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Homo-cerratensis: A incrível jornada humana para o Cerrado

Homo-cerratensis: A incrível jornada humana para o Cerrado

Homo-cerratensis: A incrível jornada humana para o Cerrado

A expressão Homo-cerratensis foi criada pelo pesquisador Paulo Bertran, para batizar simbolicamente a descobertado esqueleto humano mais antigo das Américas, feita pelo professor e pesquisador Altair Sales Barbosa – 

O esqueleto pertence a um indivíduo do sexo masculino e foi encontrado dentro do início das camadas Pleistocênicas, em escavação arqueológica realizada na região de Serranópolis-Goiás, com a idade de 13.000 anos antes do presente (A.P.), após recalibragem do Método Carbono 14.

Embora o esqueleto seja de um Homo-sapiens-sapiens, um dos ancestrais dos índios do Brasil, ele não se configura como o vestígio mais antigo da ocupação humana nas Américas. Há outros vestígios não esqueletais que acusam a presença do homem no Continente Americano em épocas mais antigas.

Com o passar do tempo, a expressão Homo-cerratensis passou a designar também o habitante tradicional do Cerrado, fruto ou não de miscigenações e de troca de conhecimentos entre populações indígenas, portuguesas e africanas.

O BERÇO DE TODOS NÓS

O mais antigo ancestral humano, o que originou a humanidade moderna, viveu na África há mais de dois milhões de anos.  Esse meu, seu, nosso ancestral comum se chamava Homo-habilis. Não se sabe ainda se ele já dominava a habilidade de falar.

Retrocedendo muito mais no tempo, na casa dos três bilhões de anos, encontramos o ancestral comum de todos os seres viventes da Terra. A reconstituição dessa grande árvore genealógica se mostraria muito fragmentada, porque várias de suas bifurcações são desconhecidas e possivelmente jamais serão conhecidas.

O certo é que, quanto mais avançamos no tempo passado, mais buscamos o caminho da unidade, e quanto mais avançamos rumo aos tempos modernos, mais nos deparamos com a diversidade. À medida que retrocedemos ou avançamos no tempo, as inúmeras variáveis se tornam mais complexas.

Mas é possível afirmar que em algum lugar de um passado recente, provavelmente há 80 milhões de anos, época em que já existiam mamíferos na Terra, pelo menos um dos nossos ancestrais já vivia, ou nós não estaríamos hoje no Planeta.

africa ultradownloads.com.br

foto: ultradownloads.com.br

AS PRIMEIRAS PEREGRINAÇÕES

Há pouco mais de 2 milhões de anos, nosso ancestral comum, o Homo-habilis, vivia na África, o continente kimberlito de nossas genéticas.

Passados 300 a 400 mil anos, o Homo-habilis transformou-se em uma espécie anatomicamente mais evoluída, o Homo-erectus. Seu mais antigo esqueleto foi descoberto perto do lago Turkana e data de 1,5 milhão de anos.

O Homo-erectus não ficou restrito à África. Podemos considerá-lo um ser cosmopolita, pois seus restos fossilizados indicam que viveu na Europa, na Ásia, na ilha de Java. Dependendo do local, é chamado de Pithecanthropus-erectus, Sinanthropus pequinenses, Homem de Java. Sua saída da África para outros continentes representa a primeira onda migratória de humanos e foi realizada em levas intercaladas por intervalos de tempo relativamente longos.

Em diferentes locais da Europa e da Ásia, o Homo-erectus ostenta, de acordo com a região, pequenas diferenças anatômicas, como o Homo-sapiens de Heidelberg (Alemanha); Homo-sapiens da Rodésia (África); Homo-sapiens de Dali (China). Esse Homo-erectus viveu até cerca de 250 mil anos atrás e é o ancestral do Homo-sapiens arcaico, cujo fóssil mais antigo foi encontrado na depressão de Afar, na Etiópia, e data de 160 mil anos.

