Não é Não desfila neste sábado, com um grito de salve o Cerrado.
Bloco Não é Não vai desfilar outra vez pelas ruas do Centro de Goiânia no próximo sábado, dia 01 de março, realçando não só a beleza, a graça e a alegria como as verdadeiras marcas da maior e mais popular festa do Brasil, mas também , em meio à cantoria de sambas e marchinhas, o bloco que se intitula ecofeminista, leva mensagens de preservação do Cerrado e dos direitos das mulheres.
Por Lucia Pedreira e Nonô Noleto
O Carnaval deste ano do Bloco Não é Não vai ter concentração a partidas 14h30 no restaurante Kasarão, que fica na Avenida Araguaia, quase esquina com a Paranaíba e tem como tema: ” Salve o Cerrado, o berço das águas!” E, em suas alas de folia pretende mostrar ao público, por meio das fantasias, a beleza e o encanto de um dos maiores biomas do mundo e, nas homenagens que vai fazer a um grupo de 28 pessoas, a grande maioria mulheres, o Bloco Não é Não quer dar também um grito de socorro, um alerta para que as pessoas ajudem na preservação da fauna e flora, do Cerrado, evitando os incêndios e o desmatamento, que são ações cruciais para salvar a natureza prodigiosa, que precisa urgentemente de cuidado dos animais humanos da terra.
No seu enredo o Bloco mostra que o “Cerrado não é apenas um bioma, é um tesouro cultural que abriga comunidades originárias e tradicionais, responsáveis pela preservação das águas e dos saberes que mantêm o equilíbrio do meio ambiente “.
Antes de sair pelas ruas do Centro de Goiânia, ao final da tarde e ao som dos tambores, no ritmo dos equipamentos de percussão dos grupos Coró de Pau e Coró Mulher, o Não é Não, que também tem como parceiro local o Circo Laheto, vai apresentar ao público o espetáculo “Cerrado – o berço das águas”, com coreografia de dançarinos e dançarinas em pernas de pau. E, ainda na concentração, que terá início às 14h30, ao som das DJs feministas como Gabi Matos e Iara Kevene, será feita a leitura do Manifesto de do Bloco Não é Não, onde as integrantes colocam de forma poética as suas bandeiras de luta.
O Grito do Cerrado
O carnaval 2025 do Bloco Não é Não será um palco de reflexão na defesa do segundo maior bioma da América do Sul. Segundo levantamento do Mapbioma, 42% da área agrícola do Brasil estão no Cerrado, ocupando cerca de 23,4 milhões de hectares.Tombado pela Unesco, como Patrimônio Mundial, ele está presente em 10 Estados e a maior perda da vegetação nativa é registrada justamente aqui em Goiás, no Tocantins e Mato Grosso.
Dados apurados pela Universidade Federal de Goiás relatam que na última década o Cerrado brasileiro, que possui uma das maiores biodiversidades do mundo, perdeu um milhão de hectares. A destruição é mostrada todos os anos, com imagens chocantes de incêndios e desmatamento.
Em Goiás, os quase 2 milhões de quilômetros quadrados de plantas nativas sofrem a ameaça constante da destruição. São os ipês, cajueiros, pequizeiros e tantas outras espécies, que já nascem adaptadas pela própria natureza para suportarem as intempéries do clima da região, das estiagens. Mas, não resistem à devastação provocada pelo fogo e às aberturas de novas áreas destinadas à agropecuária.
O Cerrado é habitat de milhares de espécies de animais e vegetais, e abrigo das águas do Brasil. Hoje, a fauna sofre, inúmeros bichos morrem – muitos já extintos -, os rios e inúmeras nascentes são afetadas. A devastação da vegetação campestre, das árvores nativas, com caules tortuosos e cascas grossas, provocam o assoreamento, e, consequentemente, a deteriorização dos leitos dos rios, que correm o risco de sumirem.
“O compromisso com a causa do Cerrado vai além do Carnaval. É pra nós o motor que nos move a cada dia. Por isso lutamos por ele e por nossas raízes culturais. O Cerrado é o berço das águas que abastecem o Brasil. É o bioma vital para o equilíbrio do planeta e da vida de todos nós. Agora, ele precisa de nós, assim como precisamos dele “, ressalta a psicóloga Cida Alves, coordenadora do Bloco Não é Não.
Brincar com respeito
diz o Protocolo do Bloco
Aos “Brincantes” do Não É Não, a psicóloga e Doutora em Educação, Cida Alves, apresentou, “orgulhosamente”, o protocolo do bloco,
resultante de um longo
processo estudos de
coletivo de integrantes da Diretoria do Bloco.” É importante que todas as pessoas – que participam do bloco ou que queiram vir a se juntar a nós – leiam este documento com muita
atenção, porque vamos
fazer de nosso Bloco Não é
Não um espaço livre de violências e preconceitos!”
Como psicóloga, Cida Alves trabalhou mais de 25 anos no atendimento direto a meninas e adolescentes vítimas de violências sexuais.
PROTOCOLO DO BLOCO NÃO É NÃO
1. IMPORTÂNCIA DO PROTOCOLO
O “Protocolo Não é Não” é uma iniciativa permanente para prevenir violências de gênero, importunações sexuais, além de outras formas de violências interpessoais. Ele promove direitos, proteção e cuidado para mulheres cis, mulheres trans, mulheres lésbicas, travestis e pessoas que manifestem identidades de gênero feminina ou fluida, bem como outras transidentidades e toda a comunidade LGBTQIAPN+ em ambientes de cultura e lazer, sejam eles públicos ou privados.
