Lula: O morto imortal do Brasil

Lula, o morto imortal 

Lula morreu politicamente. Várias vezes. A primeira, quando, ainda sindicalista, foi condenado pela ditadura. Jornais estampavam, em fevereiro de 1981: A Folha dava manchete na primeira página: “Lula condenado. Sindicalista se tornará sindicalista inelegível. E o Estadão: “ condena Luís Ignácio. Disputar agora, só com anulação da pena.”…

Por Emir Sader 

Lula sobreviveu a essa primeira e foi candidato ao governo de São Paulo. Quando fracassou sua candidatura ao governo de São Paulo – ficou em quarto-, foi enterrado de novo: Não dava mesmo pra política, devia seguir como líder sindical, no máximo. Política exigia outros dons. Morto e enterrado.

Depois foi derrotado três vezes em candidaturas para presidente, duas vezes pelo FHC no primeiro turno. A tucanada vibrava com a morte definitiva de Lula – e pelas mãos sagradas do príncipe dos sociólogos.

Até que Lula conseguiu uma sobrevida, elegendo-se para presidente. Mas logo uma punhalada definitiva terminava de vez com a política do Lula: o mensalão. Derrotado, fracassado, enxotado do governo como corrupto. Tudo o que a direita queria.

Mas Lula se levantou do caixão em que precipitadamente pretendiam deitá-lo e se reelegeu. Mas por pouco tempo, porque terminava seu segundo mandato e não conseguiria eleger um poste. Terminaria ali o ciclo de governos do PT e a vida política de Lula. Mas ele conseguiu.

Conseguiu, mas a reeleição da Dilma condenou de novo Lula ao fracasso, numa disputa muito dura. Mas a vitória foi de Pirro, logo veio o impeachment, Lula teve que acompanhar a Dilma saindo do Palácio do Planalto, para o ostracismo, a morte política definitiva. O ciclo de governos do PT, iniciado com o de Lula, terminaria ali, com um impeachment por procedimentos supostamente indevidos da presidenta e em meio a acusações generalizadas de corrupção ao PT e ao próprio Lula.

Não poderia haver morte política mais significativa e definitiva. A Lava Jato se encarregou da oração fúnebre: tudo o que o Brasil tinha vivido neste século tinha sido uma farsa. Tudo tinha sido um imenso projeto de assalto ao Estado brasileiro (vide famoso power point), para o que o PT tinha sido ideado diabolicamente pelo próprio Lula.

Ha dois anos, o golpe definitivo: Polícia Federal invade o apartamento de Lula para se apropriar das provas definitivas do seu envolvimento em casos de corrupção, que acompanhariam o féretro, via Curitiba. Morte morrida e matada.

Eis senão quando Lula, que tinha amanhecido preso político, quase embarcado para Curitiba, se assume de jararaca, e termina o dia com 10 minutos no Jornal Nacional. Começava a virada de funeral definitivo.

Outros cantos já haviam decretado a morte definitiva de Lula e do PT, tanto assim que se vestiam com seus melhores trajes para substituir o finado.

Mas pelo visto o fantasma de Lula vem puxar todas as noites as pernas de tanta gente. Os colunistas da Folha decretam sua morte todas as semanas mas, paradoxalmente, se ocupam prioritariamente desse cadáver político todos os dias, parecendo mais uma editoria de obituários do que de política. Se Lula acabou, por que a obsessão com ele?

O que acontece também na ultraesquerda, que já decretou, há , que o PT e Lula acabaram politicamente, não tem mais condições de liderar nada. Mas estremecem com uma mensagem de Lula, que provoca até um incrível movimento de “Fora Lula”, do Psol. Como remover um cadáver político?

Pré-candidatos também entram no jogo da direita, de deslocar o do direito de Lula ser candidato para a questão da prisão de Lula que, como Lula diz, interessa a eles também. Fingem sentimentos de indignação, mas contam com isso, senão não insistiriam tanto no tema, nem ainda diriam abertamente que Lula não poderá ser candidato.

Nunca na história política do país alguém foi tão execrado pela mídia, nunca ninguém teve tanto sua morte política declarada, com missa de sétimo dia e tudo, mas nunca alguém deixou de ser o personagem central da vida política do pais, como o caso de Lula.

As pesquisas insistem em declarar como Lula sobrevive a todas as declarações, da direita, da ultraesquerda, da “terceira via”, como sua trajetória política está inscrita no coração dos brasileiros, como o político do Brasil depende do destino de Lula. Ele , com sua alegria de sempre, pelo resgate da democracia, dos direitos de todos e da , enquanto outros se dedicam a declarar seu fim político e a se desdizer cotidianamente, Lula assiste, dando risada, a passagem do cortejo que prepararam para ele.

Matéria de Emir Sader, membro do Conselho Editorial da Xapuri, publicado originalmente no Brasil 247 em 08/03/2018.  Foto de Capa: brasil247

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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