O Homo-sapiens arcaico deu origem ao homem moderno, o Homo-sapienssapiens, que não é seu único descendente. Outra espécie de humanos avançados, o Homo-sapiens neanderthalensis, ou Homem de Neanderthal, emergiu há cerca de 150 mil anos na Europa e no . Fósseis dessa região mostram uma transição gradual do Arcaico para o Neanderthal.

O Homem de Neanderthal foi contemporâneo dos europeus modernos e viveu até 23 mil anos atrás, quando entrou em competição e foi extinto por grupos de Homo-sapiens-sapiens oriundos da África, que representam uma segunda leva de migrantes daquela região para outras situadas mais ao norte.

O DESTINO DA SEGUNDA PEREGRINAÇÃO

Durante o último estágio da glaciação Pleistocênica, denominada pela geologia americana de Wisconsin, houve grande rebaixamento do nível oceânico em todas as partes do Planeta, devido à quantidade de água retida no hemisfério norte, notadamente acima do Trópico de Câncer.

Esse abaixamento provocou mudanças significativas na direção das correntes marinhas, influenciou diretamente na circulação atmosférica e interferiu em mudanças ambientais no interior dos continentes que, por sua vez, afetaram a vegetação e a fauna, levando algumas espécies à extinção e outras à busca de rotas migratórias para sobreviver.

O rebaixamento dos oceanos também expôs pontes de ligação entre o sul da Ásia e a Austrália, a Ásia e diversas ilhas do Pacífico. Por meio delas, grupos de Homo-sapiens-sapiens iniciaram processos migratórios intensos, na busca da sobrevivência e de novos modelos de organização espacial.

Algumas levas de populações do sul da Europa retornaram à África. Alguns grupos do nordeste da Ásia, aproveitando a ponte formada pelo Estreito de Bering entre a Sibéria e o Alasca, deram início ao povoamento do Continente Americano.

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O POVOAMENTO AMERÍNDIO DO CERRADO

Atribui-se o termo Ameríndio a toda população humana nativa e seus descendentes, existentes no Continente Americano antes da chegada de Cristóvão Colombo, em 1492. Colombo de forma equivocada denominou de “índios” pensando haver chegado às Índias.

Os primeiros seres humanos a povoar as Américas entraram no novo continente a pé, em pelo menos dois longos intervalos nos últimos 50.000 anos, subsistindo à base de plantas e animais selvagens, numa época que a água do mar, retida nos glaciares, deixava uma conexão terrestre entre a Sibéria e o Alasca.

A ponte terrestre mais antiga para as Américas existiu entre 50.000 e 40.000 anos atrás e foi usada por várias espécies de mamíferos do Velho Mundo, incluindo o caribu e o mamute peludo. Após um intervalo de submergência que durou uns 12.000 anos, a ponte reapareceu entre cerca de 28.000 a 10.000 anos atrás.

Durante parte desse tempo, um contínuo lençol de gelo estendeu-se do Atlântico ao Pacífico, terminando a uma latitude ligeiramente ao sul dos limites políticos atuais entre o Canadá e os Estados Unidos. Com 1.200 metros de espessura, esse monstruoso glaciar impediu a passagem do homem ou de animais durante 10.000 anos.

No decorrer de alguns milênios, antes que os segmentos de Leste e Oeste se fundissem e um corredor se abrisse novamente, a ponte terrestre foi transitável. Aproximadamente há 10.000 anos, o nível do mar elevou-se e cobriu o Estreito de Bering. Desde então, o Novo Mundo tem sido alcançado somente por água.

Os primeiros povoadores devem ter entrado na América pela ponte que reapareceu entre a Sibéria e o Alasca, entre 28.000 e 10.000 anos A.P. Como essa migração descontínua foi realizada através de levas com vários grupos pequenos, é provável que esses grupos pertencessem a correntes gênicas diferenciadas.

