Jaime Sautchuk, subversão

MINHA REVELADA SUBVERSÃO

Minha revelada subversão

Na sua juventude literária, o jovem Jaime Sautchuk de 1979, ano da Anistia, em parceria com os não menos bons Horácio de Carvalho e Sérgio Gusmão, oportunizava ao Brasil real a leitura do livro que denunciava as garras dos ianques sobre a Amazônia brasileira por meio de um arranjo intervencionista de graves consequências ao meio ambiente e à soberania nacional: Projeto Jari, a Invasão Americana, era o título do livro-reportagem-denúncia…

Por Antenor Pinheiro

Era 1980, terceiro semestre na faculdade de jornalismo, e de suas cálidas insurgentes páginas tornei-me subversivo. Uma fabulosa revolta surgiu no pensamento do jovem estudante universitário, nascido e criado em família udenista, cuja infância e adolescência nas décadas de 1960-70 transcorreram distantes da nefasta realidade ditatorial a que estava submetida a nação brasileira. Foi o suficiente para incandescer o meu mundo, ou melhor, o meu jeito de enxergar o mundo e suas implicâncias no contexto da economia política nacional praticada pelo regime militar em favor das grandes corporações do capital internacional.

Sautchuk não tinha a menor ideia do bem que fizera ao lançar luzes no caminho daquele estudante alienado, até irromper a porteira do meu recanto, em almoço intermediado por um amigo comum, há 34 anos da incendiária leitura que me projetou ao front da resistência às maledicências oficiais de estados degenerados. Nem eu imaginaria que tantos anos depois conheceria, em pessoa, a singela e franzina figura que me revelou a doce subversão, tão necessária aos que insurgem contra tiranias avassaladoras.

Ao conhecer a história do “monstro” que criara, surpreso, abriu-me aquele branquelo sorriso catarinense contido por bochechas vermelhas protegidas pelo infalível chapéu de explorador de biomas. Como não desperdiçava palavras, lançou-me tantos mais verbos úteis, carregados de humanidade, quase em humilde e contumaz silêncio metódico, como que a me remeter ao axioma fundante das lutas da vida, encontrado en passant no célebre filme Cruzada (2005): “que homem é o homem que não torna o mundo melhor?”.

As flores de pedra plantadas por Sautchuk em meus domínios, resultantes do festivo encontro entre escritas subversivas e palavras ditas de 2013, são agora a sua verve inconfundível e a saudade eterna que encantam sua importância no contexto da minha história de vida, o mesmo em que filhos e netos aprendem o que com ele aprendi.

Obrigado, Sautchuk, meu subversivo amigo Jaime Sautchuk!

Jaime Sautchuk

“Uma vida irriquieta, intensa e de pleno sentido” 

Em memória de Jaime Satuchuk 

Por Maria Rosa, João Miguel e Carlos Emanuel

JAIME SAUTCHUK: "E OS BUROCRATAS, DE QUE MORREM?"
Foto: Arquivo Pessoal

A palavra ágil e leve, mas precisa e aguda, foi sua marca. Assim foi também sua vida, um percurso irrequieto, intenso e de pleno sentido.

Jaime nasceu em Joaçaba, Santa Catarina, em 1953, filho de descendentes de imigrantes italianos, poloneses e ucranianos.

Catarinense de nascimento, se tornou goiano de coração, acolhido com títulos e homenagens em três cidades de Goiás.

Coroinha quando criança, na adolescência escreveu para um jornal da escola religiosa, tomando gosto pela palavra, que se tornaria sua ferramenta de trabalho e sua arma de luta.

Após rápida passagem como bancário em Curitiba, mudou-se para Brasília, sonhando formar-se jornalista. Logo nos primeiros períodos de faculdade, conseguiu emprego no Diário de Brasília.

Aos 20 anos, casou-se e emigrou para Londres, num dos períodos mais duros da repressão, onde trabalhou na BBC.

De retorno ao país no final da década de 1970, passou por muitos veículos da imprensa escrita, como MovimentoOpiniãoFolha de São Paulo, Veja, O Globo, Jornal de Brasília. Afinal, e mais tarde, O Pasquim.

