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MAKUNAIMÃ – O MITO ATRAVÉS DO TEMPO

MAKUNAIMÃ – O MITO ATRAVÉS DO TEMPO

Makunaimã – o mito através do tempo

Por Jaider Esbell

Avelino Taurepang é hoje um ancião, líder respeitado e conselheiro morador da comunidade Bananal, localizada na Terra Indígena São Marcos, em Roraima. Ele é o neto de Akuli – o pajé Pemón e guia que contou sobre Makunaimî e seu pessoal para o etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg anotar e botar no livro.

História digna dos melhores roteiros de cinema, esta é a história de meu avô também. Sou o Jaider Esbell, Makuxi, neto de Makunaimî, artista. Eu estou dentro desta história ao menos duas vezes, e se você for até o final vai entender.

Vou precisar de sua curiosidade e fôlego para me acompanhar. Essa história é de cada um pois quanto mais se mergulha, mais se descobre ou se perde nessa fantasia real enigmática. Vamos lá organizar as passagens do tempo:
Estão lá vivendo desde que o mundo é mundo – os nativos, no pé do Monte Roraima, o tronco da nossa grande árvore Wazak’à.

Os brancos que chegaram nos navios chamaram os nativos de índios e isso tá aí até hoje. Para diferenciar aos estrangeiros, nós nativos chamamos até hoje os estranhos de brancos, sejam brancos ou pretos.

Aqui por onde hoje é Roraima e região começavam a se ver as primeiras investidas dessas pessoas por nossas terras e, antes do alemão, outros passaram também anotando coisas. Pesquisas vão e vem e não se sabe ao certo quem anotou no papel pela primeira vez o nome Makunaimî. O fato é que Akuli falou muito para o alemão e ele gostou muito de ouvir e, como pode, anotou tudo.

Acabada a pesquisa o alemão volta para a Alemanha e Akuli, o avô do Avelino Taurepang, morre. No meio do calor da conversa que rolou lá em São Paulo no ano passado, Avelino disse:

– Foram os pajés makuxi que mataram o meu avô.

Avelino ainda disse apontando para mim:

– Foram os teus avós que mataram o meu avô, briga de pajés.

Eu assenti com a cabeça, era verdade.

Passado alguns anos a exploração por nossas terras, as terras de Makunaimî continuam até hoje e estão generalizadas para além das agora fronteiras internacionais.

Na Alemanha o livrão é publicado e cai na boca ou, melhor, nos olhos e no gosto do mundo as histórias vividas e narradas do autor na grande floresta com os selvagens.

Nesse tempo as coisas aconteciam bem lá pelas banda de São Paulo, a já mais rica e moderna cidade brasileira. Lá, em São Paulo, já havia chegado a “cultura”, mas havia alguém curioso interessado nas coisas do meio do mato.

Entra nessa cena o Mário de Andrade que acabou conhecendo as virtudes de meu avô Makunaimî e dos seus no livro do alemão já publicado em alemão. Assim o escritor e escroteador da cena paulistana lança em 1928 o marco literário que se tornou a obra Makunaíma – o herói sem nenhum caráter.

Pronto, estava feita a desgraça.

O ano de 2018 é quando a obra clássica completa 90 anos e, lá por São Paulo, a casa de Macunaíma teve fartura de evento de comemoração. Peça pra cá, espetáculo pra lá. Show, lançamentos e muitos debates e blás alheios a nós, da família. Eis que no meio desse povo branco todo estava uma menina atrevida.

Deborah Goldemberg aparece na nossa frente com sua pesquisa mário andradiana mais que maku falando coisa com coisa. A conversa chegou na floresta. Ela fez que fez até que descobriu o índio Avelino, o neto do famoso Akuli pajé payasán contador de causos.

Disse ela também que havia planos para essa festa e propôs botar a gente no avião. Fomos em três. Um Makuxi, um Taurepang e uma Wapixana.

No aeroporto Avelino viu pela primeira vez que ia participar desses assuntos sem meio saber o que dizer e foi lá mesmo que pela primeira vez ele viu e soube da obra Makunaíma – o herói sem nenhum caráter. Desaforo, não?
Roseane, historiadora Wapixana, presenciou a cena e logo soube que era histórica. Sem histeria fez uma selfie da gente e postou nas redes sociais.

Então desde esse ponto essa história ganha uma dimensão interessante. Pelo que se sabe, foi a primeira vez que uma parceria entre artistas indígenas e não indígenas aconteceu assim em um ambiente de arte. Deborah reuniu a todos em uma programação incrível na cidade de São Paulo os distintos representantes e descendentes direto do grande mito, como protagonista e antagonistas? Macunaíma, Makunaima, Makunaimî como se grafa em Pemón. São ao menos três dimensões de teorias e realidades.

Makunaimã foi como a nossa obra foi batizada.

O livro

Dentro da programação proposta por Deborah para a cena paulistana estava um bate papo com diversos artistas e pesquisadores e entre eles estavam os indígenas Jaider Esbell do povo Makuxi, Roseane Cadete do povo Wapixana, Cristino Wapixana e Avelino Taurepang, o neto de Akuli, o contador das histórias.

