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MOVIMENTO (EM HOMENAGEM AO JAIME)

Movimento (em homenagem ao Jaime)

Por Antônio Carlos Queiroz – ACQ

Da minha longa e animada convivência com o Jaime Sautchuk, cito dois episódios relevantes:

MOVIMENTO (EM HOMENAGEM AO JAIME)Ainda sob censura prévia, a edição 132 do jornal Movimento, de 9 de janeiro de 1978, deu na capa um retrato crispado do candidato do general Geisel à sucessão presidencial, João Baptista de Oliveira Figueiredo.

Debuxado e debochado pelo genial Jaime Leão, o semblante, acompanhado da manchete “Por que Figueiredo?”, repercutia o anúncio da candidatura naquela semana.

Para esquentar as vendas, o Movimento mandou 500 cartazes com a figura para Brasília. Cabia a mim, chefe do departamento de vendas da sucursal, providenciar a colagem do material onde fosse possível. Como o Sautchuk assinava a matéria de abertura da edição, achei natural convidá-lo para me ajudar. Topou sem titubeio.

No começo da noite daquela mesma segunda-feira, fui para a sua casa cozinhar três baldes de grude de polvilho de mandioca.

Lotamos o carro dele com a cola, os pincéis e os cartazes, e viramos a noite atacando cada parede, muro e ponto de ônibus mais chamativo que encontrávamos pela frente, na Asa Sul, Setor Comercial Sul, Conic, imediações da Rodoviária, parte da Asa Norte, incluindo as entradas da UnB. Anos depois a gente ainda topava a cara de cavalo do Figueiredo nos ameaçando.

Na campanha de 1982, o Jaime encomendou um enorme retrato de três metros por dois em alto contraste do nosso candidato a deputado federal por , o Aldo Arantes.

Como eu era o magricela da turma, ele me pediu para trepar numa escada de 12 metros, quatro andares de altura, sem equipamento de segurança, com o cu na mão, para colar o cartaz na fachada do Edifício Alvorada, Setor Comercial Sul. Durante anos o dazibao ficou visível de longe para quem vinha da Rodoviária em direção à Asa Sul.

Antônio Carlos Queiroz – ACQ – Jornalista. Publicado originalmente em setembro de 2021. 

MOVIMENTO (EM HOMENAGEM AO JAIME)
Arquivo ´Pessoal

A vida é Dez!

Para Jaime Sautchuk

A palavra ágil e leve, mas precisa e aguda, foi sua marca. Assim foi também sua vida, um percurso irrequieto, intenso e de pleno sentido…

Por Maria Rosa, João Miguel e Carlos Emanuel

Jaime nasceu em Joaçaba, Santa Catarina, em 1953, filho de descendentes de imigrantes italianos, poloneses e ucranianos. Catarinense de nascimento, se tornou goiano de coração, acolhido com títulos e homenagens em três cidades de Goiás.

Coroinha quando criança, na adolescência escreveu para um jornal da escola religiosa, tomando gosto pela palavra, que se tornaria sua ferramenta de trabalho e sua arma de luta. Após rápida passagem como bancário em Curitiba, mudou-se para Brasília, sonhando formar-se jornalista. Logo nos primeiros períodos de faculdade, conseguiu emprego no Diário de Brasília.

Aos 20 anos, casou-se e emigrou para Londres, num dos períodos mais duros da repressão, onde trabalhou na BBC. De retorno ao país, no final da década de 1970, passou por muitos veículos da imprensa escrita, como Movimento, Opinião, Folha de São Paulo, Veja, O Globo, Jornal de Brasília. Afinal, e mais tarde, O Pasquim.

Realizou reportagens investigativas memoráveis, do universo político aos mais diversos rincões. Dirigiu duas emissoras de rádio da RBS em Brasília, a Alvorada-AM e Atlântida-FM, onde tiveram espaço da caipira ao nascente rock de Brasília, além de programas como Os  da Notícia.

Aprendeu a dedilhar a viola e a entoar canções, principalmente de Goiá, seu compositor preferido e autor de Saudade de Minha Terra, uma espécie de hino pessoal seu.