A distância cronológica entre um povoamento e outro e as novas paisagens ambientais foram aos poucos imprimindo modificações tecnológicas nos instrumentos de pedra lascada, sem, contudo, causar grandes modificações na organização social dos primeiros povos.  Mas é bem possível que já devesse existir certa diversidade linguística entre essas levas de povoadores.

A colonização da América do Norte se deu de forma que alguma população logrou grande êxito, como a das grandes planícies, mas a de outras áreas nem tanto e, aos poucos, foi forçando uma migração lenta em direção à América do Sul, seguindo as rotas migratórias dos animais.

OS PRIMEIROS ANCESTRAIS DOS POVOS DO CERRADO

Os primeiros ancestrais das populações indígenas que hoje ainda ha-bitam as áreas de Cerrado chegaram por volta de 13.000 anos A.P. Vieram em um processo de levas sucessivas, em épocas diferentes. Muitas tinham parentesco genético e cultural, outras nem tanto.

Entraram na América do Sul pelo do Istmo do Panamá, por volta de 19.000 anos A.P., mas seus ancestrais mais antigos vieram da Sibéria para a América do Norte por volta de 25.000 anos A.P., pelo Estreito de Bering, aproveitando os corredores de migração formados pelo interglacial Ilinoian-Wisconsin.  Todos já eram Homo sapiens, sapiens mongoloide, originários da região que hoje corresponde à Mongólia.

Embora todos fossem descendentes de um mesmo tronco racial, já exis-tiam marcantes diferenciações culturais, refletidas na cultura material, nos sistemas sociais de organização e possivelmente na falada entre os grupos que aqui chegaram.

Mas existiam também muitas semelhanças, principalmente na obtenção de alimentos – todos tinham sua economia baseada na caça e na coleta e na busca de abrigos naturais para se protegerem das intempéries do tempo.

Por volta de 13.000 anos A.P., com o fim da glaciação de Wisconsin, o caminho pelo Estreito de Bering tornou-se inviável. Somente muito mais tarde outras levas humanas, oriundas da Polinésia, alcançaram a América pelo Pacífico, ou se deslocando pela neve através da Groenlândia. Os Inuites, ou Esquimós, já utilizavam essa rota em épocas anteriores.

OS PRIMEIROS POVOS ENCONTRADOS NO CERRADO

Organizados em pequenos grupos clânicos, os ameríndios do novo Continente ficaram geograficamente isolados por longo tempo, o que contribuiu para aumentar ou fazer surgir uma diferenciação linguística acentuada entre os grupos.

No Brasil Central, as diferenciações linguísticas, os sistemas de organização social e ideológico foram se sedimentando ao longo do tempo, aumentando a diferenciação entre os grupos ou povos.

A maior parte deles inventou ou incorporou novas tecnologias ao seu cotidiano, como a cerâmica, as ferramentas de pedra polida e a domesticação de espécies vegetais, desenvolvidas localmente ou aprendidas por intercâmbio, cujo impacto positivo se refletiu no crescente demográfico.

O que se constata, como regra geral, e que leva a concluir, com boas razões, é que os primeiros habitantes encontrados pelos brancos nos diversos locais do Cerrado foram os que se desenvolveram e se adaptaram nesse local por séculos. Até o contato direto, esses povos não foram afetados em sua estrutura demográfica e cultural.

O comportamento pacífico dos índios Goyá, um dos primeiros grupos atingidos pelas Bandeiras, que chegaram à região rapidamente em busca de mão de obra, ouro e pedras preciosas, indicam que não havia nem a instabilidade nem o conflito surgido depois da presença do branco.

O contato direto com os bandeirantes, que encontraram as populações plenamente instaladas, com suas aldeias, seus roçados, seus campos de caça e coleta, provocou não só uma desagregação social, mas também: a diminuição da população por escravização, guerras e doenças; a deterioração econômica pela  ocupação de seus espaços vitais para os cultivos e pilhagem das roças; e a desorganização dos espaços de cada aldeia, levando os grupos à guerra, primeiro contra os arraiais brancos, mas depois também entre si.