Esse encontro aconteceu durante uma tarde na arejada casa Mário de Andrade, a casa onde viveu o escritor e que hoje é um centro cultural memorial. Eu fiz transmissão de todo o evento ao vivo pelo meu facebook.

Até então já estávamos vivendo algo muito especial. Conversar com todos e com meus parentes ali em São Paulo, temas que vão de Makunaíma a Makunaimî, foi realmente único no mundo.

Por esse feito e por outros essa obra e ocasião são tão especiais. Como o caso da Deborah visionar uma obra literária com uma olhada rápida no vídeo do encontro e propor e aprovar no edital do Minc o projeto do livro, tudo de última hora.

O projeto do livro foi inscrito às pressas e acreditem foi o último a receber a verba em conta antes do sucateamento do ministério da cultura, em 30 de Dezembro de 2018. Uma obra curta, de pouco mais de cinquenta páginas, que conta outras estórias antes de tudo.

Conta a história de Avelino Taurepang, um senhor evangélico desde sempre, morador de comunidade tradicional, que lidou sozinho na grande São Paulo com fatos fantásticos de sua própria origem. Diante de olhos curiosos ele também estava lindamente espantado, perplexo.

Para mim, que estive presente o tempo todo, foi tudo muito fantástico interagir nesta dimensão com a história, com a vida e como a arte. A arte de minha própria pesquisa, coisa de nossa família que tanto tempo esteve sozinha, interpretada e festejada no mundo todo sem que a gente soubesse de nada ou que se soubesse de nossa complexa existência.

Escrevo sobre esses valores que só eu, como autor, ator, personagem e própria história, poderia. Essa obra entra na lista das obras únicas, por ser uma obra custeada com dinheiro público, por ser uma história original, única. Não trata-se de mais uma obra literária sobre Macunaíma como há milhares. Essa é uma extensão ao livro, não cabe, pois para virar história teríamos de morrer e nós estamos vivos.

A presença do brilhante Cristino Wapixana nosso mais ilustre escritor indígena está honrando ainda mais a obra. A professora Roseane Cadete trouxe a energia da mulher indígena, neta direta da versão feminina de Makunaimî.
A obra consiste nisso – uma peça de teatro que foi escrita para ser encenada na Casa Mário de Andrade, o lugar onde o encontro que inspirou a Deborah, aconteceu.

Vamos conhecer os personagens e como estamos distribuídos no texto. Lembrando que convidei no início desde texto a um pensar sequenciado que ao fim entenderíamos as nobrezas. É isso. Deborah ressuscitou Mário de Andrade e ele conversou com a gente (…)

Personagens:

Mário de Andrade: o próprio – Vivido pelo ator Pascoal da Conceição

A curadora: uma antropóloga – Vivida pela autora/artista Debora Goldemberg

Laerte: indígena Wapixana – Vivido pelo escritor Cristino Wapixana

Bete: indígena Wapixana – Vivida pela pesquisadora/professora Roseane Cadete

Leandro: indígena Macuxi – Vivido pelo artista Jaider Esbell

Fernando: indígena Taurepang – Vivido pelo Avelino Taurepang neto de Akuli

Oriel: filósofo – Vivido pelo poeta Marcelo Ariel.

O especialista: professor de literatura da USP – Personagem fictício

Pedro: antropólogo – Personagem quase-fictício!

Lara: cantora – Vivida pela cantora Iara Rennó

Jefferson: ator – Vivido pelo ator Jeferson Gonçalves.

Conheça um pouquinho:

Makunaimã – o mito através do tempo.

ATO I – Visitante

Há um evento de comemoração de 90 anos de Macunaíma acontecendo na Casa de Mário de Andrade, na Rua Lopes Chaves, atualmente um Museu – casa.

Se vê a casa por fora, seccionada, com visão para o andar térreo e o primeiro andar.

Na sala de estar na casa, que fica no térreo, há uma palestra acontecendo, com três palestrantes sentados na mesa de convidados e diversas pessoas sentadas na plateia.

No quarto, que fica no segundo andar, vemos Mário de Andrade sentado numa poltrona confortável.

Naturalmente, está morto, mas surge ali como quem está tirando uma soneca e começa
a ouvir o que falam dele na distância, em meio ao sono… num estado de transição entre morte – vida que pode ser interpretado livremente.

Pedro: … “Como diz Raimundo Soares, Macunaíma é todo inspirado em Vom Roraima Zum Orinoco, coleção de lendas do etnógrafo Koch – Grunberg, escrito com base em seu extenso trabalho de campo realizado no início da Década de 20, em Roraima.

Cavalcanti Proença garante que Mário de Andrade se serve copiosamente dessas
lendas indígenas…”

Mário: De novo?

– Já disse que copiei mesmo, oras bolas!

Disse e até que me surpreende dizerem que me restringi à cópia de Koch -Grunberg, quando copei a todos, às vezes textualmente!

Capistrano de Abreu, Couto de Magalhães, Pedro Vaz de Caminha… Ai, que preguiça.

Mário volta a “dormir” no segundo andar…..

Saiba mais dessa história inédita no livro e tenha a experiência de estar dentro de uma estória fantástica real continuada e sem fim.

O projeto gráfico é uma obra á parte, um presente da editora Elefante. A obra trás desde a capa ilustrações com a arte de Jaider Esbell.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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