Liberdade
Não ficarei tão só no campo da arte,
e, ânimo firme, sobranceiro e forte,
tudo farei por ti para exaltar-te,
serenamente, alheio à própria sorte.
Para que eu possa um dia contemplar-te
dominadora, em férvido transporte,
direi que és bela e pura em toda parte,
por maior risco em que essa audácia importe.
Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,
que não exista força humana alguma
que esta paixão embriagadora dome.
E que eu por ti, se torturado for,
possa feliz, indiferente à dor,
morrer sorrindo a murmurar teu nome”
São Paulo, Presídio Especial, 1939.
Fonte: Café com Marx – uma iniciativa de Marcelo Pires Mendonça, publica sempre textos essenciais para formação de seres humanos críticos, conscientes e solidários. O texto abaixo, publicado no site Controvérsia , informa um pouco sobre este militante lendário da esquerda brasileira.
Quem foi Carlos Marighella e por que você deveria saber disso?
A primeira eu soube pelo documentário “Marighella” de 2012, de forma bem marcante através do depoimento de Clara Charf, sua companheira de vida e de luta. A segunda, com certeza foi pelo clipe de “Mil Faces de um Homem Leal” dos Racionais MC’s que, mesmo fazendo parte do filme, chegou a mim por vias diferentes.
A pergunta é: Por que se fala tão pouco de pessoas como Carlos Marighella? De pessoas que colocaram um ideal de libertação acima da própria vida?
![LIBERDADE: UM POEMA DE CARLOS MARIGHELLA 1 1*auSOJq Q4WXLD8fuCHSqfg](https://cdn-images-1.medium.com/max/800/1*auSOJq_Q4WXLD8fuCHSqfg.jpeg)
Esse trecho foi retirado de uma biografia resumida no site do PCB e possivelmente é como a maioria das pessoas — dentre as poucas que conhecem o episódio — devem se referir a ele. Uma anedota da história.
O que eu sei sobre o fato: em 9 de maio de 1964, Carlos Marighella e Clara Charf estavam em um aparelho — nome dado as casas usadas de esconderijo na ditadura — vivendo de forma ilegal e escondendo quaisquer rastros de existência. Marighella tinha marcado um encontro com uma amiga em frente a um cinema na Tijuca para reaver algumas roupas que haviam ficado para trás na última fuga.
Clara diz, no documentário, que o companheiro teve um pressentimento e começou a recolher todos seus pertences do apartamento, pedindo para ela fazer o mesmo. Quando saiu do apartamento, de frente para o elevador, Marighella optou pela escada. A polícia, pelo elevador. Oxóssi protege seus filhos.
Próximo ao cinema, agora sozinho, Marighella percebeu a polícia de tocaia, vigiando. Fez sinal para a amiga entrar e seguiu atrás. Pegou o pacote, se despediu rapidamente e sentou-se em meio a sessão da tarde, lotada de crianças e famílias. Pouco tempo depois, as luzes do cinema foram acesas e ele foi cercado pelos policiais instaurando o caos no local. Lutou o quanto pôde com socos e gritos de “Abaixo a ditadura militar fascista” e “Viva a democracia”, mesmo baleado covardemente a queima roupa.
A bala fez quatro furos, entrando pelo lado esquerdo do tórax, saindo pelo direito e atravessando o braço de Marighella. Ainda assim, relatos dizem que quase uma dezena de policiais foram necessários para colocá-lo dentro da viatura. Desse episódio, surgiu o relato de próprio punho que deu origem ao livro “Porque resisti a prisão”.
Vê a diferença?
A primeira vez que realmente ouvi sobre Carlos Marighella foi nesse clipe do Racionais MC’s. Podia não ser um nome estranho para mim, mas estava longe da grandiosidade desse personagem.
![LIBERDADE: UM POEMA DE CARLOS MARIGHELLA 2 1* dPeokwZRqeiTsztZEK2zg](https://cdn-images-1.medium.com/max/800/1*-dPeokwZRqeiTsztZEK2zg.jpeg)
Quem era esse mano que merecia um som do Racionais e eu, universitário, morador da periferia e negro, não fazia a menor ideia de onde tinha saído?
“Às oito e meia da manhã de 15 de agosto de 1969, um destacamento de doze guerrilheiros da ALN (Ação Libertadora Nacional) invadiu a estação transmissora da Rádio Nacional em Piraporinha, perto de Diadema (Grande São Paulo). Dominados os funcionários, um dos invasores interrompeu a ligação com o estúdio e ligou ao transmissor de ondas curtas uma gravação. Com o Fundo musical do Hino da Internacional Comunista e do Hino Nacional, a gravação anunciou o nome da Carlos Marighella e reproduziu o manifesto lido por ele. Na meia hora em que a estação esteve sob controle da ALN, deu tempo para repetir a gravação. No mesmo dia 15, o jornal paulistano Diário da Noite lançou uma segunda edição com o texto integral do manifesto de Marighella captado pelo o rádio escuta ”.
(A imagem que eu tenho da tomada da Rádio Nacional é Mano Brown, KL Jay, Edi Rock, Ice Blue e Dexter chegando em um fusca, fortemente armados, vestidos como se estivessem em 1964 e gritando: “Quieto senão morre. Quieto. Quieto. Entra caralho”. O vigia rendido é levado até a sala de transmissão onde se encontra o locutor, que é enquadrado por KL Jay ao som de “Ajoelha, caralho! ”.
E o discurso feito por Marighella no ato entrando na sequência.
Teria como ser diferente?
Carlos Marighella era muito diferente do Brown ou do Dexter? Ou de mim e de você?
Por que a gente não aprende isso na escola?
Por que o inimigo número um da Ditadura Militar nunca é citado nos livros didáticos?
Fontes: PCB Documentos Revelados Medium