A imagem que os viajantes e etnógrafos do século XIX oferecem das populações sobreviventes é falsa, porque o impacto violento da colonização — primeiro, desestruturando, depois, reestruturando a sociedade, a economia e talvez partes consideráveis da cultura — já havia sido absorvido.

Se isso parece verdadeiro para as populações ainda numerosas que assolaram desesperadas os arraiais brancos antes de serem “pacificadas”, é muito mais significativo para as populações já reduzidas, que foram aldeadas e completamente aculturadas sob o domínio do colonizador.

Seus descendentes, que hoje sobrevivem nas aldeias, devem ter reorganizado mais de uma vez sua sociedade e sua cultura com os restos que salvaram do impacto colonial, readaptando-as de acordo com as novas condições e necessidades.

O GRITO ÊMICO DOS GRUPOS QUE FORMARAM O HOMO-CERRATENSIS

EU SOU O ÍNDIO

xavante lucio

Foto: Acervo Lúcio Xavante

Desde que as naus portuguesas chegaram em abril de 1500 ao litoral brasileiro, numa enseada batizada com o nome de Bahia de Todos os Santos, cerca de vinte gerações se passaram.

Nossos ancestrais indígenas já estavam na região central do Brasil há pelo menos quinhentos e cinquenta gerações. No oeste da América do Sul, América Central e América do Norte, já estávamos há muito mais tempo.

Quando chegamos ao Brasil Central, pensávamos ter descoberto o Paraíso, tal a opulência de recursos. O Cerrado nos acolheu com seus rios de águas cristalinas, repletos de peixes, seus variados frutos comestíveis, sua enorme diversidade de animais e seus inúmeros abrigos.

Éramos nômades, caçadores, pescadores e coletores das sobrevivências. Morávamos em abrigos naturais ou em cavernas. Nesses locais também enterrávamos e venerávamos nossos mortos, fazíamos nossas cerimônias e deixávamos em forma de mensagens gravadas e pintadas nas paredes.

Mais tarde, domesticamos alguns vegetais nativos e nos transformamos em horticultores. Passamos a viver em áreas abertas ou aldeias, sem nunca deixar de visitar nossas antigas moradas, pois sempre respeitamos e reverenciamos a memória dos nossos antepassados.

O futuro chegou mais rápido do que imaginávamos, e o Brasil que se formou com sua ideologia economicista, passou sobre nós como um rolo compressor. Fomos estereotipados na forma de vários preconceitos. Até o título de “preguiçoso” nos cunharam, simplesmente porque não aceitávamos o regime da escravidão.

Mesmo sendo amistosos no início, logo percebemos a intenção dos portugueses de nos escravizar e nos tornamos arredios. Fomos marginalizados de várias maneiras, inclusive pela força. Para sobreviver, tivemos que nos refugiar nos rincões mais escondidos e inacessíveis.

Alguns de nós foram aprisionados, aldeados em locais artificiais e, com o tempo, catequizados. Mais tarde, em aldeamentos como o de Mossâmedes e Carretão, houve miscigenação entre nós e os africanos, resultando no tipo físico denominado pelos historiadores de cafuzo.

Também com o branco, nossa miscigenação ocorreu de maneira forçada e violenta. Mesmo quando as pequenas vilas já estavam estruturadas nos sertões do Brasil, era comum incursões para capturar mulheres entre os grupos isolados. Daí a expressão “minha vó foi pega a laço”.

Da mesma forma, nossos mitos foram coletados pelos religiosos, nos aldeamentos, e disseminados nas casas dos brancos. Levaram um pouco, mas muito pouco, porque boa parte do universo cosmogênico de nossos povos continua conosco.

