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Marcelo Zero: O Parvo de Davos

O Parvo de Davos –

Por: Marcelo Zero, no Brasil 247

Se o discurso de Lula em Davos, no ano 2003, entrou para a como um dos mais importantes pronunciamentos feitos naquele Foro Econômico, o de Bolsonaro destacou-se pelo exato oposto: foi, na opinião praticamente unânime dos observadores internacionais, um dos discursos mais decepcionantes realizados por um Chefe-de-Estado. Um fracasso retumbante destacado por todos os jornais do mundo.

Fazendo jus à sua proverbial incapacidade de articular qualquer discurso mais consistente, Bolsonaro espremeu penosamente, em apenas 8 minutos, um conciso e morno festival de platitudes vazias, misturadas com informações equivocadas. seja feita, a tortura intelectual durou pouco. Ficou, no entanto, a eterna vergonha mundial.

Foi a estreia internacional da parvoíce provinciana. Um discurso à altura de um histórico deputado do baixo clero. O pronunciamento de um estadista às avessas.

O discurso mais parece um somatório confuso de twitters, tamanha a sua mediocridade. Mediocridade acentuada pelo grande carisma e a brilhante eloquência do capitão.

Além das obviedades vazias (“vamos reduzir a carga tributária” (como?), “vamos equilibrar as finanças públicas” (como?), “vamos privatizar” (o quê?), “vamos abrir a economia” (de que forma?), as quais decepcionaram o mercado, que esperava mais detalhes sobre o que irá fazer, Bolsonaro veiculou informações “equivocadas” em seu patético pronunciamento.

Destaco algumas.

1)    “Nas eleições, gastando menos de 1 milhão de dólares e com 8 segundos de tempo de televisão, sendo injustamente atacado a todo tempo, conseguimos a vitória. ”

Bolsonaro não menciona o uso de dinheiro sujo, em torno de R$ 13 milhões, de acordo com a famosa reportagem da Folha de , para divulgar absurdas contra seu adversário de segundo turno, Fernando Haddad. Lacuna imperdoável.

2)    “Pela primeira vez no Brasil um presidente montou uma equipe de ministros qualificados. Honrando o compromisso de campanha, não aceitando ingerências político-partidárias que, no passado, apenas geraram ineficiência do Estado e corrupção. ”

Essa passagem suscita dúvidas cartesianas. Quais seriam os ministros qualificados? O astronauta que vende travesseiros? A equilibrada Damares? O chanceler pré-iluminista? O ministro de colombiano que é discípulo do insigne astrólogo Olavo de Carvalho? Essa equipe de iluminados não tem ideologia e preferências políticas? Mistério insondável.

3)    “Somos o país que mais preserva o meio ambiente. Nenhum outro país do mundo tem tantas florestas como nós.”

De onde a armada Bolsoleone tirou essas informações, não sei. Mas é fato que a Rússia tem cerca de 3 milhões de quilômetros quadrados a mais que o Brasil de florestas. Também é fato que ninguém considera o Brasil como o “país que mais preserva o meio ambiente”. De acordo com o Environmental Performance Index (EPI), produzido pelo Yale Center for Environmental Law & Policy, o Brasil não figura nem entre os 20 países mais ambientalmente amigáveis do mundo. O Brasil também não entra na lista dos países que têm, proporcionalmente, mais área protegida. A campeã, nesse quesito, é (surpresa!) a Venezuela, que tem 53,9% da sua área preservada. Em contraste, o Brasil teria, de acordo com o respeitado instituto, apenas 28,44% da sua área realmente preservada.

4)    “Nossas relações internacionais serão dinamizadas pelo ministro Ernesto Araújo, implementando uma na qual o viés ideológico deixará de existir.”

Como assim? O chanceler templário, discípulo do insigne astrólogo e admirador incondicional de Trump, não tem ideologia e preferência política? Não está em santa cruzada contra o “marxismo cultural” e o iluminismo? Não vai mais transferir a embaixada brasileira para Jerusalém, emulando os EUA? Será que a Liga Árabe, que já anunciou retaliação ao Brasil, acredita nisso? Que decepção!

5)    Vamos defender a família e os verdadeiros ; proteger o direito à vida e à propriedade privada e promover uma educação que prepare nossa juventude para os desafios da quarta revolução industrial, buscando, pelo conhecimento, reduzir a e a miséria.

Como assim? Existem “falsos” direitos humanos? Quais seriam? Seriam aqueles que eram defendidos, entre outros, por Marielle Franco? Seria esse o motivo de seu assassinato? Como a juventude será educada para os desafios da quarta revolução industrial se a Emenda Constitucional n° 95 reduz estruturalmente os públicos nessa área estratégica, assim como em outras? Outro mistério.

Mas a grande enganação de Bolsonaro está, em nosso entendimento, nessa singela e poética passagem:

“Quero mais que um Brasil grande, quero um mundo de paz, liberdade e democracia.”

Creio que Bolsonaro não conduz a um Brasil grande. Ao contrário, sua política externa coloca o país na órbita geoestratégica dos EUA de Trump, e tende a torná-lo pequeno, desprezível.

Também pelo mesmo motivo, o governo Bolsonaro não contribuirá para um “mundo de paz, liberdade e democracia”. Ao contrário, se somará a Trump na geração de uma ordem internacional mais unilateralista, belicista e autoritária. Com sua atitude agressiva contra a Venezuela, deverá contribuir até para transformar a América do Sul, um subcontinente de paz, num novo .

Não. Bolsonaro jamais será “o Cara”, como Lula foi e é. Não chegará nem perto. Jamais terá o respeito do mundo. Na realidade, ele suscita apenas medo, repulsa e incredulidade.

Ele está destinado a ser apenas mais um cara, um parvo subserviente a militar por um mundo mais conflagrado, mais autoritário e mais injusto.

Nos livros de História, entrará como triste e medíocre nota de pé de página. Como seu discurso.

Alan Santos/PR
MARCELO ZERO

É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado. Matéria publicada no site do Brasil 247, link acima.

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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