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Medo, um jeito poderoso de dominar

Medo e eleições

Ao longo da , o medo sempre foi utilizado como estratégia política e manutenção do poder, porém todas as experiências dos que ganharam eleições usando o medo se revelaram depois uma farsa…
 
Por Homero de Oliveira Costa
 

O tema do medo está presente na análise de muitos pensadores da política, desde pelo menos o século XVI, com destaque para Nicolau Maquiavel, na obra o Príncipe (1513) e, no século seguinte, com Thomas Hobbes, no Leviatã (1651).

Ambos têm uma concepção pessimista da natureza humana. Para Maquiavel, o medo tem um papel fundamental na sociedade e na política em particular. Para ele, é mais seguro um governante ser temido do que amado “isso porque dos homens pode-se dizer, geralmente, que são ingratos, volúveis, simuladores, tementes do perigo, ambiciosos de ganho”. Se os homens são ingratos, inconfiáveis etc., então se devem guiá-los não com benevolência, mas com a ameaça do “chicote”, assim, por medo, se submeterão e aceitarão a violência (contra quem o ameaça) e ela se institucionaliza. O medo produz uma aparente sensação de segurança por quem se sente protegido.

Já Thomas Hobbes parte do princípio que os homens no seu de natureza, têm um direito natural que é o direito à vida. Esse direito à vida pressupõe o uso de todos os meios necessários para a sua concretização, mas eles são naturalmente egoístas: “O homem é o lobo do próprio homem” é um de suas frases mais conhecidas. Para ele, o medo é próprio do estado de , se não tiver algo que possa impedi-lo, as pessoas viverão como no “estado de natureza”, sempre em conflito, em constante insegurança. Para que tenha segurança é necessário que haja um pacto, um estado que possa garantir a segurança e a paz, transferindo o seu direito natural e esse estado passa a ter o monopólio da força, com o objetivo de garanti-los.

MedoComo diversos analistas de sua obra têm mostrando, ele propõe assim a criação de um Estado absolutista, no qual o soberano deve punir aqueles que não se comportam segundo as leis que, em princípio, deve proteger a todos e promover a paz. Como diz Renato Janine Ribeiro: “O leviatã não aterroriza. Terror existe no estado de natureza, quando vivo no pavor de que meu suposto amigo me mate. Já o poder soberano apenas mantém temerosos os súditos, que agora conhecem as linhas gerais do que devem seguir para não incorrer na ira do governante (…) o indivíduo bem comportado dificilmente terá problemas com o soberano” (Hobbes: O medo e a esperança. In: Weffort, Francisco (org.), Os clássicos da política. vol. 1. São Paulo, Ática, 1989).

A ideia de esperança é que esse estado, resultado de um contrato, portanto, da adesão voluntária dos indivíduos, possa garantir uma vida melhor. Quando se estabelece como convenção submeter-se a um político (estado), renuncia-se a liberdade, característica do estado de natureza, para se ter segurança e paz.

Ao defender isso é preciso considerar o contexto em que ele viveu, de guerras e intolerâncias religiosas, ou seja, o estado de radicalização existente naquele momento.

Historicamente, o absolutismo antecedeu a democracia e o contrário dela. Nestas, deve prevalecer, além da liberdade e da segurança, o princípio da igualdade e da possibilidade de alternância do poder.

O fato é que ao longo da história, o medo sempre foi utilizado como estratégia política e manutenção do poder. O objetivo é o de instalar o medo com o uso de mecanismos de manipulação e uma das mais eficazes estratégias é infundir medo e apontar os culpados e se apresentar como solução.

Os resultados da manipulação do medo para fins eleitorais são conhecidos. O uso é apenas eleitoreiro, e todas as experiências dos que ganharam eleições usando o medo se revelaram depois uma farsa e só tiveram sucesso eleitoral porque souberam fazer promessas e conseguir responder de forma satisfatória ao medo dos que se sentiam ameaçados.

Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo dia 7 de maio de 2018, Os deserdados da globalização elegeram Trump? Vinicius Mota faz referências a pesquisa de Diana Mutz, da da Pensilvânia, que procura explicar as razões do voto em Donald Trump nas eleições de novembro de 2016. Para ela, não foram as dificuldades econômicas, desemprego etc., que explicam a vitória do atual presidente dos Estados Unidos, mas o medo, a ameaça percebida pelos eleitores de que eles poderiam perder seu status, regredir social e economicamente. Nesse sentido, o medo de perder o que se tem foi o aspecto mais relevante, o fator explicativo.