Mas nossa cultura e identidade com a terra eram tão fortes que, mesmo restando somente rastros, nossa herança deixou marcas profundas na cultura brasileira, e na de outros povos, que incorporaram nossos alimentos, nossas plantas nativas, nossa dieta animal e vegetal, e nossa riquíssima farmacopeia.

Assim aconteceu com o feijão, domesticado por nós e apreciado desde o Brasil até o Texas. Também domesticamos o abacate, o abacaxi, o tomate, o pimentão, a pimenta, essas plantas tão disseminadas pelo mundo. Imaginamos: Como seria hoje a culinária da Malásia sem a pimenta?

O tabaco, domesticamos para uso em nossos rituais, para amenizar nossas dores e situações de , da mesma forma que nossos irmãos do altiplano Andino usavam a coca para amenizar os efeitos da altitude e para evitar a labirintite causada pela escassez de oxigênio. Infelizmente, a sociedade que se formou deu às nossas plantas outras formas de uso.

Nossos antepassados mexicanos criaram o milho, que hoje movimenta grande parte da economia mundial, cruzando dois tipos de gramíneas nativas. Esse cereal irradiou com tamanha força e sucesso entre todos os nossos ancestrais das Américas que até a pamonha, que muitos afirmam ser típica de Goiás, já era conhecida por nós há pelo menos cinco mil anos.

Alguns de nossos alimentos alcançaram mercados mundiais, como o Guaraná, nossa bebida energética e refrescante, nossos cremes das palmeiras Açaí, Patauá, Bacaba, Buriti, aos quais atribuíamos o nome de sembereba, bem como o creme de Cupuaçu, as castanhas do Pará, do Caju, do Baru, do Pequi, ou os Amendoins.

Um dos nossos cremes ficou tão famoso que o mundo até esquece que fomos nós que o criamos. Trata-se do creme da amêndoa do cacaueiro, planta nativa das nossas florestas equatoriais cujo doce hoje em dia é o mais apreciado da Terra, e alguns ainda se atrevem a dizer que o melhor chocolate do mundo é o suíço. Quanta falta de conhecimento!

Domesticamos batatas, inhames e mais de trezentas raças de mandioca; ensinamos a consumi-la cozida ou assada; a processá-la na forma de tapioca, polvilho, puba, beijus; e dela fizemos o primeiro alimento desidratado da história da humanidade: a farinha.

Ensinamos ao mundo a usar o látex da , planta nativa ecótona da Amazônia e do Cerrado, cuja matéria prima hoje movimenta desde nossos corpos pelos solados de nossos sapatos, até caminhões e aviões pelos seus pneus.

Ensinamos os colonizadores a consumirem muitas de nossas plantas nativas para saciarem a fome e curarem certas doenças. Conosco, aprenderam a consumir a Mangaba, o Caju, o Pequi; a beber o chá da Douradinha e da Congonha-do-Campo, e a curar a malária usando a entrecasca do Quinino.

Passamos muitos outros segredos vegetais ao colonizador, que os incorporou na farmacopeia universal. Muitos ainda guardamos conosco, não por egoísmo, mas porque a sociedade que se formou à nossa volta nunca se importou em conhecê-los para benefício de toda a humanidade. Alguns espertalhões conseguem esses conhecimentos para uso comercial e empresarial pela biopirataria.

EU SOU O PORTUGUÊS

bandeirante Domingos Jorge Velho

No século XV, há mais de 500 anos, formávamos uma das mais desenvolvidas nações da Terra. Estávamos bem mais próximos, culturalmente falando, e possivelmente também geneticamente, das populações árabes do que das populações do interior e norte da Europa.

Nossa Escola de Sagres, criada pelo Infante D. Henrique, que montou sua base sobre os conhecimentos astronômicos, matemáticos e cartográficos desenvolvidos pelos árabes, possibilitou uma revolução no conhecimento da cartografia terrestre e das técnicas de navegação, desde uma fábrica de navios até sistemas de orientação em alto mar. Foi com a vantagem dessa tecnologia de ponta para a época que chegamos ao Brasil, em 22 de abril de 1.500.

