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Resistência e Sobrevivência dos Povos Indígenas do Cerrado  no Século XXI 

Povos Indígenas do Cerrado: Resistência e Sobrevivência

Resistência e Sobrevivência dos Povos Indígenas do Cerrado  no Século XXI 

Não considerando o Parque Nacional do Xingu que, mesmo possuindo alguns elementos de Cerrado, é integrante do Domínio Territorial Amazônico, como também desconsiderando alguns povos que vivem em áreas distintas do Sistema Biogeográfico do Cerrado, como os Pareci e os Nambikwara, o bioma apresenta uma população indígena de 100.000 a 110.000 habitantes, distribuídos principalmente em terras do Maranhão, Tocantins, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Há grande dificuldade em precisar os dados demográficos para as populações indígenas, pois elas estão em constante migração de uma aldeia para outra, dentro do mesmo grupo, de forma temporária ou definitiva, ou mesmo de um grupo linguístico para outro, também de forma temporária ou definitiva. Portanto, os dados populacionais aqui apresentados são aproximados.

A população sobrevivente na área contínua do Cerrado engloba povos de características culturais diferenciadas, cuja situação atual e cuja fragmentação demográfica não refletem a importância que esse espaço geográfico teve na sua fixação durante longos períodos, nem a sua verdadeira história.

Os povos indígenas brasileiros são classificados pela utilização de padrões linguísticos. A maior categoria do sistema classificatório é o Tronco, que se subdivide em Famílias. Uma família pode englobar uma ou mais línguas. A Língua é a menor unidade classificatória. Uma língua pode ser falada por um ou mais povos. Isso significa uma ancestralidade recente convergente, mas não significa necessariamente que um povo falante de uma mesma língua compartilhe os mesmos ideais ou conjuntos de ideologias, que variam desde o imaginário até os ritos do cotidiano.

Para o Brasil Central, até o momento, existem definidos três Troncos Linguísticos: Macro-Jê, Tupi e Aruak. Algumas famílias linguísticas, tal como algumas línguas, não possuem estudos classificatórios claros.

ORIGEM

Os primeiros ancestrais das populações indígenas que hoje ainda habitam o Cerrado chegaram por volta de 11.000 anos antes do tempo presente (AP). Vieram mediante um processo de levas sucessivas em épocas diferentes.

Muitas dessas levas tinham parentesco genético e cultural. Entraram na América do Sul pelo Istmo do Panamá, por volta de 16.000 anos AP, mas seus ancestrais mais antigos vieram da Sibéria para a América do Norte por volta de 22.000 anos AP, utilizando o Estreito de Bering e aproveitando os corredores de migração formados pelo interglacial Ilinoian-Wisconsin. Todos são geneticamente pertencentes ao grupo racial mongólico ou mongoloide, que como o próprio nome indica, teve sua origem na região que hoje corresponde à Mongólia.

O termo raça é usado pela Antropologia Biológica para definir uma categoria taxonômica, que significa apenas uma variação em uma mesma espécie. Assim, todos os seres humanos conhecidos como Ameríndios, quando chegaram à América, já eram Homo sapiens sapiens mongoloide (termo usado para a designação de raças humanas, assim como caucasoide ou negroide).

Embora fossem descendentes de um mesmo tronco racial, já existiam, entre os diversos grupos que aqui chegaram, marcantes diferenciações culturais, refletidas na cultura material, nos sistemas sociais de organização e possivelmente na língua falada.

Mas existiam também muitas semelhanças, principalmente no que diz respeito à obtenção de alimentos e na busca de abrigos naturais para se protegerem das intempéries. Todos tinham sua economia baseada na caça e na coleta, fato que os obrigava a adotarem sistemas de planejamento social e ambiental eficazes para garantirem sua sobrevivência.

Por volta de 11.000 anos, com o fim da glaciação Wisconsin, o caminho pelo Estreito de Bering tornou-se inviável. Somente muito tempo depois outras levas de populações alcançaram a América através do Pacífico, oriundos da Polinésia, ou se deslocando pela neve através da Groenlândia. Essas levas também pertencem racialmente ao Tronco Mongoloide.