Num artigo publicado em 2004, Vera Chaia, cientista política e professora da PUC/SP, mostra como a estratégia política de se criar um de medo foi utilizada para combater a candidatura de Luiz Inácio da Silva em 2002. A autora analisa a propaganda eleitoral, depoimentos de atores políticos e a imprensa escrita, nos períodos eleitorais de 1989, 1994, 1998 e 2002. O foco central foi a cobertura jornalística das eleições, destacando o tema do medo e a sua hipótese foi a de que o medo foi a “estratégia de persuasão” utilizada para convencer o eleitorado a votar contra Luiz Inácio Lula da Silva. (IN: Antonio Albino Canelas Rubim (org.) – Eleições Presidenciais em 2002 no Brasil – ensaios sobre mídia, e política. 1 ed. São Paulo: Hacker Editores, 2004, v. 1, p. 29-52).

MedoPara ela “o medo pode ser fabricado e produzido por um sistema político e/ou criado para estimular e impulsionar a obediência dos cidadãos em determinadas sociedades”. Daí a importância de analisar um importante instrumento de veiculação desse sentimento que é a mídia “enquanto produtora de conhecimentos e geradora de construções sociais que trabalham com a ideia do medo e constroem representações sociais que estimulam este sentimento”.

Há de se destacar que um dos slogans da campanha de Lula foi justamente “A esperança vence o medo”. Naquele momento estava em vigência o , implantado por Fernando Henrique Cardoso e o discurso predominante na grande mídia era o de que havia a necessidade de se preservar a estabilidade e o controle da inflação e Lula não tinha experiência administrativa e o PT um partido radical sem condições de governar o país.  Era um discurso anti-petista construído desde 1989, usado de forma muito eficaz pelo marketing de Fernando Collor, que entre outras coisas, afirmava no Horário de Propaganda Eleitoral que se Lula vencesse as eleições, ele iria confiscar a poupança, gerando um clima de temor por parte dos eleitores (hipócrita, na realidade quem fez isso foi ele, quando venceu a eleição).

Ocorre que a eficácia da estratégia política do medo em 2002 se revelou um fracasso ou não surtiu o efeito desejado porque Lula, apesar da (grande) mídia e da difusão do medo e das ameaças, venceu.

E o seu uso continuou nas eleições presidenciais de 2006, 2010 e 2014, ou seja, o “discurso do medo”, sempre foi recorrente em todas as disputas presidenciais, usadas principalmente contra o PT. A mensagem transmitida sempre foi a de uma ameaça de o Brasil continuar nas mãos de um grupo de incompetentes e inescrupulosos “capazes de fazer qualquer coisa para manterem-se no poder”. Não conseguiram vencer nem em 2002, 2006, nem em 2010 e 2014.

PRESIDENTE LULA
Os que apostaram no medo não conseguiram vencer em 2002, 2006, 2010 ou 2014

 

Se nas eleições de 2002 a esperança venceu o medo, é possível afirmar que é este hoje o sentimento em relação às eleições de 2018?  Há mais medo do que esperança? O medo vencerá? Naquele momento (2002) o significado de Lula era o de que ele representava esperança: de um governo melhor, de corrigir os erros do governo anterior etc. Nesta eleição talvez o sentimento seja outro: não de esperança, mas de medo. Há um enorme descrédito da política e das instituições democráticas de uma maneira geral, que associados ao (des)governo de Michel Temer e os seus retrocessos, em vez de levar ao engajamento, tem levado uma parcela importante do eleitorado à indiferença, de se abster ou votar em branco ou anular o voto.

O que se percebe nestas eleições é a continuidade do discurso do ódio de parcelas do eleitorado e de um candidato que o tem canalizado, com discursos preconceituosos, de intolerância e especialmente anti-petista e também do medo, intensificado e difundido diariamente na mídia, esvaziando o debate político‐eleitoral. Ao focar apenas na violência e (in)segurança, oculta outros problemas, não apresenta soluções, a não ser mais violência para combater… a violência. E assim pode criar o clima favorável para a continuidade da retirada dos direitos, que não é percebida pelos que o apoiam, porque a adesão não é racional e nesse sentido uma estratégia de mobilização política baseada no medo é uma ameaça à democracia e o temor é que seja uma eleição na qual o voto irracional, a descrença nas instituições, o discurso da anti-política seduza parte do eleitorado e seja decisivo nas eleições.

A esperança, mais uma vez, precisa vencer o medo.

ANOTE AÍ

Homero de Oliveira Costa é Professor Titular ( Política) do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Fonte: Nossa Ciência – publicado originalmente em 2018

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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