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GRAMSCI

GRAMSCI: A LUZ QUE SE APAGOU

A luz que se apagou 

Gramsci foi um importante teórico marxista que dedicou-se a explorar contradições mercadológicas do sistema capitalista. Teórico político e filósofo, o ativista tornou-se referência na ao sistema. 

Por Antonio Gramsci (1891-1937) 

Recordo um pobre rapaz que não pôde frequentar os cultos bancos das escolas de sua cidade por ser doente e se preparou sozinho para o exame, ai de mim que modesto, de liberação de uma obrigação moral. Mas quando, insignificante, se apresentou ao mestre, ao representante da ciência oficial, para lhe entregar o pedido sublinhado, para impressionar, na mais bela caligrafia; aquele, olhando através de seus óculos científicos, perguntou carrancudo: “Sim, está bem, mas acreditas que seja assim fácil o exame? Conheces, por exemplo, os 84 artigos da ?” E o pobre rapaz, esmagado por aquela pergunta, se pôs a tremer, chorando desconsoladamente voltou para casa e naquele momento não quis fazer o exame.

Por que me aparece na esta anedota no momento em que gostaria de recordar para os leitores do “Grido” a figura de Renato Serra? Porque muitos mestres me parece são como aquele que recordei acima e, a eles, Serra deu uma lição de ; nisso ele verdadeiramente continuou Francesco De Sanctis, o maior crítico que a Europa jamais teve.

Pensem naquilo que na Idade Média representa o movimento franciscano diante do teologismo doutrinário da Escolástica. A teologia era pão dos anjos, não dos míseros mortais; e não apenas tinha invadido todas as manifestações religiosas, mas também a pregação ao povo: Deus desaparecia por trás dos silogismos, resplandecia distante ou pesava sobre as consciências como alguma coisa de gigantesco, de esmagador.

O intelecto havia matado o sentimento, a reflexão cuidadosa tinha estrangulado o ímpeto da fé. Veio São Francisco, alma humilde, descuidada, Espírito simples, soprou todos os invólucros de papel, pergaminhos que haviam distanciado Deus dos homens e fez renascer em cada alma a divina embriaguez. Assim fizeram De Sanctis e Serra com a poesia.

A poesia tinha se tornado privativa dos professores: Dante, por exemplo, foi aquele que superou os limites humanos ou os seus livros se apresentavam circundados de tramas rígidas de espinhos eruditos e de sentinelas que gritavam o “quem vem lá?” a cada profano que ousasse aproximar-se muito; assim se formou na maioria a convicção que Dante seja como uma torre impenetrável aos não iniciados.

De Sanctis não é desses: não pergunta a um que tem a boa vontade se conhece os 84 artigos da Constituição, ao contrário, se vê uma face mirrada, se vê um humilde voltar atrás quase espantado de tanto ousar o aproxima, diria que quase o toma pelo braço, com uma expressão toda napolitana, o guia e lhe diz: “Veja, aquilo que acreditavas difícil não o é ou não vale a pena ser lido; salte estes obstáculos, deixe que outros maxilares se façam sangrar as gengivas a roer esses cardos”.

Renato Serra mostra que os professores, os críticos de profissão, tomaram por arte aquilo que era pura e simples tapeçaria. Esses dois homens foram verdadeiramente mestres, como entendiam os gregos, isto é, mistagogos, que iniciaram aos mistérios mostrando que esses mistérios são construções vazias dos literatos e que tudo é claro e límpido para quem tem os olhos puros e vê a luz como cor e não como vibração de íons e elétrons.

Tais mestres são colaboradores da poesia, leitores da poesia. Cada um de seus ensaios é uma nova luz que se acende para nós. Sentimo-nos como absorvidos em um encanto. O que nos circunda não chega mais aos nossos sentidos, não os estimula a reagir. Não existe outra obra de arte que esta: nós e o mestre que nos guia. A nossa humanidade está toda tensa ao belo e somente a este sente. A tomada de posse é rápida, imediata. É um homem que se aproxima de um outro homem e o sente reviver em si como tal e depois como criador de beleza.

