Hora de aprimorar o SUS

Hora de aprimorar o SUS

Rogério Carvalho

Ao final da CPI da Covid, o país precisa enfrentar os desdobramentos legislativos, aperfeiçoando as leis para assegurar que a má-gestão de autoridades governamentais não se repita.

A CPI da Covid já cumpriu o papel histórico de revelar ao país os principais responsáveis pela catástrofe sanitária que foi a condução da pandemia no .

Por uma opção deliberada e continuada do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, de apostar na imunização coletiva pelo contágio, mais de 600 mil vidas de brasileiros e brasileiras foram perdidas. No Brasil, morreram quatro vezes mais pessoas por Covid do que a média de outros países.

Estudos apresentados na CPI apontam que, se tivéssemos enfrentado a pandemia, considerando as recomendações da medicina baseada em evidências científicas, cerca de 400 mil poderiam ter sido evitadas. Para colocar em prática essa aposta macabra, Bolsonaro, apoiado por um grupo de médicos, parlamentares, empresários e funcionários do governo, boicotou as medidas de distanciamento social e de uso de máscaras.

Também criou a falsa narrativa de que existia um tratamento preventivo e precoce para a doença, o chamado “Kit Covid”, para passar a falsa sensação de para a população e estimular o contágio. Ele ainda negligenciou a compra de vacinas.

Apesar de todos os esforços da CPI, ainda somos a 60ª nação no ranking proporcional de imunização. A CPI também desnudou um esquema de na compra de vacinas no coração do Ministério da Saúde, que só não foi levado a cabo em razão da atuação das investigações conduzidas pelo Senado.

Além disso, revelou os horrores da operadora de saúde Prevent Senior, que, com a conivência do governo Bolsonaro e dos conselhos de classe, realizou testes de medicamentos em seres humanos, adulterou atestados de óbitos e enviou pessoas para a morte ao estabelecer um prazo máximo de internação em UTI para doentes de Covid. Sem falar nos horrores ocorridos em , que foi transformada em um laboratório a céu a aberto.

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Esses e tantos outros crimes — contra a , sanitários e de responsabilidade —, bem como seus responsáveis, estão elencados e tipificados de forma técnica e consistente no relatório final da Comissão, que indicou o indiciamento de 78 pessoas, dentre elas Bolsonaro, e de duas empresas, que poderão responder por 19 tipos penais.

Mas o nosso não se encerra com a e encaminhamento do relatório para as autoridades competentes. Uma série de desdobramentos e iniciativas legislativas também serão apresentadas como resultado do trabalho da CPI.

É fundamental, por exemplo, assegurar dignidade para os mais de 113 mil menores que perderam o pai, a mãe, ou ambos para a Covid. Por isso, nosso projeto (PL 887/2021) prevê a concessão de uma pensão, no valor equivalente a um salário-mínimo — R$ 1,1 mil —, para os filhos menores de 18 anos dos pais que faleceram em razão da doença.

Também a criação de uma pensão especial, igualmente no valor de um salário-mínimo, para pessoas que apresentem incapacidade laborativa permanente ou temporária resultante da infecção causada pela Covid.

Outro desdobramento legislativo que propomos é o Estatuto do Paciente, que estabelece os direitos dos doentes, como as diretivas antecipadas, a respeito de condutas diagnósticas e terapêuticas que aceita ou recusa receber na eventualidade de não poder expressar autonomamente a sua vontade, e sobre direitos dos pacientes em terminal de vida.

Ainda há o enfrentamento da problemática envolvendo a verticalização dos planos de saúde, com a criação de mecanismos para coibir a interferência das operadoras nos tratamentos oferecidos aos pacientes, nos hospitais de sua rede própria, em razão dos custos elevados de alguns tratamentos.

Acredito, entretanto, que a iniciativa de maior relevância seja a proposta de “responsabilidade sanitária”, que estabelece de uma vez por todas a articulação entre todos os entes da federação, com a finalidade de garantir o acesso universal e a integralidade como garantias constitucionais de todos os brasileiros.

O projeto supre a lacuna sobre a responsabilidade sanitária, que ainda carece de positivação jurídica, uma vez que não existe legislação definindo responsabilidade sanitária no significado de compromisso público que o gestor de saúde deve assumir no âmbito do SUS, muito menos a formalização juspolítica do contrato entre os entes federados, a assunção de metas e controle que privilegie a avaliação dos resultados obtidos, assim como as respectivas penalidades pela malversação dos recursos do setor da saúde.

Trata-se de um avanço para a necessária reforma sanitária e gerencial, de modo a viabilizar a efetivação do papel do Estado brasileiro na prestação das ações e serviço de saúde e gestão do sistema, assentado sobre os princípios constitucionais da universalidade, descentralização e integralidade.

Por isso, propomos o funcionamento do SUS em dois eixos: a “responsabilidade sanitária”, com a atribuição de cada ente federado, e o “Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde”, instrumento concebido pela Dra. Lenir Santos, cujo objetivo é unificar e integrar as ações dos entes federativos, subsidiárias e complementares, levando em consideração as necessidades da região de saúde, dando ênfase à responsabilização dos gestores da saúde.

A pandemia reafirmou a importância do Sistema Único da Saúde como conquista e um direito fundamental do brasileiro, a despeito de um mandatário que não demonstrou qualquer compromisso com a saúde e com a vida de 212 milhões de pessoas.

Por isso, é preciso coragem para avançarmos nos necessários aprimoramentos que fortaleçam os princípios sobre os quais o SUS foi concebido e assentado: a universalidade, a equidade, a integralidade, a descentralização e a participação popular.

Rogério Carvalho – Médico sanitarista. Senador pelo PT de Sergipe. Em Boletim Focus Brasil #33, Fundação Perseu Abramo. 


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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