora: Este perfil foi construído com a ajuda de Marisa Dias Durães e Zelma Durães, filhas de Glorinha, a quem estendo meu agradecimento.

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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