Realizou reportagens investigativas memoráveis, do universo político aos mais diversos rincões.

Dirigiu duas emissoras de rádio da RBS em Brasília, a Alvorada-AM e Atlântida-FM, onde tiveram espaço da música caipira ao nascente rock de Brasília, além de programas como Os Cobras da Notícia.

Aprendeu a dedilhar a viola e a entoar canções, principalmente de Goiá, seu compositor preferido e autor de Saudade de Minha Terra, uma espécie de hino pessoal seu.

Integrou-se a diversos movimentos coletivos. Militou no PCdoB, participando do processo de redemocratização. Atuou no Sindicato dos Jornalistas. Foi um fiel corintiano e compôs o grupo que criou o grupo carnavalesco Pacotão.

No final da década de 1980, criou uma produtora de vídeo para apoiar a execução dos documentários que dirigiu, dentre eles: “Planaltina, a Via Sacra Nacional”, “A Marcha dos Sem Terra”, “Balbina, Destruição e Morte”, pelos quais recebeu diversos prêmios.

No final do século passado, idealizou e participou da implantação do FICA – Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental, que até hoje faz parte do calendário cultural da Cidade de Goiás (Goiás Velho).

Atuou por vários anos em organismos internacionais, como o Unicef, num programa de capacitação de radialistas sobre crianças e adolescentes, e no Conselho Mundial da Paz.

Teve contribuição também como assessor no Governo do Distrito Federal, na Câmara dos Deputados (durante a Constituinte e a CPI CBF-Nike). Trabalhou também no Ministério do Esporte, durante a gestão do ministro Agnelo Queiroz, no governo Lula.

Sua obra literária é extensa, comportando obras de ficção, como “Mitaí”, e obras documentais, como “A Guerrilha do Araguaia”, “Albânia”, “A Luta Armada no Brasil”, “Os Descaminhos do Futebol” e, mais recentemente, biografias como a de:

Cruls: Histórias e Andanças do Cientista Que Inspirou JK a Fazer Brasília”, e “O Causo eu Conto”, sobre o escritor goiano Bernardo Élis. Dedicou-se também à poesia, inclusive no formato de cartazes.

No início dos anos 1990, foi um dos pioneiros a investir seu patrimônio para criar no Cerrado de Cristalina, em Goiás, a Reserva Particular do Patrimônio Natural Linda Serra dos Topázios – sua morada até o fim.

Com vocação científica e acadêmica, ali foram desenvolvidos desde cursos de educação ambiental até eventos de astronomia, passando pela pesquisa da biodiversidade do Cerrado, que originou o livro “Flores e Frutos do Cerrado”, guia de campo editado por ele, envolvendo cientistas, artistas e mestres locais. Tudo em parceria com a Universidade de Brasília (UnB) e outras instituições. subversão

Nos últimos sete anos, foi responsável editorial e redator da revista e portal Xapuri, veículo independente dedicado à defesa do meio ambiente, dos direitos humanos e da democracia. Foi, também, articulista do Portal Vermelho e, mais recentemente, lançou seu próprio blog, SerTão Cerratense. subversão

Forte em seus princípios e amplo em seus diálogos, transitou entre regueiros e comandantes do Exército, entre ruralistas e trabalhadores sem-terra.

Hábil comunicador, foi incansável na busca da verdade, na defesa do meio ambiente, dos trabalhadores, da soberania nacional, dos direitos dos povos indígenas, e das crianças e dos adolescentes.

Sua vida fluiu até o último minuto como corria sua pena – clara e precisa, qual uma flecha apontando para o valor atemporal do seu legado. subversão

Filhos, foram três. Livros, escreveu dezesseis. Árvores, não só plantou como protegeu toda uma reserva.

Valeu demais da conta, Jaiminho. Pra você, a vida foi dez!

Maria Rosa, João Miguel e Carlos Emanuel – filha e filhos de Jaime. Fotos: Acervo Família. 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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