COCAR DE CANUDO: OBJETO POLÍTICO DO POVO KAYAPÓ

COCAR DE CANUDO: OBJETO POLÍTICO DO POVO KAYAPÓ

Cocar de Canudo:

Objeto político de identidade e da cultura do povo Kayapó 

As Terras dos Kayapó estão no centro do arco do desmatamento, com pressões intensas de garimpeiros, madeireiros e criadores de gado. Sofrem, também, a pressão de grandes empreendimentos privados públicos em seu entorno, como a construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.  Cada vez mais, essas pressões externas vêm reduzindo a qualidade de do povo Kayapó.

Como alternativa, os Kayapó, ao longo dos anos, ao mesmo tempo em que lutam bravamente para manter sua cultura e seu estilo de vida, os Kayapó vêm buscando se adaptar aos desafios dos novos . Uma das formas práticas dessa adaptação encontra-se na incorporação de elementos ocidentais na produção de seu belíssimo .

Mais precisamente, a Associação Protegida (AFP) Associação Floresta Protegida, do povo Kayapó,  investe, hoje, em parceria com a empresa , na produção de “cocares de canudos” para conciliar geração de renda com valorização da cultura, ao mesmo tempo em que oferece oportunidade de ocupação e renda para as mulheres e as pessoas idosas nas aldeias.

O cocar é um artefato ritual, confeccionado artesanalmente pelos homens da aldeia e usado em cerimônias de diversas etnias. Até recentemente, seu uso era restrito a ritos, exposições e pesquisas de arte indígena.

Hoje, em parte devido ao cocar de canudo, pidjôkango oicõ djã nho meàkà, essa invenção dos  Kayapó, habitantes das margens do Rio Xingu vem  cada vez mais despertando o interesse sobre suas origens e os costumes relacionados ao seu uso também nas cidades e, em especial, no período do Carnaval.

Para os Kayapó, o cocar de canudo, é um objeto político “capaz de produzir diversas reflexões na sociedade brasileira, em especial a de que nenhum índio é menos índio por usar em sua produção artesanal e em seu viver coisas do mundo dos brancos.” Assim, os Kayapó, conscientemente, incorporam roupas, celulares, canudos e carnaval ao seu modo de vida na floresta.

Com a mesma perfeição técnica refinada de geração em geração desde tempos imemoriais, os Kayapó reproduzem com canudos os belíssimos cocares de penas produzidos para o  seu próprio uso comunitário.  Por essa razão, os Kayapó fazem questão de ressaltar o valor político do cocar enquanto elemento de conscientização e valorização das artes e da cultura Kayapó.

Os cocares de canudo são feito pelos guerreiros Kayapó (classe de idade daqueles que já têm neto). Segundo dados da Tucum, em 2015 foram produzidos e comercializados 263 cocares, beneficiando cerca de 80  famílias, das aldeias Apejti, Ngomejti, Pykatum, Aukre, Mojkarakô, Kubenkrãkenh, Kedjerekrã, Kendjan e Pykatô, nas Terras Indígenas Kayapó e Menkragnoti, no estado do Pará.

Segundo a Tucum, os cocares são comprados da AFP todo final de ano, a preços discutidos com a Associação e considerados justos tanto pelos artesãos e quanto por seus clientes parceiros, e pela própria Tucum.  

A compra é direcionada para a venda durante o Carnaval, uma demanda criada pela Tucum, uma vez que os Kayapó são capazes de produzir muito mais do que a capacidade de venda regular da empresa durante o ano.

Para o Carnaval, a empresa produz o Kit Carnaval Tucum, que inclui cocares Kayapó, apitos Pataxó e dos maracás Karajá,  “valorizando a história, a riqueza e a luta que acompanha cada etnia, representada por seus produtos”.

Mesmo sendo o Carnaval uma festa popular não-indígena, a Tucum conseguiu, com sucesso, incluir esses elementos fundamentais das culturas indígenas no imaginário  da maior festa brasileira, com a anuência e a participação ativa de seus produtores, os povos indígenas.

“Os Kayapó sabem por quanto vendemos os cocares, como sabem também  que a compra grande de fim de ano da Tucum é para que os cocares sejam comercializados no carnaval. Eles não têm nenhum problema com isso porque, no fim, se apropriam do Carnaval para produzir e vender um produto que até dois anos atrás não tinha saída. Sentem orgulho da difusão de sua cultura, assim como nós. Todo cocar à venda na Tucum leva o nome do artesão que o produziu e de sua aldeia.”

Além do preço pago ao artesão, a Tucum informa que paga uma taxa de 20% para a Associação, que tem por finalidade a estruturação da cadeia produtiva do artesanato. A partir desses valores, a Tucum calcula o preço final da peça, construído de maneira transparente, como se pode ver no site da empresa, que também informa que não lucra com os cocares, cuja renda é revertida para campanhas em defesa dos povos indígenas como a campanha #PEC215Não!

COCAR DE CANUDO: OBJETO POLÍTICO DO POVO KAYAPÓ
Foto: Simone Giovine/ Associação Floresta Protegida

Uma breve história sobre o cocar Kayapó

De acordo com a mitologia Kayapó, o cocar de penas é um troféu de guerra conquistado depois que dois guerreiros mataram Àkti, o grande gavião que gostava de se alimentar de crianças e velhos indefesos.

