Velho Chico: Estudo revela motivos da agonia do Rio São Francisco
Com o tempo, o leito foi minguando, sendo sugado de um lado, aterrado de outro, poluído por todos. Tanto que a história do chamado Rio da Integração Nacional desaguou a um ponto em que, hoje, até a passagem de pequenas canoas é difícil em certos trechos.
Agredido século após século, em seu lento curso de agonia o Velho Chico chegou a 2019 com o mais baixo volume em seu 515 anos de história, que se completam em 4 de outubro. O aniversário de seu descobrimento pelo navegador Américo Vespúcio encontrará o manancial enfrentando uma espécie de sentença de morte, executada enquanto seu curso é literalmente soterrado com reflexo de ações humanas.
Os números desse assassinato progressivo e contínuo saltam de estudo inédito realizado pelo Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos e pela Companhia do Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf). Entre outros, o trabalho revela um dado assombroso, que traduz em números algo que sempre se percebeu na prática: o leito do rio recebe por ano nada menos que 23 milhões de toneladas de sedimentos, da nascente na Serra da Canastra, em Minas, à foz no Oceano Atlântico, entre Alagoas e Sergipe.
Na prática, é como se a cada ano um milhão de carretas de detritos fossem lançadas na água. Para fazer frente a essa realidade, o estudo propõe outras medidas controversas, que incluem a transposição de águas de outras bacias – enquanto não terminou sequer a polêmica sobre a transposição do próprio São Francisco.
O Estado de Minas teve acesso com exclusividade ao diagnóstico, fruto de um ano de levantamentos, que apontam que o soterramento do Velho Chico tem como uma das principais causas a ação humana, especialmente o desmatamento, que desencadeia uma série de outras consequências, em efeito cascata (veja arte).
“A taxa de erosão de cada uma das fontes de orçamento sedimentar tem sido impactada pelas modificações humanas da paisagem, que levaram a um aumento geral na produção de sedimentos”, diz um dos trechos do relatório.
De posse do estudo inédito, a equipe do EM verificou de perto a situação dramática do São Francisco em diferentes pontos e percorreu de barco suas águas, conferindo o quanto o leito está assoreado, tomado por bancos e ilhas de areia, em uma situação que assombra milhares de pessoas que dele dependem. O Pantanal do Rio Pandeiros, considerado o berçário da bacia, também sofre intenso processo de degradação, alimentado por desmatamento e erosão.
Em outro ponto, no Projeto Jaíba, considerado o maior sistema de irrigação da América Latina, pequenos produtores que dependem diretamente do São Francisco reclamam, preocupados, da proibição de captação de água no rio uma vez por semana.
O chamado “Dia do Rio” é uma medida determinada pela Agência Nacional de Águas (ANA) para evitar que a vazão diminua ainda mais. A rigor, trata-se da primeira ação de racionamento da água da história no canal principal do Velho Chico, reduzido pelo número excessivo de outorgas para a captação de água e também pelo secamento dos seus afluentes.
MODELO MATEMÁTICO
O estudo sobre o transporte de sedimentos para o São Francisco produzido com o auxílio de engenheiros do Exército americano considerou dados relativos a tipos de solo, uso e ocupação de terrenos, topografia, clima (volume de chuva, temperatura, umidade relativa, radiação solar e vento) e vazão dos rios da bacia.
De acordo com a Codevasf, o objetivo foi verificar a origem do maior aporte de sedimentos no sistema, ou seja “descobrir se o aporte é causado por desmoronamento de margens ou pelo assoreamento dos afluentes”. “O resultado mostrou que o assoreamento é proveniente da área produtiva, e não das margens”, revela a entidade.
O levantamento foi feito com base em um modelo matemático que leva em consideração diferentes fatores, entre eles a formação de ilhas e depósitos de areia no leito. “No geral, o modelo calcula que aproximadamente 23 milhões de toneladas por ano de sedimento são depositadas dentro do canal, levando a um sistema de degradação”, assinala o relatório. O resultado reforça estudo de 2002 feito pela própria Codevasf, em associação com a Agência Nacional de Águas. Nele, de 73 trechos avaliados, 59 apresentaram assoreamento.
ESTUDO PROPÕE MAIS TRANSPOSIÇÕES
Pesquisadores e técnicos que fizeram o estudo que apontou a marca de 23 milhões de toneladas de sedimentos lançadas a cada ano no leito do Rio São Francisco – trabalho resultante de parceria entre o Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos e a Companhia do Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf) – propõem intervenções para conter o assoreamento e aumentar o volume do leito, visando também a garantir condições de navegação. Entre elas estão as sempre polêmicas obras de transposição de bacias.
PREVISÃO SOMBRIA
REPRESAS
Os processos produtivos agrícolas, minerais, industriais e da construção civil liberam solo devido ao desmatamento e a escavações inerentes ao trabalho humano sobre a natureza, sem os devidos cuidados e conhecimentos que garantiriam a sustentabilidade ambiental.”
Luiz Ribeiro e Renan Damasceno.
Reportagem do Jornal O Estado de Minas Portal Uai.com.br
A primeira foto é inserção nossa. Link original
Fonte da Xapuri: http://www.conhecaminas.com/2017/09/