PRIMEIROS TEMPOS

No novo Continente, as populações Ameríndias, organizadas em pequenos grupos clânicos, foram obrigadas a um isolamento geográfico por longo tempo, o que contribuiu para aumentar ou fazer surgir uma diferenciação linguística cada vez mais acentuada, fenômeno que aconteceu também no Brasil Central.

Além das diferenciações linguísticas, sistemas de organizações sociais e ideológicas foram se sedimentando ao longo do tempo, aumentando a diferenciação entre os grupos ou povos. A maior parte desses grupos, ao longo do tempo, inventou ou incorporou novas tecnologias no seu cotidiano, tais como a cerâmica, as ferramentas de pedra polida e a domesticação de algumas espécies vegetais, desenvolvidas localmente ou aprendidas por intercâmbio.

Essas novas tecnologias causaram um impacto positivo nessas populações, refletido especialmente pelo crescente demográfico. O que se constata, como regra geral, e que leva a concluir, com boas razões, é que os primeiros habitantes encontrados pelos brancos nos diversos locais do Cerrado foram os que se desenvolveram e se adaptaram nesse local por séculos.

Também não se pode aceitar o argumento de que a colonização do litoral pelos portugueses já tenha afetado os grupos do centro do Brasil, na sua estrutura demográfica e cultural, ou os tenha tornado instáveis antes de os brancos os alcançarem diretamente.

IMPACTOS DO CONTATO

As Bandeiras chegaram à região rapidamente em busca de mão de obra, ouro e pedras preciosas, não dando tempo para outra onda de desestruturação atingir o local antes.

Os contatos diretos dos bandeirantes – que ainda encontram as populações plenamente instaladas, com suas aldeias, seus roçados, seus campos de caça e coleta, como haviam sido em épocas anteriores – provocam não só uma desagregação social, mas também a diminuição da população por escravização, guerras e doenças.

Provocam também a deterioração econômica, com a ocupação de espaços vitais para os cultivos das roças, a desorganização dos espaços de cada aldeia, levando os grupos à guerra, primeiro contra os arraiais brancos, mas também entre si.

A imagem que os viajantes e etnógrafos do século XIX oferecem das populações então sobreviventes, com absoluta certeza, já é falsa, porque o impacto violento da colonização – primeiro, desestruturando, depois, reestruturando a sociedade, a economia, e talvez partes consideráveis da cultura – já havia sido absorvido.

Se isso parece verdadeiro para as populações ainda numerosas que assolaram desesperadas os arraiais brancos antes de serem “pacificadas”, é muito mais significativo para as populações já reduzidas, que foram aldeadas e completamente aculturadas sob o domínio do colonizador.

RESISTÊNCIA E SOBREVIVÊNCIA

Os descendentes dos povos contatados que hoje sobrevivem na medida em que levam uma vida nas aldeias, devem ter reorganizado mais de uma vez a sua sociedade e a sua cultura com os restos que salvaram do impacto colonial, readaptando-se de acordo com as novas condições e necessidades.

Nessa perspectiva, qualquer política indigenista que vise ao êxito das populações indígenas deve levar em consideração a história evolutiva desses povos, que não são únicos e por isso não são homogêneos. São nações com seus valores culturais individualizados e moldados pela evolução e adaptação.

Colocá-los em modelos de escolas ocidentalizadas, incluindo as universidades, é uma falácia. Seus saberes, em muitos aspectos, voam mais alto que os saberes ocidentais. Equipá-los [indistintamente] com a parafernália tecnológica do mundo [moderno] também é um engano sem precedentes, comparado ao engano da substituição de suas divindades pelas divindades ocidentais.

Uma política em que um representante do homem ocidentalizado fale em nome de todos os indígenas ou um indígenatente representar mais de cem nações, algumas até com rivalidades tradicionais, demonstra falta de orientação. Portanto, é necessário que se respeite a heterogeneidade dos indígenas e que os órgãos governamentais criados pra cuidar do assunto assumam a humildade de que pouco conhecem e deixem que cada Nação ou Povo decida seu rumo.

A bandeira do “preconceito” empunhada sem conhecimento de causa é mais preconceituosa do que a essência do próprio preconceito. Se essa prática demagógica e ingênua continuar, daqui a algum tempo certamente falaremos: Antes de 1.500, todos os povos do Cerrado eram indígenas, em breve, nenhum o será.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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