Meu olhar ainda é o da Mata
Como não tenho carro ando pela cidade a pé ou de ônibus. Vivente antigo das matas, sobrevivo hoje na cidade grande. Mas meu olhar ainda é o da mata.
Po José Meirelles
Não olho as marcas dos carros, o tipo de roupa das pessoas ou as vitrines das lojas. Vejo árvores, vegetação rasteira e os viventes que, como eu, se aculturaram na metrópole.
Pipiras, japiins, rolinhas, papa-capins, um calango ou outro se esquentando num cantinho de grama. E uns dias atrás, olhando algumas seringueiras, notei todas com suas sementes embrulhadas na casca dura espalhadas em sua copa.
Como é de lei no final de dezembro e início de janeiro, semana passada começou um veranico. Minha neta, futura engenheira florestal, comentou:
– Vô, tá fazendo um verão. O céu tá limpo. Cadê a chuva?
– Fifica (assim a chamo em casa), é o verão pra estralar a fruta da seringa!
– O quê?
– A seringueira embala suas sementes em duas cascas duras encaixadas.
Quando as se mentes estão maduras e faz um tempo de sol, como toda madeira, essas cascas se contraem até que literalmente “estralam” e arremessam as sementes à longa distância.
Ela não gosta de parentes próximos, por isso lança suas sementes pra longe.
Na mata, sua semente é disputada pela maioria dos animais. Quando um caititu ouve os estalos, corre pra debaixo da seringueira. Cotias também. Embaixo da copa não fica nenhuma semente.
Escapam as que caíram bem longe.
As que caem nos igarapés e rios são comidas por matrinxãs, pirapitingas e tambaquis. Aliás, daqui uns dias quando orem comprar matrinxã no mercado, observe se no seu intestino há cascas de semente de seringa. Se houver, é matrinxã o rio.
Pois bem, aqui perto de casa, no balão da Avenida Ceará, uma seringueira plantada no pátio do colégio da esquina stava ogando suas sementes. Ingloriamente, na calçada, na avenida ou no pátio do colégio.
Passei e juntei um bocado delas ue ão tinham sido pisadas ou esmagadas pelos carros.
Cheguei em casa e mostrei pra neta.
– Eis a prova do veranico da “estralagem” da seringa! E pode escrever, vai arriar muita chuva!
Dito e feito, por óbvio. Neste tempo de chuva na Amazônia, depois de uns dias de sol é toró na certa. Com bom motivo.
As sementes de seringa têm vida útil curta. Com a chuva, a que por sorte, como é a loteria da vida, cai numa grota, ou for coberta por folhas, com a chuva, germina.
Se nem uma formiga de roça suicida cortar seu talo e ficar presa no leite que já tem borracha, ela crescerá com o tempo.
Vou plantar uns caroços no meu quintal.
Afinal, tanto esforço e sabedoria não podem passar em branco.
A minha amiga do colégio terá uma filha aqui no bairro do Tucumã.
E tá chovendo muito…
José Carlos Meirelles – Sertanista.