Horieste Gomes: O humilde pensador

Horieste Gomes: O humilde pensador 

A humildade é uma grande virtude, mas às vezes ela é tão forte que se torna capaz de ofuscar o brilho de pessoas geniais, cujos pensamentos, conceitos e propostas não são totalmente conhecidos, ou são simplesmente desprezados, por falta de ousadia.

Por Altair Sales Barbosa

O Brasil é um país onde já surgiram grandes pensadores, alguns inimitáveis, como José do Patrocínio, Gilberto Freire, Euclides da Cunha, Guimarães Rosa e tantos outros.
Entretanto, poucos foram os pensadores brasileiros que extrapolaram os limites da globalidade tornando-se universais, e esses poucos só conseguiram esta conquista porque sempre incluíram nas suas formulações teóricas os preceitos da vocação regional para explicar a contemporaneidade. E, mesmo considerando o regional, a realidade apresentada por estes pensadores sempre se inseriu num contexto globalizante.

Assim foi o Josué de Castro, médico e geógrafo brasileiro, que criou a FAO para que o pudesse entender a Geopolítica da .horieste3

Assim foi o professor Paulo Freire, que utilizando um complexo e revolucionário conceito de diálogo, baseado na cultura e nos valores regionais, criou um método universal de alfabetização e conscientização.

Assim foi o professor Darcy Ribeiro, que, baseado num método original de processo civilizatório, conseguiu com clareza explicar as configurações histórico-culturais dos povos americanos e, em especial, do brasileiro.

Assim foi o professor Milton Santos, que conseguiu dar uma dimensão real da importância da , num mundo cada vez mais globalizado, enfatizando a noção do território local.

Assim foi o professor Anísio Teixeira, cuja concepção de , de tão avançada, sequer foi ainda hoje assimilada pelos nossos pedagogos, que não levam em consideração as vocações regionais.

Assim foi o professor Celso Furtado, que tendo por base os problemas e as especificidades históricas, políticas, sociais e econômicas regionais, conseguiu explicar a Formação Econômica do Brasil.

Assim foi o professor Aziz Ab’Saber, que, interpretando as formações geomorfológicas e as associando com as ciências de natureza humana, conseguiu explicar fenômenos sociais outrora imperceptíveis. horieste4

Assim também é o professor Horieste Gomes, que, utilizando conceitos da globalização, sem desprezar o regional, contribuiu enormemente para a compreensão da formação histórica e geográfica do Brasil e de Goiás, e propôs mudanças fundamentais no que concerne a um dos mais graves problemas de nosso tempo: a questão ambiental.

Esses ilustres pensadores brasileiros, ditos universais, compartilham muitos elementos em comum. Todos foram ou são educadores na acepção maior da palavra, pois sabem o que ensinam, e os seus saberes, além de serem frutos do árduo de resgate do pensamento humano produzido ao longo do tempo, resultam também de suas produções próprias, advindas da pesquisa científica.

Por onde passaram, deixaram rastros indeléveis de sua presença marcante, sempre na forma de uma grande obra, uma Universidade, um Instituto, um grande curso, um laboratório de pesquisas etc.

Sempre publicaram obras científicas de real valor. E, por suas ideias avançadas, houve uma época em que tiveram que deixar o país na forma de exilados. Antes, porém, conheceram a arrogância de políticos ditadores, suas armadilhas e os porões frios de seus cárceres. Embora distantes da natal, os países que os receberam assimilaram deles o que tinham de melhor, na fase mais produtiva de suas vidas.

Os professores Josué de Castro, Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira, Paulo Freire, Milton Santos, Celso Furtado e Aziz Ab’Saber já faleceram. O professor Aziz Ab’Saber antes de falecer andava encostado por algum cantinho da USP, isto porque as nossas universidades nunca souberam aproveitar a experiência daqueles que podem ser multiplicadores, e preferem investir na ingenuidade dos mais jovens, simplesmente porque seus salários são menores.horieste5

O professor Horieste Gomes voltou ao Brasil com a anistia. Quem o vê, à primeira vista, passa ao lado sem cumprimentá-lo. Pensam, deve ser um “Zé Qualquer”. Sua humildade é tão grande que, em vez de enxergar os defeitos que porventura existem nas pessoas e nos simples objetos, prefere descobrir neles virtudes que sempre existem. Ele pouco se mostra, mas está sempre em evidência por sua sabedoria e bom senso.

Pouca gente sabe, mas o professor Horieste é um dos pioneiros da criação das duas maiores Universidades de Goiás – a PUC Goiás e a UFG. Na Católica, ajudou a modernizar o curso de Geografia; na Federal, foi um dos idealizadores do Centro de Estudos Brasileiros, embrião do curso de Geografia, além de participar da estruturação do Departamento de Geografia do Instituto de Química e Geociências (hoje IESA) e do então Instituto de Humanas e Letras.

É autor de uma dezena de livros e incontáveis artigos científicos sobre a geografia e o pensamento geográfico em Goiás, no Brasil e no Mundo. Suas ideias sobre território e espaço, entendidos no contexto do capital internacional, o levaram aos porões de várias prisões no Brasil, onde foi torturado e depois exilado.

Lá fora, manteve contato com vários geógrafos europeus e, numa forma de intercâmbio que normalmente acontece, trocou ideias sobre as novas tendências da geografia face às mudanças políticas, sociais e econômicas que começavam a se delinear no mundo todo, sobretudo no mundo capitalista. Isto aconteceu em Lund (Suécia), cuja universidade é uma das mais avançadas da Europa no que concerne ao pensamento geográfico moderno, pois ali permutou parte do seu conhecimento.

O professor Horieste ainda se encontra no auge da produção, sempre associando os princípios da geografia crítica, do território, e os princípios do marxismo.

É, pois, refletindo sobre suas obras, seu modo de ser, enfim, sobre seu cotidiano, que podemos alimentar a esperança de, um dia, poder descobrir o local onde a virtude se escondeu, aprender a grandeza da humildade que sempre o iluminou e, desse modo, poder lhe render toda nossa admiração. Se hoje aprendemos a voar, com certeza ele é a nossa outra asa.

“Vamos, pois, pegar o mundo e virar do avesso,
Vamos juntar os homens num só mutirão,
Vamos chamar a vida pra brincar de roda,
Para assim manifestarmos nossa grande gratidão”.

Obrigado, Mestre Horieste!

Altair Sales Barbosa
Arqueólogo. Excertos do livro “O Piar da Juriti Pepena – Narrativa Ecológica da Ocupação Humana no Cerrado”. Sales, Altair [et al]. Editora PUC-Goiás, 2014.


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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