A palavra não é mais elemento gramatical a dividir em regras e em esquemas livrescos; é um som, é uma nota de um período musical que se solta, se recupera, se amplia em leves espirais, árias que nos conquistam o espírito e o fazem vibrar em uníssono com o espírito do autor. As imagens vivem uma vida própria, estimulam as nossas faculdades criativas, agitam todo o mundo das nossas experiências, despertam ecos distantes de coisas passadas que se renovam e se afirmam vigorosas no ato de nossa leitura.

Nós vibramos em todas as fibras do nosso ser, nos sentimos purificados por esta fusão com um outro ser que nos sacudiu e nos fez participar de sua vida, que nos deu a ilusão de sermos nós os criadores daquelas harmonias, tanto que as sentimos nossas e sentimos que jamais cessarão de fazer parte do nosso espírito.

Depois de uma dessas lições nos sentimos cansados, quase saciados de beleza. Mas o mago nos retoma nas suas redes. Um seu novo escrito nos renova e nos libera de qualquer recordação do passado, nos reconduz puros a uma outra nascente e se repete em nós, já espertos, a nova experiência. O nosso gosto se refina e parece que os nossos nervos se aguçam para colher também as mínimas vibrações. Sentimos que também sozinhos, sem o mestre, podemos aproximar-nos da obra de arte com mais frescor, com mais sinceridade.

Quantos véus caídos, quantos ídolos quebrados, quantos valores invertidos. Verdades que antes não conseguíamos compreender agora, sem nos apercebermos, nos sobem espontaneamente aos lábios. Recordamos os ensinamentos de Leonardo aos seus discípulos: “que observassem também as manchas e os mofos dos muros porque neles poderia haver combinações de cores e de luz mais perfeitas do que aquelas que o próprio homem pode criar” e nos parece dizer coisas que antes não ouvíamos.

Cessa a nossa adoração pelas obras engenhosas, arquitetonicamente complexas, e cuidamos mais às ligações sonoras que existem entre palavra e palavra, entre período e período. A exclamação de um carroceiro reveste-se então, para nós, de tanta poesia quanto um verso de Dante. Não caímos no exagero ridículo de afirmar que o carroceiro é tão quanto Dante, mas estamos contentes em sentir em nós a possibilidade de ouvir a beleza onde quer que ela esteja e sentir-nos liberados das proibições e preconceitos escolásticos que nos faziam medir a poesia a metro cúbico e a quilogramas de papel impresso.

Mas agora não podemos esperar mais nada de Renato Serra. A o esmagou, a guerra sobre a qual ele havia escrito com palavras tão puras, com conceitos tão ricos de visões novas e de sensações novas. Uma nova humanidade vibrava nele; era o homem novo dos nossos tempos, que tanto ainda teria podido dizer-nos e ensinar-nos. Mas a sua luz se apagou e nós não vemos ainda quem, para nós, poderá substituí-la.

Fonte: Antonio Gramsci em La luce che si è spenta, 20/11/1915. Tradução de Anita Helena Schlesener.

MARÇAL, Jairo (org.). Antologia de Textos Filosóficos. Curitiba: SEED-PR, 2009. p.289-292

Capa: Getty Images

ANTONIO GRAMSCI

Antonio Gramsci nasceu na Sardenha, mas descendente por linha paterna de calabreses da comunidade arbëreshë de Plataci, ou seja, de longínqua origem albanesa.[5][6] Era o quarto dos sete filhos de Francesco Gramsci.[7] Sua família passou por diversas comunas da Sardenha até finalmente instalar-se em Ghilarza.

Em 9 de agosto de 1898, seu pai foi preso sob a acusação de peculatoconcussão e falsidade ideológica e, em 27 de outubro de 1900, foi condenado à pena mínima de 5 anos, 8 meses e 22 dias de cadeia, com a atenuante do pequeno valor, pena que seria cumprida em Gaeta. Sem poder contar com os ganhos do pai, a família Gramsci viveu anos de extrema miséria, que a mãe enfrentou vendendo sua herança e trabalhando como costureira.[8][9]

Tendo sido um bom estudante, Gramsci venceu um prêmio que lhe permitiu estudar literatura na Universidade de Turim. A cidade de Turim, à época, passava por um rápido processo de industrialização, com as fábricas da Fiat e Lancia recrutando de várias regiões da Itália. Os sindicatos fortaleceram-se e começaram a surgir conflitos sociais-trabalhistas. Gramsci frequentou círculos comunistas e associou-se com migrantes sardos.

