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Manejo de jacaré: Realidade em Rondônia

Manejo de jacaré: realidade em Rondônia –

Uma experiência pioneira em manejo de fauna silvestre está ocorrendo na Reserva Extrativista (Resex) do Lago do Cuniã, uma unidade de conservação federal localizada em Rondônia. Com uma área de 50.850 hectares na margem do rio Madeira, nela vivem cerca de 90 famílias distribuídas em quatro vilas ao redor do lago, conhecidas por Neves, Lopes Araújo, Pupunhas e Araçá.

No período das cheias, o acesso à Resex se dá por barco, em 7 horas a partir de Porto Velho, a capital do estado. Na , com a baixa dos igarapés, o acesso é feito a pé ou de moto, por 12 quilômetros de trilha, partindo da comunidade ribeirinha de São Carlos do Jamari.

A natureza local se caracteriza por floresta densa com grandes árvores, como sumaúmas e castanheiras centenárias. A ave-fauna se apresenta com revoadas de biguás, garças, andorinhas, saracuras e ciganas, com relatos de onças pardas, pintadas, preguiças, , queixadas e jacarés.

cuniã pessoas e placa
foto: IcmBio

Os moradores da reserva são descendentes de migrantes nordestinos que, no início do século passado, foram trabalhar nos seringais da região, e de índios da etnia Mura. Nesse período de ocupação e interação com a floresta, vieram a adquirir harmonia e cumplicidade com o ambiente local. O sustento vem da pesca e do agroextrativismo. Pescam com fartura tucunaré, pacu, tambaqui e pirarucu; coletam com bonança açaí, castanha, bacaba, tucumã e cupuaçu. Não há miséria e fome no Cuniã.

Nos anos de 1980, a perspectiva era de criação de uma Estação Ecológica, unidade de conservação de proteção integral, que não pode ser habitada. As comunidades ao redor do lago rapidamente se organizaram em associação e juntas lutaram por um longo período para que a área fosse convertida em Reserva Extrativista (Resex), categoria de uso sustentável que permite a presença de moradores. Vitória concretizada em novembro de 1999.

Com a criação da Resex e um controle maior da caça e pesca na unidade, um aumento rápido e significativo na população de jacarés veio a ocorrer no lago Cuniã, com consequentes registros de ataques a moradores; o mais grave levou uma a óbito. Revoltados, passaram a cobrar do Ibama, à época, e depois do ICMBio, ações que reestabelecessem o equilíbrio populacional de jacarés e a paz na comunidade.

A partir dessa situação de conflito, foi proposta a construção de um pioneiro de manejo da população de jacarés, com viés ambiental e econômico. Iniciado pelo Ibama e pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfíbios (RAN), centro de referência, especializado na geração e na  gestão de informações que subsidiam ações de conservação de répteis e anfíbios. Hoje o projeto está sob a supervisão da Coordenação de Produção e Uso (Coprod/ICMBio).

De acordo com o pesquisador do RAN/ICMBio Marcos Eduardo Coutinho, o caso do Cuniã atende dois dos principais objetivos do manejo de fauna silvestre, que são o de buscar o equilíbrio ecossistêmico de uma superpopulação e o de gerar por meio da produção sustentável de carne e couro de jacarés.

Os estudos sobre a viabilidade do manejo se iniciaram em 2004, por meio de expedições de campo para coleta de dados e análises laboratoriais. Com respaldo científico e técnico, e com recursos financeiros oriundos de compensação ambiental de uma empresa de energia, o manejo teve início em 2009, quando um pequeno frigorífico na comunidade Silva Lopes Araújo foi construído e 100 animais capturados.

cuniã jacaré na água
foto: IcmBio

A Coprod/ICMBio define as cotas anuais de abate, subsidiada por um permanente de pesquisa e monitoramento populacional dos jacarés. Em 2014 não houve captura devido a uma grande cheia no Rio Madeira. Porém, para 2015 a cota autorizada é de 900 animais.

Para viabilizar o projeto, os moradores foram capacitados para realizar desde a captura do jacaré até o processo industrial de corte, embalagem e transporte do produto final. O frigorífico comunitário possui registro no Serviço de Inspeção Sanitária (SIM) de Porto Velho, o que permite à carne ser toda comercializada por uma rede de supermercados da capital. Já o couro é vendido para empresários de Minas Gerais. A mensal de cada uma das 83 famílias envolvidas no projeto é, em média, de 700 reais, durante um período de safra que varia de 4 a 5 meses.

Segundo critérios determinados no plano de manejo do projeto, para serem abatidos os animais devem ser do sexo masculino e terem tamanho próximo de dois metros. A captura é feita à noite, a fim de causar o mínimo de stress ao animal. O abate acontece logo pela manhã, e para isso se utiliza uma pistola pneumática insensibilizadora, desenvolvida especificamente para o abate de jacarés.

Diferente das formas convencionais de produção animal, no manejo sustentável o jacaré vive livre em seu ambiente natural, sem interferência do homem no seu desenvolvimento.  O projeto da Resex Cuniã nos confirma que a convivência harmônica de comunidades tradicionais com o uso dos recursos naturais é possível, viável e necessária, uma vez que os maiores defensores deste patrimônio natural são os seus próprios moradores, desde que respaldados por boas .

Andre-BrunckhorstAndré Brunckhorst
Consultor Coprod/ICMbio/PNUD

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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