OS MOTIVOS DA AGONIA DO VELHO CHICO

OS MOTIVOS DA AGONIA DO VELHO CHICO

Velho Chico: Estudo revela motivos da agonia do Rio São Francisco

Rio São Francisco recebe 23 milhões de toneladas de sedimentos por ano.  Na prática, é como se a cada ano um milhão de carretas de detritos fossem lançadas na água 

Por Luiz Ribeiro e Renan Damasceno/Jornal O Estado de Minas 
São Francisco, Pedras de Maria da Cruz, Januária, Bonito de Minas, Manga, Matias Cardoso e Jaíba – Dois mil e novecentos quilômetros de leito em uma bacia hidrográfica que irriga uma área quase igual à da França, abastecendo perto de 13 milhões de pessoas. Os números superlativos do Rio São Francisco combinam com seu passado de fartura. Época em que por suas águas circulavam grandes vapores, apitando enquanto rasgavam a correnteza levando mercadorias e pessoas.
Com o tempo, o leito foi minguando, sendo sugado de um lado, aterrado de outro, poluído por todos. Tanto que a história do chamado Rio da Integração Nacional desaguou a um ponto em que, hoje, até a passagem de pequenas canoas é difícil em certos trechos.
Agredido século após século, em seu lento curso de agonia o Velho Chico chegou a 2019 com o mais baixo volume em seu 515 anos de história, que se completam em 4 de outubro. O aniversário de seu descobrimento pelo navegador Américo Vespúcio encontrará o manancial enfrentando uma espécie de sentença de morte, executada enquanto seu curso é literalmente soterrado com reflexo de ações humanas.

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Os números desse assassinato progressivo e contínuo saltam de estudo inédito realizado pelo Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos e pela Companhia do Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf). Entre outros, o trabalho revela um dado assombroso, que traduz em números algo que sempre se percebeu na prática: o leito do rio recebe por ano nada menos que 23 milhões de toneladas de sedimentos, da nascente na Serra da Canastra, em Minas, à foz no Oceano Atlântico, entre Alagoas e Sergipe.
Na prática, é como se a cada ano um milhão de carretas de detritos fossem lançadas na água. Para fazer frente a essa realidade, o estudo propõe outras medidas controversas, que incluem a transposição de águas de outras bacias – enquanto não terminou sequer a polêmica sobre a transposição do próprio São Francisco.
O Estado de Minas teve acesso com exclusividade ao diagnóstico, fruto de um ano de levantamentos, que apontam que o soterramento do Velho Chico tem como uma das principais causas a ação humana, especialmente o desmatamento, que desencadeia uma série de outras consequências, em efeito cascata (veja arte).
“A taxa de erosão de cada uma das fontes de orçamento sedimentar tem sido impactada pelas modificações humanas da paisagem, que levaram a um aumento geral na produção de sedimentos”, diz um dos trechos do relatório.
De posse do estudo inédito, a equipe do EM verificou de perto a situação dramática do São Francisco em diferentes pontos e percorreu de barco suas águas, conferindo o quanto o leito está assoreado, tomado por bancos e ilhas de areia, em uma situação que assombra milhares de pessoas que dele dependem. O Pantanal do Rio Pandeiros, considerado o berçário da bacia, também sofre intenso processo de degradação, alimentado por desmatamento e erosão.
Em outro ponto, no Projeto Jaíba, considerado o maior sistema de irrigação da América Latina, pequenos produtores que dependem diretamente do São Francisco reclamam, preocupados, da proibição de captação de água no rio uma vez por semana.
O chamado “Dia do Rio” é uma medida determinada pela Agência Nacional de Águas (ANA) para evitar que a vazão diminua ainda mais. A rigor, trata-se da primeira ação de racionamento da água da história no canal principal do Velho Chico, reduzido pelo número excessivo de outorgas para a captação de água e também pelo secamento dos seus afluentes.

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MODELO MATEMÁTICO 

O estudo sobre o transporte de sedimentos para o São Francisco produzido com o auxílio de engenheiros do Exército americano considerou dados relativos a tipos de solo, uso e ocupação de terrenos, topografia, clima (volume de chuva, temperatura, umidade relativa, radiação solar e vento) e vazão dos rios da bacia.
De acordo com a Codevasf, o objetivo foi verificar a origem do maior aporte de sedimentos no sistema, ou seja “descobrir se o aporte é causado por desmoronamento de margens ou pelo assoreamento dos afluentes”. “O resultado mostrou que o assoreamento é proveniente da área produtiva, e não das margens”, revela a entidade.
O levantamento foi feito com base em um modelo matemático que leva em consideração diferentes fatores, entre eles a formação de ilhas e depósitos de areia no leito. “No geral, o modelo calcula que aproximadamente 23 milhões de toneladas por ano de sedimento são depositadas dentro do canal, levando a um sistema de degradação”, assinala o relatório. O resultado reforça estudo de 2002 feito pela própria Codevasf, em associação com a Agência Nacional de Águas. Nele, de 73 trechos avaliados, 59 apresentaram assoreamento.
ESTUDO PROPÕE MAIS TRANSPOSIÇÕES
Pesquisadores e técnicos que fizeram o estudo que apontou a marca de 23 milhões de toneladas de sedimentos lançadas a cada ano no leito do Rio São Francisco – trabalho resultante de parceria entre o Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos e a Companhia do Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf) – propõem intervenções para conter o assoreamento e aumentar o volume do leito, visando também a garantir condições de navegação. Entre elas estão as sempre polêmicas obras de transposição de bacias.

