Nesta segunda-feira, 23 de outubro, o Movimento Resistência Zé Dirceu ocupa o Twitter e as demais redes sociais com posts e frases com a tag #NaoAoTrabalhoEscravo. Criado para fortalecer uma campanha de solidariedade ao ex-ministro José Dirceu de Oliveira e Silva, condenado sem provas, o movimento se posiciona em defesa ampla e irrestrita dos direitos humanos e contra toda e qualquer forma de opressão.
Com a publicação pelo governo ilegítimo de Michel Temer de portaria No 1.129/17no Diário Oficial da União (DOU) do dia 16 de outubro, assinada pelo ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, alterando os conceitos da OIT e do Código Penal Brasileiro, até então adotados para definir a condição de trabalho análogo à escravidão, o movimento, que luta, prioritariamente por justiça para Zé Dirceu, se integra às vozes dos milhares brasileiros e brasileiras que se posicionam contra o imenso retrocesso que dificulta o combate ao trabalho escravo no Brasil.
Dentre os pontos mais polêmicos da nova portaria, encontra-se a mudança que retira do corpo técnico e dá ao ministro do trabalho o poder de, “por determinação expressa”, incluir ou não as empresas flagradas com práticas que desrespeitam os direitos trabalhistas, ou são identificadas como usuárias de trabalho escravo mesmo, na chamada “lista suja” do governo federal. A portaria anterior, de maio de 2016, definia que a inclusão no Cadastro de violadores da legislação e dos direitos humanos ficava “a cargo da Divisão de Fiscalização para a Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae).
A portaria do retrocesso altera também, dentre outras coisas, os conceitos sobre o que é trabalho forçado, degradante, trabalho degradante e trabalho em condição análoga à escravidão, as regras para a inclusão de nomes de pessoas na lista suja do trabalho escravo, e as condições de fiscalização pelos técnicos do Ministério do Trabalho. Veja as principais mudanças adotadas por Temer para, segundo os meios de comunicação brasileiros e internacionais, atender à Bancada Ruralista no Congresso Nacional, segundo informação do próprio Ministério do Trabalho:
- ‘Lista Suja’ era organizada e divulgada pela Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae).
- Para a comprovação da condição análoga à escravidão o auditor fiscal deveria apenas elaborar um Relatório Circunstanciado de Ação Fiscal
- Governo usava conceitos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Código Penal para determinar o que é trabalho escravo.
- Organização fica a cargo da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) e divulgação será realizada por “determinação expressa” do ministro do Trabalho.
- Exigência de anexar um boletim de ocorrência policial ao processo que pode levar à inclusão do empregador na “lista suja”.
- Portaria estabelece quatro pontos específicos para definir trabalho escravo: submissão sob ameaça de punição; restrição de transporte para reter trabalhador no local de trabalho; uso de segurança armada para reter trabalhador; retenção da documentação pessoal.
Na quinta-feira, 19 de outubro, por meio de nota, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), estado-membro do Sistema da Nações (ONU) criticou oficialmente a Medida Provisória de Michel Temer. Segundo a OIT, a mudança de política de combate ao trabalho escravo no Brasil poderá causar “retrocessos lamentáveis”, capazes de “interromper a trajetória de sucesso do Brasil como referência mundial no combate ao trabalho escravo,” status conquistado durante os governos Lula e Dilma.
OIT: BRASIL RETROCEDE NO COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO
“Vinte anos de trajetória no combate à escravidão contemporânea tornaram o Brasil uma referência mundial no tema. Instrumentos e mecanismos foram criados para lidar com a gravidade e complexidade do problema: Comissões Nacional e estaduais, “Lista Suja”, Grupos Especiais de Fiscalização Móvel, Pacto Nacional, indenizações por danos morais coletivos e uma definição conceitual de trabalho escravo moderna e alinhada às Convenções internacionais da OIT n. 29 e 105. Essas conquistas foram reiteradamente reconhecidas pela comunidade internacional e pela Organização das Nações Unidas (ONU) como exemplos de boas práticas, tendo sido inclusive objetos de intercâmbio de experiências em ações de Cooperação Sul-Sul. Além disso, é importante ressaltar que a atitude proativa e transparente do Brasil tem sido um elemento importante para as relações de comércio exterior.
