mar de classes

MAR DE CLASSES

MAR DE CLASSES

A corja do mercado concentrador de renda que explora o turismo nacional tenta fazer de nosso mar o que fizeram na província de La Altagracia na República Dominicana, onde os endinheirados do mundo desfrutam da paradisíaca Punta Cana, lugar em que a exclusividade de acesso ao melhor do mar é garantido para os viventes dos resorts de luxo e suas praias particulares. A afluência ali é restrita, dispõe de ligação direta com o aeroporto internacional, e nenhum abastado “corre o risco” de conviver com a abundante pobreza ao redor, nem mesmo nos luxuosos ônibus do transfer que utilizam infraestrutura viária exclusiva, policiada e fiscalizada até os dentes.

O máximo que se vê nos trajetos, através das janelasescuras espelhadas (e apenas nos precários cruzamentos), sãopobres montados em frágeis motocicletas em busca de distantesopções de banho. É flagrante a percepção visual da deliberada desigualdade social em vigência, o que nos permite concluir que o lindo mar costeiro de águas cristalinas e areias brancas de Punta Cana é de classes, dividido entre os habitantes, majoritariamente pobres, e aqueles que usufruem dos espaços naturais privatizados ou fortemente comercializados para o turismo. No entanto, legalmente, na República Dominicana, as praias são públicas e qualquer pessoa tem o direito de acessá-las.

O problema é que, na prática, o acesso ao melhor do mar de Punta Cana é desestimulante para quem não está hospedadoem um resort. Construídos sob o conceito de barreiras artificiais de alvenaria, os resorts têm seções privadas de praia que são cercadas ou separadas de áreas públicas, tornando o acesso controlado e visualmente proibitivo. É o que os parlamentares brasileiros “doidos por cassinos” pretendem para os nossos mais belos espaços de mar, que suas praias sejam reservadas apenas para os ricos. Olho neles!

Mar de Classesa scaled

<

p style=”text-align: justify;”>antenorAntenor Pinheiro – Geógrafo. Membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri.

Deixe seu comentário

UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!