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Ilhas de sedimentos no meio do leito denunciam avanço do processo de assoreamento. (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press )
No caso, a bacia do São Francisco – que é “doadora de águas” em um projeto de transposição para o Nordeste cuja polêmica nem sequer foi encerrada, menos ainda as obras –, passaria a receber recursos hídricos de outros rios.
 
Os projetos incluem o desvio de água do Rio São Marcos para o Rio Paracatu (por túnel), do Rio Paranaíba para o Paracatu e do Rio Grande (saindo do vertedouro da Usina de Furnas) diretamente para o Velho Chico.O estudo também registra um quarto projeto que foi cogitado pela Codevasf “para desviar água da Bacia do Tocantins para a Bacia do São Francisco”, que “não foi considerado” no relatório final.
 
O trabalho apresenta ainda a proposta de construção de cinco barragens em cursos d’água da bacia: três barramentos no Rio Paracatu, um no Rio das Velhas (município de Santo Hipólito, Região Central) e outro no Urucuia, como forma de aumentar a capacidade de armazenamento e de normalização do curso.
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Mesmo em pontos onde o São Francisco parece caudaloso é possível caminhar bem longe das margens com água abaixo do joelho (foto: Alexandre Guzanshe/em/d.a press)

PREVISÃO SOMBRIA

Mas, se transposição e barragens são apontados no estudo como possíveis saídas para o rio, para ambientalistas e professores o mesmo tipo de obra de engenharia agravou os problemas do manancial e ainda pode ser fatal para a bacia. Um dos estudiosos de cerrado no Brasil, Altair Sales Barbosa, professor aposentado da PUC de Goiás (PUC-GO), destaca que a transposição do São Francisco tende a acelerar o processo de assoreamento.
 
“As consequências da transposição serão danosas e, em curto espaço de tempo, levarão à morte a maioria dos afluentes do São Francisco, incluindo o próprio rio. Isso acontecerá porque a dinâmica (das águas) será alterada e o transporte de sedimentos arenosos aumentará de forma assustadora. Um dos resultados será o assoreamento, já que a maioria dos afluentes do São Francisco corre por áreas cuja característica principal é a ocorrência de um arenito frouxo”, diz. Associado ao desmatamento, esse quadro traz a ameaça de um futuro sombrio.
 
Com solo frágil e a retirada da cobertura vegetal nativa, “o transporte da areia para o leito principal dos rios aumentou em mais de 60%”, estima Sales Barbosa. “Em termos ambientais, herdamos a possibilidade de viver um futuro incerto, com rios secos e a água potável cada vez mais difícil e cara”, adverte o professor. Para ele, os reservatórios (barragens) contribuem com o problema ao acumular grande quantidade de sedimentos, ficando cada vez mais rasos.
 

REPRESAS

O hidrólogo José do Patrocinio Tomaz Albuquerque, professor aposentado da Universidade Federal de Campina Grande, afirma que o soterramento do Velho Chico é um processo decorrente da “ocupação do espaço pelo homem com os chamados ciclos econômicos”, como o gado, a eletrificação e a irrigação. E acrescenta que as represas afetam de outra forma a questão do assoreamento.
 
O especialista destaca que o transporte natural dos sedimentos para o mar foi drasticamente reduzido, em parte devido à construção de barragens. “Nos períodos de enchentes, os sedimentos não conseguem atingir, em sua totalidade, o oceano.
 
Isso ocorre por duas razões: uma natural, relacionada com a intensidade das chuvas máximas, que ocorrem cada vez menos; e a outra, artificial, resultante da ação humana, com a construção dos reservatórios de superfície, que regularizam, mas reduzem a vazão média natural do rio.” Isso resulta em menor capacidade de transporte de sedimentos e sua consequente deposição no leito, explica.
Como soluções, além da recomposição da cobertura vegetal da bacia e da revitalização das nascentes e veredas, ele sugere “um controle severo da exploração das águas subterrâneas”.O professor Apolo Heringer Lisboa, idealizador do projeto ambiental Manuelzão, ressalta que as origens do processo de soterramento do Rio São Francisco encontram-se em Minas Gerais e na Bahia, onde brotam 90% das águas da bacia. “Essas origens se encontram no modo humano de tratar o solo no seu processo econômico de produzir mercadorias.
Os processos produtivos agrícolas, minerais, industriais e da construção civil liberam solo devido ao desmatamento e a escavações inerentes ao trabalho humano sobre a natureza, sem os devidos cuidados e conhecimentos que garantiriam a sustentabilidade ambiental.”
Luiz Ribeiro e Renan Damasceno.
Reportagem do Jornal O Estado de Minas Portal Uai.com.br
A primeira foto é inserção nossa. Link original
Fonte da Xapuri: http://www.conhecaminas.com/2017/09/

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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