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Médicos Sem Fronteiras: combate ao Covid-19 respeitando rituais indígenas

Médicos Sem Fronteiras: combate ao Covid-19 respeitando rituais

Em São Gabriel, Médicos Sem Fronteiras combate Covid-19 respeitando rituais indígenas

Pajés e kumua, conhecedores de cura e proteção, podem fazer tratamentos na estrutura montada pela organização humanitária; remédios tradicionais também são permitidos
Fruto do de articulação do Comitê Interinstitucional de Enfrentamento e Combate ao novo coronavírus em São Gabriel da Cachoeira (AM), a inauguração do Centro de Acolhimento para pacientes de Covid-19 dos Médicos Sem Fronteiras (MSF) é uma conquista para o município mais do Brasil, no noroeste amazônico. Em 13 dias de funcionamento, a enfermaria fez 31 atendimentos e internou 10 pacientes, sendo oito indígenas das etnias Baré, Baniwa, Tukano e Desano.
O MSF tem experiência global com ações de emergência e em situações extremas. A organização humanitária chegou em maio a São Gabriel para atuar no atendimento a pacientes com Covid-19. Além de todo o conhecimento acumulado, trouxe na bagagem um outro elemento fundamental: o respeito à cultura local. Para que a enfermaria tivesse adesão entre a maioria indígena, o ganhou adaptações levando em conta as características dos povos do .
Uma delas foi aceitar que pajés e kumua — como são chamados os conhecedores de cura e proteção — entrassem na unidade para contribuir com os tratamentos. Além disso, ficou estabelecido que remédios tradicionais, amplamente utilizados também no combate à Covid-19, pudessem ser receitados aos pacientes.
“Para nós, não é uma novidade adaptar projetos. Mas dessa forma é inédito”, explicou a gerente de do projeto em São Gabriel, Gabriela Romero. “Trata-se de uma estratégia de promoção à saúde: compreender como aquela comunidade entende a saúde. Acesso não é só infraestrutura e médico. É também diálogo e . A possibilidade de conversar leva à confiança para que procurem os serviços”, disse a representante do MSF.
Gabriela explicou que para a atuação do são necessárias algumas adequações. O indígena deve usar os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), por exemplo. “Vamos dar todo o apoio, buscando adaptações. Ritual com fumaça não é possível em área médica, mas pode acontecer na área externa da unidade”, afirmou. No caso dos remédios tradicionais, o cuidado é com o princípio ativo, já que não podem interferir com as demais medicações. Outro diferencial da unidade de saúde são as redes de dormir colocadas ao lado dos leitos, respeitando o costume local.
Para consolidar a relação de confiança e conseguir adesão ao tratamento, o centro do MSF também garante aos pacientes indígenas um acompanhante. Devido ao alto risco de contágio, quem fica com o paciente só tem autorização para sair no final do tratamento, sem revezamentos. Luíza Cegall, médica do MSF, ressaltou que o cuidado serve para evitar maior disseminação da doença. “Tivemos dificuldade de explicar para os acompanhantes, pois queriam se revezar dizendo que ‘agora entra meu marido, agora entra minha filha’. Não é bom, eles podem levar a doença sem querer”, sublinhou.
As adaptações aconteceram após levantamentos do MSF com profissionais de saúde e instituições locais. Se identificou que os indígenas tinham certa resistência ao ambiente hospitalar. O trabalho também contou com o apoio de uma antropóloga da equipe da organização humanitária. Além disso, para identificação das características da região, é mantido um diálogo com as instituições locais, como a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Instituto Socioambiental (ISA), Distritos Sanitário Especial Indígena do Alto Rio Negro (Dsei-ARN) e Dsei Yanomami.
O MSF também atua como um assessor técnico do Comitê Interinstitucional, ajudando na tomada de decisões com base em conhecimento técnico e da área de saúde.
“Estávamos recebendo informações de pacientes que não queriam ir ao hospital e preferiam ficar em casa se tratando com medicamentos caseiros. Nessas situações, alguns acabam piorando e buscando ajuda médica quando a doença já está muito avançada. Então, identificamos a necessidade de adaptar o ambiente, o tratamento e dar mais acolhimento aos pacientes indígenas”, comentou a assessora do Programa Rio Negro do ISA, Juliana Radler, que representa a organização no comitê e acompanhou a implantação do centro desde a visita inicial do médico Paulo Reis, do MSF, em maio.

Parceria plural

Quando a organização chegou a São Gabriel, a médica Cecília Hirata , então coordenadora da ação do MSF de enfrentamento ao novo coronavírus no Amazonas, apresentou o projeto de uma enfermaria ao comitê. A prefeitura ofereceu apoio, cedendo o espaço na área central da cidade, antes ocupado pela Secretaria Municipal de Educação.
“A parceria com o comitê,as instituições e os órgãos de saúde foi muito boa. Trata-se de um trabalho conjunto. O nosso objetivo é evitar a sobrecarga do sistema de saúde pela Covid”, informou o coordenador do projeto do MSF em São Gabriel, Luca Di Simeis, que também enfrentou a pandemia na Itália.
“Essa parceria é muito importante porque é mais uma alternativa no enfrentamento ao Covid-19 no nosso município. Com isso, conseguimos ampliar a oferta de atendimento aos pacientes acometidos pela doença. Isso também fez com que a gente pudesse estabilizar o sistema local de saúde e evitar o colapso”, disse o secretário municipal de Saúde de São Gabriel da Cachoeira, Fábio Sampaio.
Com atendimento exclusivo a casos leves e moderados da Covid-19, a enfermaria presta serviços à população em geral, indígena e não indígena, acima de 18 anos. Podem ser atendidos os moradores da cidade e das comunidades. O ideal é que o paciente apresente um documento de identificação e um número de telefone, mas será recebido mesmo que não tenha nenhum deles.
Ao entrar na unidade, o que se vê é uma estrutura simples. Os quartos são amplos, com leitos, redes, concentrador e cilindro de oxigênio — primordial no tratamento da Covid-19. Mas a experiência no enfrentamento a outras epidemias — como do ebola, em países da África — é visível. Dentro da unidade foram criados circuitos. No chão, há fitas nas cores verde, amarela e vermelha, indicando onde pessoas podem ou não transitar e como fazer isso de forma segura. Para entrar na área vermelha, por exemplo, é necessário usar todo o EPIs.
Nos corredores há cartazes orientando uso de EPIs e limpeza das mãos, entre outras recomendações sanitárias. “Quanto mais arejado, aberto e ventilado, mais seguro”, disse a médica Luíza Cegalla.
Atualmente a estrutura conta com dez leitos, sendo que o número pode chegar a 30. A equipe em São Gabriel é composta por 36 pessoas, entre médicos, enfermeiros, psicólogos, entre outros. Como a pandemia traz impactos também para o emocional, é oferecido atendimento psicológico na unidade, com entrada independente para evitar contágio. O serviço está voltado principalmente a pacientes, familiares e profissionais da saúde. Segundo relatos, alguns pacientes que tiveram Covid-19 se curaram, mas continuam em de tensão devido à doença.
Fonte: ISA

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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