Ao aportar no litoral brasileiro, encontramos ali os índios de língua Tupi no final de uma diáspora. Alguns indagam, se não tivéssemos interrompido esse processo bruscamente, esses grupos teriam atingido um estágio civilizatório que os conduziria a organizações sociais mais complexas? Infelizmente não temos como responder.

O que podemos afirmar de maneira geral é que o Novo Mundo é um laboratório antropológico único pois os processos de desenvolvimento cultural aborígene aconteceram num quase isolamento, antes que ocorresse o fluxo de nossos soldados, sacerdotes e exploradores após 1492.

Nossos primeiros navios traziam populações masculinas, sobre as quais os longos períodos de solidão despertaram um grande apetite sexual. Ao entrarem em contato com as indígenas, perpetraram vários tipos de violência sexual, provocando assim as primeiras formas de miscigenação no Brasil, dando origem a um tipo físico denominado mameluco.

Ao adentrar pelo interior do Brasil, encontramos a maioria dos grupos indígenas vivendo em aldeias, com seus roçados bem estruturados produzindo mandiocas, milhos, batatas, inhames, feijões. Chegávamos em destacamentos armados, afugentando os indígenas, principalmente os do sexo masculino, violentando as mulheres e nos alimentando de seus roçados.

Para nos tornarmos dominantes, assim como aconteceu noutras áreas do Continente, o habitante nativo foi tratado de maneira desumana. Alguns impactos, devastadores, levaram vários grupos indígenas e seus saberes à extinção.

Como dominantes, impusemos nossa língua, nossa religião, nossa economia. Difundimos nossa arraigada cultura e divulgamos nossa poesia, nossas cantigas, deixando em todos os cantos os traços da nossa influência.

Através dos religiosos Jesuítas estruturamos o “Nhengatu”, uma espécie de língua geral derivada da língua Tupi. E, com base em alguns vocábulos da nova língua, denominamos os principais acidentes geográficos que fomos encontrando em nossa peregrinação.

Conhecedores do ambiente, em vez de nos oferecerem resistência duradoura, os índios refugiaram-se em locais pouco acessíveis.  Para evitar perdas nos confrontos, desistimos da escravidão e voltamos nossas vistas para o escravo africano, cujo comércio já era bem estruturado e menos dispendioso.

Entretanto, vários grupos de portugueses continuaram caçando os índios, contribuindo de forma crescente para uma desestruturação social dos grupos indígenas.

Nas entranhas da imensidão dessa terra, por vezes ficamos perdidos e fragilizados, e aí tivemos que usar o conhecimento dos ameríndios que aqui se encontravam e dos negros que trouxemos como escravos. Com eles aprendemos a sobreviver, e dessa mistura formamos essa cultura singular que hoje identifica o brasileiro.

Como mais uma contribuição, aqui introduzimos o gado taurino, os equinos, os caprinos, os galináceos, incluindo a galinha-da-angola, e os porcos; trouxemos a banana, a manga, a fruta-pão, oriundas da Ásia, onde tínhamos colônias e comércios; e as laranjas, limões, limas e figos, cafés e cana-de-acúcar, originários da Península Ibérica, Arábica e África.

Deixamos, também, as lições da dominação que usamos para impedir a formação de uma consciência popular. Dificultamos ao máximo a criação de universidades e impedíamos a difusão de conhecimentos de cunho humanístico, histórico, sociológico e antropológico. Com isso, impedíamos a formação do saber e da consciência e, não por acaso, fomos os últimos colonizadores a deixarem a Colônia.

EU SOU O NEGRO

Rafa choro

Das três raças biológicas que contribuíram para a formação do Brasileiro, eu fui a última a chegar. Tenho uma história longa, escrita desde as primeiras páginas da humanidade, ainda na mãe África.