Integrou-se a diversos movimentos coletivos. Militou no PCdoB, participando do processo de redemocratização. Atuou no Sindicato dos Jornalistas. Foi um fiel corintiano e compôs o grupo que criou o bloco carnavalesco Pacotão.

No final da década de 1980, criou uma produtora de vídeo para apoiar a execução dos documentários que dirigiu, dentre eles: “Planaltina, a Via Sacra Nacional”, “A Marcha dos Sem Terra”, “Balbina, Destruição e Morte”, pelos quais recebeu diversos prêmios.

No final do século passado, idealizou e participou da implantação do FICA – Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental, que até hoje faz parte do calendário cultural da Cidade de Goiás (Goiás Velho).

Atuou por vários anos em organismos internacionais, como o Unicef, num programa de capacitação de radialistas sobre crianças e adolescentes, e no Conselho Mundial da Paz.

Teve contribuição também como assessor no Governo do Distrito Federal, na Câmara dos Deputados (durante a Constituinte e a CPI CBF-Nike). Trabalhou também no Ministério do Esporte, durante a gestão do ministro Agnelo Queiroz, no governo Lula.

Sua obra literária é extensa, comportando obras de ficção, como “Mitaí”, e obras documentais, como “A Guerrilha do Araguaia”, “Albânia”, “A Luta Armada no Brasil”, “Os Descaminhos do ” e, mais recentemente, biografias como a de “Cruls: Histórias e Andanças do Cientista Que Inspirou JK a Fazer Brasília”, e “O Causo eu Conto”, sobre o escritor goiano Bernardo Élis.

Dedicou-se também à poesia, inclusive no formato de cartazes.

No início dos anos 1990, foi um dos pioneiros a investir seu patrimônio para criar no de Cristalina, em Goiás, a Reserva Particular do Patrimônio Natural Linda Serra dos Topázios – sua morada até o fim.

Com vocação científica e acadêmica, ali foram desenvolvidos desde cursos de educação ambiental até eventos de , passando pela pesquisa da biodiversidade do Cerrado, que originou o  e Frutos do Cerrado”, guia de campo editado por ele, envolvendo cientistas, artistas e mestres locais. Tudo em parceria com a Universidade de Brasília (UnB) e outras instituições.

Nos últimos sete anos de sua vida, foi responsável editorial e redator da revista e portal Xapuri, veículo independente dedicado à defesa do , dos direitos humanos e da democracia. Foi, também, articulista do Portal Vermelho e, mais recentemente, lançou seu próprio blog, SerTão Cerratense.

Forte em seus princípios e amplo em seus diálogos, transitou entre regueiros e comandantes do Exército, entre ruralistas e trabalhadores sem-terra. Hábil comunicador, foi incansável na busca da verdade, na defesa do meio ambiente, dos trabalhadores, da soberania nacional, dos direitos dos povos indígenas, e das crianças e dos adolescentes.

Sua vida fluiu até o último minuto como corria sua pena – clara e precisa, qual uma flecha apontando para o valor atemporal do seu legado. Filhos, foram três. Livros, escreveu dezesseis. Árvores, não só plantou como protegeu toda uma reserva.

Valeu demais da conta, Jaiminho. Pra você, a vida foi dez!

NOTA DA REDAÇÃO: O jornalista Jaime Sautchuk partiu deste mundo no dia 14 de julho de 2021. Sem Jaime, não existiria a Revista Xapuri. Editor-chefe criterioso, ele teria, certamente, passado horas buscando a melhor capa para a nossa edição 100 que, com total certeza, seria assinada por ele. A centésima Xapuri, publicada em fevereiro de 2022, foi, então, um presente pra você, Jaime. Gratidão, sempre, pelo mais lindo dos legados que você nos deixou: A Vida é Dez! 

A VIDA É DEZ
Família Sautchuk – Foto: Família

Rosa, João Miguel e Carlos Emanuel – Filha e filhos de Jaime. 
 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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