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Lula por Lula: “Como são meus dias em Curitiba”

Lula por Lula: “Como são meus dias em Curitiba”

Belo e comovente depoimento de Lula às vésperas de completar seus 74 outubros, como preso político depois de uma condenação sem crime e sem provas na masmorra de Curitiba.  

“Quando eu vim pra cá, algumas pessoas me aconselharam a escrever um diário. Eu sinceramente não achei vantajoso escrever, eu sozinho, vivendo sozinho todo dia. Ia escrever o quê? ‘Hoje, fui no banheiro, acordei cedo.' Li o diário de Mandela na cadeia. Li a biografia de muita gente, do Getúlio, do Marighella,  do Padre Cícero de Juazeiro, do Gandhi, do Roosevelt. Acabei de ler a biografia A Duas Vozes, do Fidel do Castro.

Uma coisa que me interessa muito é ler sobre escravidão. Estou aprendendo porque o é do jeito que é, porque ainda existe preconceito. Sempre gostei muito de música e estou ouvindo bastante, recebo um pen drive com músicas. Gosto muito de samba, ouço Chico, ouço Caetano, o Gil, ouço muitas músicas daquelas, como chama, cânticos gregorianos. Às vezes, eu durmo com cantos gregorianos. Eu recebo muita coisa. E muito debate também.

Peço a alguns companheiros que gravem análises de conjuntura pra mim. Então, às vezes o João Paulo [MST] grava, às vezes o Genoíno grava, a Marilena [Chauí] grava, o [Luiz] Dulci grava, a Gleisi [Hoffmann] grava, o Jessé [de Souza], o Eduardo Moreira, o Aloizio Mercadante. Eu vou pedindo às pessoas, que vão gravando.

Com  não tem o que fazer, sento pra ler, ou sento fico vendo as pessoas falarem, fico discutindo sozinho com as pessoas, discordando das pessoas. Ás vezes, fico puto com as pessoas falando bobagens a meu respeito. E não estou lá pra dizer: ‘Não é assim, rapaz.”

Assim vou vivendo. Eu vou dormir por volta de meia-noite, 1 hora da manhã. Acordo todo dia às 6h30, faço meu café, faço um café de qualidade. Acho que não tem ninguém que faça um café melhor do que eu.

Quero que vocês aibam que essa história de falar que eu vou casar é verdade. Na verdade, encontrei uma meia-cara que está me ajudando a vencer essa barreira aqui. Então,  não vou deixar essa solidão tomar conta de mim, não vou deixar o ódio tomar conta de mim, não vou desanimar, não vou ficar deprimido. Não conheço a palavra depressão. Se já tive, não sei.

Como fui corintiano e fiquei 23 anos sem ganhar um título, perdendo para o Santos 15 anos consecutivos, vendo o Pelé humilhando o Corinthians – eu ia ao estádio, chegava lá e dava 3 a 0, 4 a 0 -, então eu acho que não vou ter depresssão. Tenho certeza, posso dizer pra vocês comunicarem o pessoal lá fora que vou sair mais maduro, mais preciso naquilo que quero fazer – vou sair daqui mais lutador do que fui.

Estou bem fisicamente. Obviamente que sei que a natureza é implacável, mas como decidi que vou viver até os 120 anos, que a “Caeana” não venha bater na minha porta, que não tem espaço para ela entrar [referência ao livro A Moça Caetana – A Morte Sertaneja”, de ]. Tenho muita coisa para fazer ainda.

Então, estou assim neste momento da minha vida. Obvivamente fico pensando em sair daqui, decidir onde vou morar. Quando deixei a Presidência, tinha vontade de morar no Nordeste, vontade de voltar para meu Pernambuco, vontade de morar não perto da praia, mas num lugar em que pudesse ir à praia. Pensava em ir pra Bahia, Rio Grande do Norte, mas a Marisa não quis ir porque ela nasceu em São Bernardo [do Campo] e o mundo dela era São Bernardo. Eu não tenho mais o que fazer em São Bernardo.

Não sei para onde ir, mas quero me mudar para outro lugar. Espero que o PT me utilize, que a CUT me utilize, espero que os sem-terra me utilizem, espero que os LGBT me utilizem, espero que os me utilizem, esepro que as mulheres me utilizem, espero que todo mundo me utilize para fazer com que eu tenha utilidade nessa minha passagem pelo planeta Terra.

Vou sair daqui tranquilo. Não vou dizer que cumpri minha missão, mas vou sair daqui tranquilo, com cidadão consciente do seu papel na história.

Sou muito agradecido às manifestações dos artistas. Tenho visto pelo pen drive shows no mundo inteiro. Aliás, acho que o PT e os movimentos sociais deviam fazerda questão cultural uma das bandeiras mais importantes. A gente não pode deixar que esses caras destruam a . A cultura não tem propriedade do Estado. A cultura é uma propriedade da sociedade da sociedade – ela que se aproveite da cultura e a criatividade que o nosso povo tem nesse país. Não podemos abdicar disso.

É isso que vocês vão levar daqui. Quero que vocês digam para todo mundo que estou bem, estou muito disposto a brigar. Tenho certeza de que o Moro não dorme com a consciência tranquila como durmo. Tenho consciência de que o Dallagnol está precisando tomar remédio para dormir, talvez tarja preta, porque ele sabe que é mentiroso, ele sabe que foi canalha no meu processo. Estou aqui, para a raiva deles.

Porque acho que eles ficam com mais raiva quando sabem que estou bem.  Então, muito obrigado. Quero que vocês transmitam um abraço a todo mundo. Quando sair daqui, espero que a gente faça uma boa entrevista – e um churrasco.

Há um livro que li que me impressionou muito, chamado Um Defeito de Cor, de uma moça chamada Ana Gonçalves. Eu li Escravidão, do Laurentino Gomes, muito bom. Eu tenho lido muito. Li, da escravidão, O Alufá Rufino [de Flávio dos Santos Gomes, João José Reis e Marcus J.M. de Carvalho]. É muito bom. É um tema que me apaixonou, porque nunca consegui entender.

Não sei se vocês lembram, quando eu era presidente, a gente tentou, foi aprovada uma lei, o Ferando Haddad [então ministro da ] deve se lembrar disso, aquela história africana no Brasil, que era uma das formas que eu achava que a gente ia vencer o preconceito nesse país. Não sei se aconteceu. Pelo que estou vendo, até universidade afro-brasileira está sendo destruída, lá em Redenção (CE). Acho que eles estão desmontando isso. Mas estou aprendendo muito. As pessoas são muito generosas. As pessoas mandam muitos livros, muito material importante.

Esses dias, recebi uma cartinha bonita daquela menina que está em Oxford e participou da equipe daquele médico que ganhou um Prêmio Nobel de Medicina; uma menina do Rio Grande do Norte que está com ele, é brasileira. Ela mandou uma cartinha bonita. Eu recebo muita coisa bonita, muita gente generosa.

Eu não sei se vou ter força para abraçar todo mundo quando eu sair daqui. Se a minha bursite não voltar…”

NOTA: Depoimento baseado na entrevista que Lula concedeu nesta semana do seu 74o Aniversário para o Brasil de Fato. O texto está sendo amplamente  divulgado nas redes sociais neste 26 de outubro. Nós nos somamaos a este esforço para multiplicar a voz Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil entre 2003 e 2010,encarcerado em Curitiba desde abril de 2018. #LulaPresoPolitico. 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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