Algumas recomendações feitas pelo Comitê de Peritos da OIT ao governo brasileiro, por meio de seu Relatório Anual publicado em 2016, são base para essa nota e para o reforço da disposição da OIT em apoiar o país no crescimento econômico com justiça social.
•Com relação ao conceito de trabalho escravo, o Comitê recomendou que uma eventual alteração não se constituísse como um obstáculo, na prática, às ações tomadas pelas autoridades competentes para identificar e proteger as vítimas de todas as situações de trabalho forçado, bem como à imposição de penalidades aos perpetradores do crime. O Comitê encorajou o governo brasileiro a consultar as autoridades mais envolvidas na temática, em particular a auditoria fiscal do trabalho, o Ministério Público e a Justiça Trabalhista, na discussão sobre uma possível alteração do conceito. Modificar ou limitar o conceito de submeter uma pessoa a situação análoga à de escravo sem um amplo debate democrático sobre o assunto pode resultar num novo conceito que não caracterize de fato a escravidão contemporânea, diminuindo a efetividade das forças de inspeção e colocando um número muito elevado de pessoas, exploradas e violadas na sua dignidade, em uma posição de desproteção, contribuindo inclusive para o aumento da pobreza em várias regiões do país.
•Quanto à inspeção do trabalho, a OIT já louvou o fato de que mais de 50 mil trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão nos últimos 20 anos no Brasil, graças à atuação dos Grupos Especiais de Fiscalização Móvel, que são peça fundamental no enfrentamento ao trabalho escravo no país. No seu relatório, o Comitê notou a redução do número de unidades móveis e recomendou ao governo brasileiro a adoção de providências para dotar a inspeção de recursos humanos e financeiros suficientes para o cumprimento de sua missão. A situação de exploração das pessoas infelizmente continua existindo tanto em áreas urbanas quanto rurais. Sendo assim, é fundamental que a inspeção do trabalho siga sendo fortalecida, com recursos humanos e materiais disponíveis e autonomia para a realização de um trabalho efetivo.
•Em seu relatório, o Comitê de Peritos também destacou a importância de enfrentar a impunidade e pediu ao governo brasileiro que continuasse apoiando a ação de autoridades envolvidas no enfrentamento ao trabalho escravo, como a fiscalização do trabalho e o Ministério Público do Trabalho, este especialmente pela sua capacidade de impor penalidades financeiras via ações públicas, que são revertidas para a reparação dos danos sofridos pelas vítimas de trabalho escravo.
Com cerca de 25 milhões de vítimas de trabalho forçado no mundo, a OIT destaca a necessidade de reforçar as ações de combate à escravidão em nível nacional, em linha com a meta 8.7 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU: “tomar medidas imediatas e eficazes para erradicar o trabalho forçado, acabar com a escravidão moderna e o tráfico de pessoas, e assegurar a proibição e eliminação das piores formas de trabalho infantil, incluindo recrutamento e utilização de crianças-soldado, e até 2025 acabar com o trabalho infantil em todas as suas formas”.
Foto: Fabricio Martins/Contag
Antes mesmo da Nota da OIT, várias entidades brasileiras se manifestaram contra a portaria do trabalho escravo:
CONTAG REIVINDICA REVOGAÇÃO DA PORTARIA

A Portaria, numa canetada só, elimina os principais entraves ao livre exercício do trabalho escravo contemporâneo tais quais estabelecidos por leis, normas e portarias anteriores, ficando como saldo final o seguinte:
Flagrante de trabalho escravo só poderá acontecer doravante se – e unicamente se – houver constatação do impedimento de ir e vir imposto ao trabalhador, em ambiente de coação, ameaça, violência.
Para conseguir este resultado – há muito tempo tentado pela via legislativa, mas ainda sem o sucesso exigido pelos lobbies escravagistas – bastou distorcer o sentido de expressões e termos há muito tempo consagrados na prática da inspeção do trabalho e na jurisprudência dos tribunais.
Exemplificando, no lugar de ser simplesmente eliminadas dos qualificadores do trabalho escravo contemporâneo, a jornada exaustiva e as condições degradantes recebem na nova Portaria uma esdrúxula reformulação assim redigida:
- Jornada exaustiva: “submissão do trabalhador, contra a sua vontade e com privação do direito de ir e vir, a trabalho fora dos ditames legais”.
- Condição degradante: “caracterizada por atos comissivos de violação dos direitos fundamentais da pessoa do trabalhador, consubstanciados no cerceamento da liberdade ir e vir… e que impliquem na privação de sua dignidade”.
