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Guido André Araújo: uma jornada de maestro

Desde o início dos anos 1970, e por décadas a fio, nenhum filme não global, de qualquer metragem, podia ser considerado verdadeiramente lançado no Brasil inteiro se não tivesse passado por Salvador. Uma espécie de ritual, pois tinha que receber as bênçãos da Jornada de Cinema da Bahia e de seu realizador, o cineasta, professor e agitador cultural Guido André Araújo.

Em plena ditadura, esse evento anual se tornou um espaço de resistência, um canal aberto ao debate de questões de interesse nacional, num país fechado, calado. Talvez pelo fato de valorizar o documentário, o que propiciava a abordagem dessa realidade de modo sutil, camuflado, mas com grande ressonância.gui3

Já no seu primeiro ano, em 1972, ainda com o nome de Jornada Baiana de Curtas-metragens e com produções locais, o festival chamou a atenção dos cinéfilos do país inteiro. Em setembro do ano seguinte, porém, realizadores de outros centros inscreveram obras, o que lhe dava uma nova dimensão.

Tanto foi assim que, dos debates travados durante o evento nasceu a Associação Brasileira de Documentaristas (ABD), entidade de grande importância ao cinema tupiniquim. Ela foi oficializada no mês seguinte, em encontro na Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, onde foi aprovado seu estatuto e eleita a primeira diretoria.

Guido Araújo nasceu em Castro Alves, no Recôncavo Baiano, mas desde muito cedo se enfronhou na vida cultural e política da capital do estado. Tinha verdadeiro encanto pelo cinema, que aprendera a cultuar ainda criança, nas sessões infantis do cinema da sua cidade.

Ainda muito jovem mantinha contatos também com pessoas ligadas ao meio no Rio de Janeiro, então capital do país. Em 1955, passou a integrar o Coletivo Moacyr Fenelon, ao lado de Nelson Pereira dos Santos, Jece Valadão, Zé Keti e Hélio Silva quando, juntos, realizaram os históricos filmes Rio 40 Graus e Rio Zona Norte, dirigidos por Nelson.

Logo depois, Guido foi seguir seus estudos em Praga, na antiga Checoslováquia, um importante centro cinematográfico mundial naqueles tempos. Lá, conheceu Mila, que passou a ser sua mulher e companheira pelo resto da vida – e a mãe de seus filhos.

Na volta ao Brasil, ele virou professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), inaugurando um curso de Cinema, que ele criou. E deu início, também, à carreira de documentarista, seu gênero favorito. Sua ideia era retratar as várias Bahias, que ele considerava desconhecidas dos próprios baianos. Seus filmes mais destacados são:

“Maragogipinho” (1969), “Feira da Banana (1972/73), “A morte das velas do Recôncavo” (1976), “Por exemplo: Caxundé” (1976), “Festa de São João no interior da Bahia” (1977), “Raso da Catarina: Reserva Ecológica” (1984) e “Lambada em Porto Seguro” (1990).gui4

Logo, porém, ele criou a Jornada, que usava o sugestivo lema de “Por um mundo melhor” e o notabilizou, fazendo dele uma referência do cinema nacional. Passou a ser convidado a participar de mostras, seminários e outras atividades ligadas ao cinema no país inteiro, funcionando como consultor, sempre disposto a dar opiniões e ajudar de forma solidária.

Este foi o caso, por exemplo, do Festival Internacional de Cinema de Vídeo Ambiental (FICA), evento realizado anualmente na Cidade de Goiás (Goiás Velho), desde 1999. O governador Marconi Perillo havia sido eleito pela primeira vez e fez a encomenda de algo que projetasse o Estado nacionalmente.

Num encontro em Brasília, eu contei a Guido que tinha a demanda e ele, de pronto, disse que um festival de cinema seria bom. Mas, advertiu, não poderia ser mais um, semelhante a outros já existentes no Brasil, precisava ter um corte temático que o diferenciasse. Depois, participou da coordenação do conclave durante muitos anos.

Guido pegou o boné e nos deixou no último dia 26 de setembro, aos 83 anos, vítima do mal de Parkinson que o fez penar nos últimos longos anos que passou entre nós.

Ele ainda teve tempo de assistir à grande homenagem que recebeu do cineasta Jorge Alfredo. Foi a série de TV O Senhor das Jornadas, que narra, em cinco episódios de 26 minutos cada, a sua jornada e já foi exibida na TV Educativa da Bahia. Um belo documentário, como ele gostava.

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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