Assim, não é qualquer um que pode portar na cabeça um cocar; é preciso que seja transmitida pelos mais velhos uma espécie de permissão, que acontece durante as cerimônias de nominação. É a partir deste ritual que a é apresentada como especialmente bela (mereremejx) para aquela comunidade e torna-se apta, entre outras coisas, a usar sob a cabeça um cocar.

O uso ritual do cocar é restrito a apenas uma pessoa, considerada como o dono ou aquele que pode utilizá-lo. Enquanto algumas pessoas têm a prerrogativa de utilizar o verde, feito de penas de papagaio; outra pode usar o vermelho, de penas de arara e uma outra, o amarelo, de penas de japu.

Para pegar emprestado um cocar, é necessário que haja autorização do dono e que depois da festa, seja prontamente devolvido a ele ou à sua família. Ter um cocar sob a cabeça é algo muito significativos entre os Kayapó.

Com o cocar de canudos ocorre algo similar, já que ele também se transformou em um bem simbólico com circulação restrita apenas a seus donos, que continuam sendo proprietários deste objeto ritual de cores distintas. Somente o dono do cocar de penas de japu (amarelas), pode usar e mesmo confeccionar o cocar com canudinhos amarelos, por exemplo.

COCAR DE CANUDO: OBJETO POLÍTICO DO POVO KAYAPÓ
Foto: Simone Giovine/ Associação Floresta Protegida

Por quê Canudos?

Os canudos viraram matéria-prima devido a um grande incêndio que devastou a aldeia Môikarakô, Terra Indígena Kayapó, PA, nos anos 90. Embora não tenha deixado vítimas, o fogo queimou praticamente todas as casas da aldeia e boa parte dos pertences de seus habitantes, incluindo seus valiosos bens cerimoniais, dentre eles os cocares de penas que estavam sendo produzidos para um ritual dali a alguns dias.

Mesmo com suas casas e enfeites queimados, os moradores da aldeia decidiram fazer a festa. Foi nesse contexto de resistência e superação que um velho indígena teve a ideia de produzir os arcos com os canudinhos de plástico para adornar as cabeças de seus companheiros de aldeia de forma que eles pudessem dançar e festejar superando o ocorrido. Mal sabia ele do sucesso que este artefato faria entre os próprios Kayapó e décadas mais tarde, entre admiradores da e foliões querendo deixar a “fantasia de índio” ainda mais especial.

Nesta transição entre a confecção do cocar para uso interno e ritual para o uso lúdico, festivo e comercial por não-indígenas, a produção ganha muito em criativa, em especial quanto à combinação de cores. Ver os cocares de canudo, feitos sob a mesma tradição dos cocares de pena vale lembrar, virando item de desejo entre os que curtem o Carnaval é motivo de orgulho para os Kayapó, que com sua cultura, ajudam a enfeitar esta grande festa dos brancos – ou kuben, na língua Kayapó.

Com a proibição da comercialização de artesanato feito com penas e outras partes animais silvestres por meio de uma portaria do Ibama, referente ao artigo 29 da Lei de Crimes Ambientais (nº 9.605/1998), incentivar a produção do cocar de canudos é também uma forma de saudar o artesanato indígena de forma responsável.

COCAR DE CANUDO: OBJETO POLÍTICO DO POVO KAYAPÓ
Kit Carnaval da Tucum – Foto: Simone Giovine/ Associação Floresta Protegida

Sobre a Associação Floresta Protegida 

A Associação Floresta Protegida (AFP) é uma ONG que representa os Kayapó, parceira da Rede Tucum e pioneira no fomento e divulgação dos cocares de canudo. Todo fim de ano, a Tucum encomenda à AFP uma grande quantidade destes cocares, o que se torna uma fonte de renda para os guerreiros Kayapó que dominam com maestria seus saberes tradicionais para a confecção deste objeto. Este ano em especial foi impressionante ver a qualidade e beleza dos cocares à medida em que foram chegando na Tucum! Novas técnicas os tornaram mais firmes e as combinações de cores extremamente criativas.

Com a ideia de difundir a cultura Kayapó, a AFP produziu uma série documental super bacana sobre o artesanato desta etnia que adora festa. Confira o episódio “Cocar de Canudo” e saiba mais sobre a técnica ancestral deste povo ao confeccionar seus cocares. Assista aqui https://www.youtube.com/watch?v=ieNSpGrvdzM

COCAR DE CANUDO: OBJETO POLÍTICO DO POVO KAYAPÓ

Sobre a Tucum 

Em seu site na internet, a Tucum assim se define:
“Movidos pela vontade de conhecer e experimentar, integramos um coletivo composto por pessoas de diferentes áreas de atuação.
Na Tucum, indígenas, pesquisadores e artistas fazem parte de uma rede plural e aberta de conhecimento, troca e criação.
Nosso propósito é difundir a expressa nas artes e ofícios, valorizando os diferentes modos de criar e existir. Nos preocupamos com toda estrutura da cadeia produtiva, a fim de estabelecer duradouras parcerias. Nas relações estabelecidas com os artesãos, atentamos às questões políticas, socioambientais e particularidades que os diferentes contextos locais nos colocam. A Tucum é também uma forma de ativismo.”

 

 

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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