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Invasões de terras indígenas cresceram 252% sob Bolsonaro

Invasões de cresceram 252% sob Bolsonaro

Dados apresentados ontem pelo Cimi fecham balanço dos últimos 4 anos; mais de três mil indígenas morreram, desassistência à saúde dobrou e assassinatos aumentaram no mínimo 30%.

Por Leila Salim/O Eco

Os quatro anos de governo Bolsonaro registraram um aumento de 252% nas invasões a terras indígenas, na comparação com os quatro anos anteriores (governos Dilma/Temer). Os dados são do relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, lançado ontem (26/7) pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que apresentou dados de 2022 e fechou o balanço do último mandato presidencial. Os relatórios são produzidos pelo Cimi desde 2003.

O desmonte das políticas públicas, o incentivo à invasão de terras e ao garimpo ilegal e a difusão de discurso de ódio contra indígenas, marcas da política anti-indígena de Bolsonaro, promoveram indicadores negativos nas diferentes formas de violência analisadas pelo documento. Além da explosão no número de invasões, os assassinatos de indígenas atingiram níveis recorde (um aumento de no mínimo 30,2%, que pode chegar a 59% se considerados os dados mais atualizados). Os casos de desassistência à saúde subiram 100% e os suicídios, 28%.

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Fonte: Cimi

“Este cenário desolador ficou evidenciado por eventos que causaram grande comoção e tiveram repercussão nacional e internacional, como os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, mortos em junho na região da Terra (TI) Vale do Javari, no , por pessoas vinculadas à rede criminosa que articula as invasões ao território; e as invasões garimpeiras ao território yanomami, que, sob o olhar conivente do Estado, geraram enormes danos ambientais e uma crise sanitária sem precedentes”, lembra o relatório.

O texto também destaca a promessa cumprida de “não demarcar um centímetro” de terras indígenas. “A paralisação das demarcações de terras, o desmonte contínuo dos órgãos de fiscalização ambiental e territorial e o próprio discurso de pessoas que ocupavam cargos no poder público, a começar pelo próprio Presidente da República, criaram um ambiente de liberalização que estimulou as invasões e a ilegal, inclusive de terras já homologadas e regularizadas”.

A categoria que contabiliza as violações a territórios indígenas e registrou o aumento de 252% é “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao ”. Foram 309 casos em 2022, maior número da série histórica iniciada em 2003, como mostra a figura abaixo. Nos quatro anos de Bolsonaro, foram 1.133 casos, contra 321 nos quatro anos anteriores (2015-2018).

Os assassinatos de indígenas no ano passado chegaram a 180. Considerando os dados divulgados anualmente pelo Cimi, foi o segundo maior número da série histórica. O recorde também fica com o governo Bolsonaro: em 2020, foram 182. A soma dos levantamentos anuais mostra que, entre 2019 e 2022, foram 651 indígenas assassinados, um aumento de 30,2% na comparação com o período 2015-2018 (com 500 assassinatos).

Esse aumento, no entanto, pode ser ainda maior. No relatório deste ano, o Cimi atualizou os dados do período 2019-2022, já que as bases públicas de onde são extraídos são permanentemente alimentadas. Os novos dados mostram 795 indígenas assassinados sob Bolsonaro, o que representaria um aumento de 59% em relação aos quatro anos anteriores. Foram 196 pessoas mortas em 2019, 216 em 2020 e 203 em 2021, além dos 180 registrados no ano passado.

Como não há informações sobre dados atualizados para o período 2015-2018, adotamos para a comparação a conta mais conservadora, considerando o aumento de 30% e indicando que o percentual pode ser significativamente maior.

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Fonte: CIMI/SESAI/SIM e secretarias estaduais de saúde. Dados extraídos do relatórios anuais. Observação: a partir de 2014, o Cimi passou a contabilizar os dados a partir de fontes públicas

As mortes por suicídio também registraram alta: foram 115 apenas no ano passado, e um total de 535 nos últimos quatro anos. Na comparação com o período 2015-2018, a alta foi de 28%. Entre os 535 casos de suicídio entre indígenas, mais de um terço (35%) foi entre jovens de até 19 anos.

Omissão deliberada

Outro dado alarmante é o relativo à violência por omissão do poder público. Foram 87 os casos registrados de desassistência à saúde (cuja consequência mais evidente e trágica é o genocídio praticado contra o yanomami) em 2022, e um total de 361 nos últimos quatro anos. É o dobro do registrado nos quatro anos anteriores.

O relatório mostra ainda que 835 crianças indígenas entre 0 e 4 anos de idade morreram em 2022. As mortes se concentraram no Amazonas (233), em Roraima (128) e em Mato Grosso (133). Entre 2019 e 2022, foram 3.552 mortes de crianças indígenas desta faixa etária em todo o país. Os dados foram obtidos pelo Cimi junto à Secretaria de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai) via Lei de Acesso à Informação.

Antonio Liebgott, organizador do relatório, afirmou que o documento fecha um ciclo de quatro anos de perversidades e brutalidades. “Havia um roteiro programático do genocídio”, disse, descrevendo como operou nesses anos a sequência de desterritorialização das comunidades e dos povos (através do impedimento à demarcação e o incentivo à exploração das terras indígenas já demarcadas), desconstrução de direitos conquistados, a destruição do meio ambiente (através do desmatamento, contaminação das águas e incêndios), desestruturação das políticas públicas (via desmonte da Funai, do Incra e do ICMBio), desassistência aos povos (expressa nos números trágicos da mortalidade infantil indígena), vulnerabilização das comunidades e a tese etnocida de “integração” (que passa pelo apagamento dos modos de dos ).

“Os passaram a ser vistos não como sujeitos de direito, como pessoas, e sim como aqueles que poderiam ser eliminados. A desumanização fez parte desse roteiro, que iria terminar com o genocídio. Precisamos agora lutar para que isso nunca mais aconteça. Mas não podemos esquecer que o inimigo não dorme. O ódio, o racismo e a invasão dos territórios ainda não acabaram. Precisamos nos organizar para que no novo governo esse roteiro do genocídio deixe de existir”, declarou Liebgott, durante o evento de lançamento da publicação.

O evento completo pode ser visto aqui e o relatório está disponível aqui

Leila SalimJornalista. Fonte: O Eco. Foto: Isac Nóbrega/PR.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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