- Condição análoga à de escravo: “trabalho sob ameaça de punição, com uso de coação”; “cerceamento de qualquer meio de transporte”; “manutenção de segurança armada com o fim de reter o trabalhador em razão de dívida contraída”.
Simultaneamente impõe-se aos auditores fiscais do trabalho um elenco de exigências e rotinas visando a tornar, no mínimo, improvável o andamento administrativo dos autos de infração que eles se atreverem a lavrar ao se depararem com situações de trabalho análogo à de escravo. Óbvio, esse engessamento tem um endereço certo: inviabilizar a inclusão de eventual escravagista na Lista Suja, ela também re-triturada pela caneta do Ministro e sua divulgação doravante sujeita à sua exclusiva avaliação.
Na oportunidade estabelece a Portaria que os autos de infração relacionados a flagrante de trabalho escravo só terão validade se juntado um boletim de ocorrência lavrado por autoridade policial que tenha participado da fiscalização, condicionando assim a constatação de trabalho escravo, atualmente competência exclusiva dos fiscais do trabalho, à anuência de policiais.
Sem consulta nenhuma ao Ministério dos Direitos Humanos, outro signatário da Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH n°4 de 11/05/2016, o Ministro do Trabalho rasga seus artigos 2 (al.5), 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 e resolve excluir o Ministério Público do Trabalho da competência para celebrar eventual Termo de Ajuste de Conduta com empregadores em risco de serem incluídos na Lista Suja, deixando esse monopólio ao MTE em conjunção com a AGU.
É falácia a alegação subjacente à Portaria de que os empregadores alvos de flagrante por trabalho escravo estariam desprotegidos. Foi exatamente objeto da Portaria Interministerial hoje rasgada definir mecanismos transparentes e equilibrados, por sinal referendados pela própria Presidente do Supremo Tribunal Federal.
A força do conceito legal brasileiro de trabalho escravo, construído a duras custas até chegar à formulação moderna do artigo 149 do Código Penal, internacionalmente reconhecida, é de concentrar a caracterização do trabalho escravo na negação da dignidade da pessoa do trabalhador ou da trabalhadora, fazendo dela uma “coisa”, fosse ela presa ou não. É por demais evidente que a única e exclusiva preocupação do Ministro do Trabalho nesta suja empreitada é oferecer a um certo empresariado descompromissado com a trabalho decente um salvo-conduto para lucrar sem limite.
16 de outubro de 2017
Comissão Pastoral da Terra – Campanha Nacional de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo “De Olho Aberto para não Virar Escravo”
Comissão Episcopal Pastoral Especial de Enfrentamento ao Tráfico Humano da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Foto: portaldostrabalhadores.org.br
BANCADAS DO PT PROTOCOLAM REPRESENTAÇÃO NO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
Os líderes das bancadas do PT na Câmara, deputado Carlos Zarattini, e no Senado, senador Lindbergh Farias, protocolaram representação no Ministério Público do Trabalho contra a portaria do Ministério do Trabalho que restringe a divulgação da chamada “lista suja” das empresas envolvidas em trabalho escravo e flexibiliza o combate ao trabalho escravo no País.
“É evidente que a Portaria em questão extrapola os limites reguladores típicos desse ato administrativo que, por sua natureza jurídica, não pode divergir ou limitar o conteúdo da norma legal que pretende regulamentar”, diz o documento.
Entre os pedidos do PT, estão a abertura de procedimento investigativo das causas e de acompanhamento dos efeitos da referida Portaria, voltados à segurança jurídica para que: haja apuração permanente sobre eventual fraude nos procedimentos de atualização e publicação da versão do Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo; para a manutenção do normativo orientador das equipes de fiscalização do Ministério do Trabalho, entre outras ações.
O procurador-geral em exercício do Ministério Público do Trabalho (MPT), Luiz Eduardo Bojart classificou a portaria como “monstruosidade”. “Voltamos à situação de dois séculos atrás, quando o trabalho escravo exigia restrição à liberdade de locomoção, ou seja, tem que ter senzala, tronco, grilhões, chicote. O conceito moderno inclui condições análogas à escravidão, condições de trabalho degradantes. Então esse é um absurdo jurídico, uma monstruosidade”, disse.
Fonte: www.brasil247.com
Foto: www.ebc.com.br