Madalena Gomes, de nome Allunoe na tradição Terena
Minha mãe, Madalena Gomes, de nome Allunoe na tradição Terena, nasceu nessa época [fim de maio, começo de junho], no tempo das cerimônias do Kipae, a anta que sai para dançar entre as estrelas do céu.
Por Marcos Terena
Com idade estimada em 86 anos, minha mãe criou cinco filhos e uma filha, e nunca deixou perder aquilo que chamamos de ancestralidade. Ela sempre nos ensinou a repassar os conhecimentos, e isso é uma garantia de que eles vão perdurar para sempre. Ela morava, quando mais nova, dentro de uma aldeia na região de Taunay, em Aquidauana, que pertencia aos Queiroz e foi retomada recentemente.
Órfã em torno dos 10 anos de idade, foi levada por fazendeiros invasores das terras do Warakuake, perto de Aquidauana, no Mato Grosso do Sul, para cuidar de uma criança de nome Saulo.
Ela é uma sobrevivente dessa ajuda “humanística” dos purutuie, pois além de não saber falar o português, não conhecia as comidas, não conseguia dizer o que queria comer e passou muita fome.
Minha mãe coleciona muitas histórias. Ela sempre contou que andava descalça, não tinha roupa e andava pelo mato para procurar ervas medicinais. Tomava banho na lagoa, e tudo isto são coisas que eu não vivi, porque estava construindo minha carreira profissional, como piloto de aeronaves.
Hoje, minha Mãe, que na década de 1980 batalhou pelo primeiro movimento de mulheres indígenas do Brasil, e nunca nos deixou, está no leito de nossa casa com saúde perfeita, e estaria cantando parabéns se não fosse a crueldade do Alzeihmer e do Parkinson!
Mesmo assim, celebramos a provável data do aniversário de nossa Mãe.
Marcos Terena – Líder Indígena. Coordenador Internacional na empresa Juegos Mundiales de los Pueblos Indígenas. Ex-piloto de aeronaves da Funai. Articulador dos Direitos Indígenas. Produtor do documentário Índio Velho – Saberes Ancestrais. Texto beneficiado pela redação da Revista Xapuri, com base em post de Marcos Terena no Facebook e em entrevista de Graziela Rezende, em Midiamax.
Foto de capa: Marcos Terena/Facebook.
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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