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II Conferência Indígena da Ayahuasca

II Conferência Indígena da Ayahuasca: Dias de inspiração e de esperança

Cumprimentando aos leitores deste blog, peço licença ao Jairo Lima, do blog Crônicas Indigenistas, para, finalmente, trazer um pequeno registro sobre o que foi, pra mim, a II Conferência Indígena da (ocorrida em agosto de 2018). Se passaram só alguns meses, mas nesses tempos relativos já parece muito…

Por Maíra Dias
Me animo a compartilhar agora esse texto, buscando na força da memória daqueles dias inspiração e esperança para ler as notícias sobre e a Funai que temos visto agora. Que a força da floresta, da bebida ancestral e a sensatez desses povos que já assistiram e resistiram tantas vezes aos absurdos impostos pela sociedade não-indígena, possam mais uma vez nos ensinar.
Se na primeira conferência muito do que eu achava que sabia sobre os povos indígenas não só caiu por terra como foi além das estrelas, na segunda foi crescente a intensidade complexa de um conjunto de conhecimentos totalmente alheios a racionalidade ocidental, onde sentir em si, perceber da natureza e ouvir de seus ancestrais são metodologias validadas desde tempos imemoriais.
Eu, aluna de um programa de doutoramento, acostumada a assistir aulas, discutir conceitos, fazer anotações, frequentar conferências e seminários, me vi pasma com o que eu assisti acontecer. A minha sorte, talvez, fosse estar sentada a um computador relatando quase como máquina os argumentos que eram defendidos, em concentração para não perder uma palavra, porque cada uma delas denotava complexidade. E, sorte mesmo, era no final dos dias poder contar com o heu puyanawa para organizar/ressignificar tudo o que havia ocorrido, em mim principalmente.
Demorei para conseguir juntar ideias esparsas, observações que a mente divagava enquanto as mãos se atinham ao teclado do computador, mas uma mensagem do Jairo dizendo que esperava um texto lembrava a necessidade de relatar mais este ponto de vista do que foram aqueles dias, sintetizar as dimensões que eu pude presenciar.
O que assisti ruir, despencar de seu pedestal de certeza, foi a “ciência moderna”. Perdida em argumentos, se contradizendo. Eu cheguei a rir, de nervoso diga-se de passagem. É realmente um desafio desenvolver pesquisas, seja de ciências naturais ou humanas, de forma verdadeira, íntegra e, principalmente trazendo benefícios para os povos indígenas. E eles são claros: não querem pesquisa por pesquisa, não querem pesquisa que os use somente como fontes e não sejam beneficiários de seus resultados. Mais ainda, guardo para mim as palavras que exaltavam que as parcerias precisam ser seladas pelo espiritual.
Na primeira conferência assisti em alguns momentos aquele formato sendo testado, pessoas experimentando e notava-se uma ansiedade de como seria uma conferência indígena da ayahuasca. Na segunda, as lideranças indígenas presentes deram aulas, estavam a vontade sendo o que são, trazendo a certezas de seus conhecimentos. Posso destacar falas como as de Txana Ibã Sales ou de Seu Amaral Shanenawa, ou mesmo todas as narrativas das cosmogonias de vários povos que ouvi naqueles dias. E pra quem transita nos meios acadêmicos – fique sabendo – tudo com referências: ouvimos de Biraci que a floresta são seus livros, seus museus, e a ayahuasca, uni para seu povo Yawanawá, sua professora.
A segunda conferência indígena da ayahuasca foi uma grande aula, mas também uma grande imersão espiritual. “É o encanto…” ouvi durante uma conversa que se iniciou no refeitório. Sentei em roda no terreirão nos grandes rituais de união dos povos, mas também sentei em roda com alguns dos poucos nawás, iluminados pela pouca luz das lanternas e ouvi histórias da professora Dedê Maia, talvez repetindo o que vínhamos vendo durante o dia: a escutar solenemente quem tem mais experiência, quem caminhou antes por aqueles caminhos.
Nas duas conferências estive como voluntária para contribuir com o que fosse possível. E é preciso agradecer, porque colaborar foi uma maneira ínfima de retribuir aulas que graduação, mestrado ou doutorado nenhum pode oferecer. Uma verdadeira cátedra reunindo professores da mais alta formação. Os Puyanawa demonstrando no falar de sua língua, que quase se perdeu, como a bebida encantada ensina. Os trazendo a sua filosofia profunda para mostrar novas visões de mundo. Os apresentando alguns dos seus doutores honoris causa como Txana Ixã Sabino falando com toda propriedade sobre o estudo ao qual dedicou sua vida. Os Yawanawá delineando as dinâmicas dos trânsitos espírito-culturais entre indígenas e não indígenas. Os Shanenawa testemunhando uma dinâmica ecológica-cultural: quando a raiz está firme, os frutos são fartos. É injusto não falar de todos os povos, porque cada um trouxe para a conferência seus conhecimentos e os compartilhou: em seus cantos, posicionamentos, presenças. Como não ressaltar o ensino da firmeza nos questionamentos de Lucila Nawá perante um cientista? Ou da persistência ensinada pelos Xypaia que viajaram em seu fusca desde o Pará até o Território Indígena Puyanawa?
Não, não é um cenário homogêneo, não se concordava todo tempo, e as diferenças são muitas seja entre os povos, seja entre indígenas e não-indígenas. Nossa memória tem sempre essa tendência de destacar momentos bonitos e esquecer aqueles mais tensos. Mas não quero fazer isso, talvez, porque, como uma entre muitas grandes lições assistidas naqueles dias, eu possa dizer que a discordância não era um conflito. Eram posições diferentes, cada um delas embasadas nas formas de entendimento de cada povo.Talvez algumas pautas não tenham saído “resolvidas” como alguns gostariam, outras iam se desvendando no decorrer dos debates e das cerimônias. E com a calma de quem sabe que no tempo certo o cipó vai florescer, se espera.

NOTA DA AUTORA:
Esse texto foi escrito e reescrito umas tantas vezes, mas sempre voltava a ele quando me vinha a lembrança do terreirão Puyanawa naquela noite fria de ritual com as estrelas rasgando o céu (em plena chuva de meteoros). Dádivas celestes no interior da floresta. A memória é farta e multidimensional. Guardo pra mim um tanto e me alegro em me irmanar a outros e outras compartilhando estas breves lembranças.

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Maíra Dias é museóloga, pedagoga, especialista em Artes, Mestre e doutoranda em Ciências das Religiões. Estuda, entre outros, e plantas sagradas.
Esta matéria nos foi gentilmente enviada por Jairo Lima, do blog Crônicas Indigenistas. Conheça a página do Crônicas Indigenistas no Facebook (clique aqui). Lá encontrará, além de nossos textos, várias e diversificadas informações. Também temos o canal do YouTube: Crônicas Indigenistas – Música Indígena (clique aqui).

 

 


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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