Sua situação financeira, no entanto, não era boa. As dificuldades materiais moldaram sua visão do mundo e tiveram grande peso na sua decisão de filiar-se ao Partido Socialista Italiano.

Gramsci, em Turim, tornou-se jornalista. Seus escritos eram basicamente publicados em jornais de esquerda como o Avanti! (órgão oficial do Partido Socialista). Sua prosa e a erudição de suas observações proporcionaram-lhe fama.

Sendo escritor de teoria política, Gramsci produziu muito como editor de diversos jornais comunistas na Itália. Entre estes, fundou, juntamente com Palmiro Togliatti, em 1919, o L’Ordine Nuovo – e contribuiu para La Città Futura.

O grupo que se reuniu em torno de L’Ordine Nuovo aliou-se com Amadeo Bordiga e a ampla facção Comunista Abstencionista dentro do Partido Socialista. Isto levou à organização do Partido Comunista Italiano (PCI) em 21 de janeiro de 1921. Gramsci viria a ser um dos líderes do partido desde sua fundação, porém subordinado a Bordiga até que este perdeu a liderança em 1924. Suas teses foram adotadas pelo PCI no congresso que o partido realizou em 1926.

Em 1922 Gramsci foi à Rússia representando o partido e lá conheceu sua esposa, Julia Schucht (1896 – 1980), uma jovem violinista com a qual teve dois filhos Delio (1924 – 1982) e Giuliano (1926 – 2007).[10]

Essa missão na Rússia coincidiu com o advento do fascismo na Itália e Gramsci – que a princípio havia considerado o fascismo apenas como uma forma a mais de reação da direita – retornou com instruções da Internacional no sentido de incentivar a união dos partidos de contra o fascismo. Uma frente deste tipo teria idealmente o PCI como centro, o que permitiria aos comunistas influenciarem e eventualmente conseguirem a hegemonia das forças de esquerda, até então centradas em torno do Partido Socialista Italiano, que tinha uma certa tradição na Itália, enquanto o Partido Comunista parecia relativamente jovem e radical. Esta proposta encontrou resistências quanto à sua implementação, inclusive dos comunistas, que acreditavam que a Frente Única colocaria o jovem PCI numa posição subordinada ao PSI, do qual se tinha desligado. Outros, inversamente, acreditavam que uma coalizão capitaneada pelos comunistas ficasse distante dos termos predominantes do debate político, o que levaria ao risco do isolamento da Esquerda.

Em 1924, Gramsci foi eleito deputado pelo Vêneto. Ele começou a organizar o lançamento do jornal oficial do partido, denominado L’Unità, vivendo em Roma enquanto sua família permanecia em Moscou.

Em 1926, as manobras de Josef Stalin dentro do Partido Bolchevique levaram Gramsci a escrever uma carta ao Komintern, na qual ele deplorava os erros políticos da oposição de Esquerda (dirigida por Leon Trótski e Zinoviev) no Partido Comunista Russo, porém apelava ao grupo dirigente de Stalin para que não expulsasse os opositores do Partido. Togliatti, que estava em Moscou como representante do PCI, recebeu a carta, abriu-a, leu-a e decidiu não entregá-la ao destinatário. Este facto deu início a um complicado conflito entre Gramsci e Togliatti que nunca chegou a ser completamente resolvido.

Em 8 de novembro de 1926, a polícia italiana prendeu Gramsci e o levou à prisão romana de Regina Coeli. Posteriormente, ele seria condenado a cinco anos de confinamento na remota ilha de Ústica. No ano seguinte, foi condenado a vinte anos de prisão em Turi, próximo a Bari, capital da Apúlia. Sua saúde neste momento começava a se degradar rapidamente. Em 1932, um para a troca de prisioneiros políticos entre Itália e União Soviética, que poderia dar a liberdade a Gramsci, falhou. Em 1934, sua saúde estava seriamente abalada, e ele recebeu a liberdade condicional, após ter passado por alguns hospitais em CivitavecchiaFormia e Roma. Gramsci morreu aos 46 anos, algum tempo depois de ter sido libertado.

Fonte: Wikipedia

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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