Desde o alvorecer do homem, nós os africanos aprendemos a enfrentar diversos tipos de animais de rapina, nossos predadores. Esse fato nos deu um grande aprendizado para a sobrevivência.

Ao Brasil chegamos em condições sub-humanas, como escravos dos europeus, principalmente dos portugueses. Fomos trazidos do sul do Saara para trabalhar nos diversos afazeres, desde a mineração até edificações, prática comum nos empreendimentos de toda a Europa Ocidental.

Já havia na África grupos locais especializados em capturar homens e mulheres nos diversos grupos étnicos espalhados num imenso espaço geográficoque ia do litoral atlântico até os interiores do continente e em alguns casos até o Indico, na costa leste.

Os caçadores de escravos capturavam tanto quantos e qualquer grupo cultural que conseguissem, usando diversos meios, desde a guerra até a corrupção, compra e subversão de agentes locais, e nos juntavam em portos de embarque na costa leste africana, de onde éramos despachados em navios negreiros.

Os mais importantes portos de embarque eram conhecidos como Porto de Senegal, Porto de Gambia, Porto Mina, Porto Vidar, Porto Calabar, Porto de Cabinda, Porto de Luanda, todos situados no Atlântico. No leste da África, também existiam os Portos Lourenco Marques, Inhabane e Zanzibar.  Era comum nos atribuir o nome do local onde embarcávamos.

Entre nós, tínhamos pouca ou quase nenhuma relação cultural, com raras exceções, (ioruba, malê), e pertencíamos a correntes gênicas separadas por longo tempo. Mesmo assim, para evitar insurreições, nos separavam e enviavam os grupos com maior proximidade para atividades em locais distantes.

No início os navios negreiros traziam, em sua grande maioria, nossas populações do sexo masculino. Só mais tarde trouxeram também nossas mulheres, que ficavam restritas aos empreendimentos no litoral. Por isso, as mulheres de origem africana só começaram a chegar ao interior do Brasil e, consequentemente, ao Cerrado, no mínimo 150 anos após o Descobrimento.

Em cultura material, trouxemos muito pouco, ou quase nada. Mas os modelos de nossas culturas estavam impressos em suas mentes, e aqui foram reproduzidos.  Trouxemos conosco estruturas completas ou fragmentadas do modelo tribal vivido na África, e isso nos deu a grande capacidade de adaptação para sobreviver no novo ambiente. O agrupamento forçado de pessoas de origem diferentes não nos impediu de construirmos nossa identidade própria.

Nossa história nessa terra é o próprio sinônimo do resgate da dignidade. Nossa cultura é tão forte que, mesmo marginalizados, deixamos diversos rastros na emergente cultura dos brasileiros.

Nossa miscigenação com o europeu foi inicialmente concretizada através do relacionamento de mulheres negras com seus senhores, cuja situação culminaria no regime de concubinato, em grandes números. Daí surgiu o tipo mulato que, por seu talento à musicalidade, contribuiu de forma decisiva para a ritimização das músicas portuguesas e para a divulgação das músicas que aprenderam com seus ancestrais.

E como viviam próximos aos seus senhores, ou suas mulheres cuidavam das crianças dos europeus, ajudaram a disseminar um universo mitológico extremamente rico e cheio de nuances poéticas e românticas.

Também fomos nós os principais responsáveis pelas corruptelas de algumas palavras portuguesas, certamente pela dificuldade em aprendê-las na sua totalidade. E quando tínhamos a oportunidade de aprender a ler e escrever português, ou outro ofício como ferreiro, alfaiate, sapateiro, marceneiro, oficineiro em geral, nos revelávamos sempre hábeis.

Alguns africanos conhecidos como Malês eram mulçumanos e já chegaram ao Brasil alfabetizados, falando e escrevendo em árabe numa época em que a maior parte da elite, brasileira ou lusitana, seus proprietários, era analfabeta.

