Para uma geração de jornalistas…
Para uma geração de jornalistas, desembarcar no começo dos anos 70 na Amazônia para cumprir pautas que denunciavam os efeitos da corrida desenfreada para a região, sob a bandeira do desenvolvimento a qualquer preço, marcou para sempre as nossas vidas.
Por Eliana Lucena
Junto com as máquinas que abriam estradas traçadas nos gabinetes de Brasília, as cicatrizes começavam a aparecer, não apenas na floresta derrubada, mas na vida dos povos tradicionais: indígenas, ribeirinhos, pequenos agricultores, seringueiros.
A viagem foi para marcar o cruzamento da futura rodovia Cuiabá/Santarém. Pouco tempo depois, os tratores invadiram as terras dos índios Panará, ainda isolados, que nós chamávamos de Krenhacarore. Foi uma tragédia anunciada. Centenas de indígenas morreram de doenças levadas pelo invasor, e os que sobreviveram foram transferidos para o Parque Nacional do Xingu.
Além de Jaime Sautchuk, estava nessa viagem até o entroncamento a jornalista Memélia Moreira, colega de momentos marcantes como este. Estávamos juntas quando os índios sobreviventes chegaram à aldeia Kretire, em 1976, onde foram recebidos pelo líder Raoni. Uma cena de exílio dolorida.
Foi nessas andanças que conheci Jaiminho, viajando em Búfalos da FAB e desembarcando em locais que para o governo militar representavam marcos na conquista de novos espaços sob a bandeira: “Integrar para não entregar”. Recém-chegado do Paraná, o jovem jornalista, com seu jeito sério, discreto e carinhoso, era ao mesmo tempo crítico e certeiro em suas observações.
Nos anos seguintes, mergulhou nesses temas, produzindo um material precioso a partir de seu testemunho. Acredito que Jaime também falaria, como todos nós, do privilégio que foi conviver com tanta gente que representou a resistência continuada a um modelo cruel de desenvolvimento: líderes indígenas, missionários, bispos, antropólogos, ambientalistas, populações tradicionais e segmentos da sociedade civil. Muitos morreram nesses embates.
Não conversava com Jaime já há um tempo. Imagino a sua tristeza diante de tantos retrocessos que estamos amargando. No começo do ano ele escreveu sobre a invasão da soja no Acre, destruindo o que ainda existe de florestas. Em outro artigo, mais antigo, um desabafo: “Se Chico Mendes ainda estivesse entre nós, teria escapado da morte muitas vezes, mas por certo iria morrer agora, de desgosto, só de ver o que estão fazendo com a floresta que ele tanto defendeu“.