Esses grupos arabizados na própria África pela expansão do islamismo, eram hábeis ourives e possuíam habilidades para trabalhos minuciosos. Muitos se transformaram nos contabilistas das fazendas que surgiram após a queda da mineração, ou se destacaram em atividades intelectuais.

O HOMO-CERRATENSIS

Os estudiosos da genética evolutiva afirmam que existe um nível de extrema uniformidade genética na espécie Homo-sapiens-sapiens. As moléculas de proteínas do sangue, ou a sequência dos próprios genes, mostram que há menos diferenças entre dois seres humanos em qualquer parte do mundo do que as encontradas em qualquer primata superior sobrevivente até os dias atuais.

Essa uniformidade é creditada a um gargalo genético porque passou a humanidade por volta de 70 mil anos atrás, causado por um inverno vulcânico de aproximadamente 6 anos, que reduziu drasticamente a população humana no Planeta. Toda a humanidade moderna descende, então, dessa minuta população e por isso é geneticamente uniforme.

Embora a humanidade seja uma só, os diferentes locais onde se originaram as pessoas e o fato de que os grupos humanos ficaram isolados por longos períodos são fatores que, também por aqui, moldaram as características externas na tipologia física do Homo-cerratensis.

O ambiente modelou também uma gama de variantes culturais, representadas pela língua, religião, pelos sistemas de organização social e de parentesco.  O ambiente que os acolheu, associado às diferenças culturais de cada grupo, contribuiu para uma convergência, tanto física como cultural, do Homem do Cerrado.

É comum, portanto, afirmar que três vertentes físicas e culturais contribuíram naturalmente para a formação do Homem do Cerrado: a indígena, a europeia (portugueses) e a africana (escravos). Não é tão simples assim. Essa afirmação deixa de ser verdadeira se forem explicitadas algumas das formas como aconteceu.

Dos portugueses e africanos que vieram para o centro do Brasil, poucos foram os que retornaram. Foi dessa forma que os empreendimentos mineradores cederam lugar às fazendas multifuncionais, que se transformaram em patrimônios, que se tornaram vilas e mais recentemente em cidades.

Acrescente-se a essa gamela o isolamento, que os manteve, durante longo período, em relação aos centros mais desenvolvidos.  As novidades que chegavam pelos viajantes, mascates, professores ou vigários que as capelas exigiam, chegavam na forma de fragmentos, e foi com estes fragmentos que o “sertanejo” foi modelando e estruturando sua cultura.

À medida que a sociedade foi-se estruturando e se equipando, sugiram em mais de um local, na cabeça de algumas pessoas, lampejos de genialidade, qual como geração espontânea, traduzidos em peças musicais, peças teatrais, peças literárias, pintores, artesãos, escultores. Toda essa fragmentada colcha de retalhos é uma característica singular da cultura do Homem do Cerrado. Assim se moldou o Homo-cerratensis, com uma grande predominância da cultura dominante, que no início da colonização foi impiedosamente desumana, cruel para com os índios e escravos africanos.

Dentre todos os seres viventes que habitaram e habitam o Planeta Terra, somente o Homo-sapiens-sapiens desenvolveu a capacidade de reconstruir o passado. Nosso futuro dependerá da habilidade de compreendermos e aproveitarmos aquilo que aconteceu na História.

Nos tempos modernos, também sem levar em consideração a vocação da terra e a vocação cultural do que ainda resta de autêntico na cultura do Homo-cerratensis, uma nova onda globalizada de invasões chegou e está se instalando, gerando forte impacto sobre o meio ambiente e ocasionando a desestruturação da população rural e urbana, num ritmo nunca visto na história da humanidade.

Nosso futuro também dependerá da nossa habilidade e da nossa sabedoria em lidar com essa avalanche de problemas.

socioambiental.org criança xavanteFoto: socioambiental.org.

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Obs.: publicado originalmente em: 13 de ago de 2016


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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