2. PRINCÍPIOS DO BLOCO NÃO É NÃO
O Bloco “Não é Não” defende que todo espaço deve ser seguro e respeitoso para todas as pessoas. Isso inclui:
2.1. Respeito à livre vontade e autonomia do corpo de cada pessoa;
2.2. Responsabilização por atos de violência;
2.3. Construção de relações não violentas baseadas no respeito e na justiça.
2.4. Acreditar na palavra da vítima
Estudos científicos comprovam que de cada 10 denúncias de violências, 8 são verdadeiras, ou seja, uma média de 80%. O trabalho com situações de violências é repleto de dilemas, porque a violência é uma realidade complexa. Nesse sentido, cabe à pessoa que tem a responsabilidade de cuidar e proteger, assumir responsabilidades com o menor dano à dignidade e integridade da pessoa. É muito pior ser omisso e cúmplice, em uma situação de violência, do que errar porque uma pessoa prestou uma informação falsa.
2.5. O corpo é privado
Historicamente, o corpo da mulher foi compreendido como um objeto de posse/propriedade dos homens (pais, irmãos, maridos e, inclusive, de homens desconhecidos). Essa mentalidade autoriza homens a invadir o corpo da mulher como se fosse um território a ser conquistado, dominado e explorado. O corpo da mulher e de qualquer pessoa não pode ser tocado sem autorização. Tocar ou puxar cabelo, roubar beijos, pegar ou apalpar partes do corpo é crime de importunação sexual.
2.6. Proteger a dignidade e a integridade física e mental da outra pessoa
Nunca expor uma integrante do Bloco a situações que fere sua dignidade, seja no espaço público ou privado. Reiterando o princípio acima, isso inclui o respeito à livre vontade e autonomia do corpo de cada pessoa e a construção de relações não violentas baseadas no respeito e na justiça. Cuide para que fotos, relatos verbais ou escritos, ou vídeos não sejam espalhados e expostos. É cuidadoso e sensível sempre consultar quando for publicar uma foto ou cena que aparece outra pessoa. Uma perguntinha básica salva muitas situações: o que achou dessa foto, posso publicar ou compartilhar, você se sente bem com isso?
2.7. Construir relações afetivas e espaços de convivências confiáveis e seguros
O Bloco “Não é Não” defende que todo espaço deve ser seguro e respeitoso para todas as pessoas. A segurança e proteção de cada integrante do bloco é uma responsabilidade coletiva: cuide de suas amigas, amigos e amigues. É importante observar se a bebida de alguém não corre perigo de ser batizada. Caso perceba que uma pessoa esteja importunando uma amiga/o/e, não a deixe só, vá lá e tente fazer alguma coisa para tirá-la da situação. Sempre cuidar das pessoas que exageram na bebida, nunca a deixe sozinha, especialmente na hora de ir embora do rolê.
2.8. A impunidade gera mais violências
A impunidade alimenta a violência. Por isso, quem comete violências deve ser responsabilizado por seus atos e condutas. No entanto, se houver reconhecimento do erro e um esforço genuíno para mudar, acreditamos na possibilidade de reparação e aprendizado.
3. CONCEITOS FUNDAMENTAIS
3.1. Importunação sexual
A importunação sexual foi criminalizada em 2018, após muita luta das mulheres que sofriam com violências sexuais em transportes públicos, ruas, estabelecimentos de lazer e cultura. Foi o movimento Não é Não que impulsionou a criação deste importante marco legal.
A importunação sexual consiste na prática de ato libidinoso contra alguém e sem a sua anuência, com o objetivo de satisfação sexual própria ou de terceiros.
É crime previsto no Art. 215-A do Código Penal brasileiro e se aplica sempre que não configurar outro delito mais grave (exemplo: estupro).
A importunação pode ocorrer de forma presencial ou virtual, exemplos:
✓ Captura, alteração e armazenamento de imagens sem autorização para satisfazer a lascívia de alguém (fotografar por baixo da roupa sem a outra pessoa perceber, modificar imagens dando uma conotação sexual que não existia, dentre outras);
✓ Envio de imagens (presencial ou virtual) de cunho sexual sem um acordo prévio e consentimento;
✓ Palavras ou atos ofensivos à integridade e liberdade sexual (tocar parte íntimas – cabelo, boca, seios, bumbum e regiões genitais, fazer gestos ou falas de conteúdo sexual, dentre outras);
✓ Perseguição em lugares públicos e/ou em redes sociais.
3.2. Consentimento
Toda pessoa tem o direito de ter sua vontade e desejo respeitados. Se a pessoa diz NÃO, acabou o papo. Se uma pessoa não MANIFESTA EXPLICITAMENTE CONCORDÂNCIA com uma aproximação ou prática de conteúdo sexual ou de outra natureza, não se deve prosseguir, pois isso já caracteriza importunação sexual ou violência psicológica.
É importante lembrar que homens cis ou homoafetivos também sofrem importunações e violências sexuais.
4. COMO AGIR EM CASO DE VIOLÊNCIA
Se você presenciar ou sofrer alguma violência (física, psicológica ou sexual):
✓ Intervenha, se for seguro. Impedir a violência pode ser um ato de proteção fundamental;
✓ Busque apoio. Caso não consiga agir no momento, converse com alguém de confiança e leve o caso para a diretoria do Bloco; e
✓ Proteja a identidade da vítima. A exposição p TVode agravar o sofrimento e/ou trauma. Se a própria pessoa decidir tornar público, apoie-a incondicionalmente.
5. FALSO OU VERDADE
5.1. Falso: “A pessoa diz Não pra fazer doce ou de difícil, se insistir vai ceder.”
Verdade: Não acredite nessa cilada. Se a pessoa não deu sinais ou falou que está a fim, esquece. Se insistir, o máximo que irá conseguir é que a outra pessoa fique com ranço de v
5.2. Falso: “É porque não foi bem comida/o/e.”
Verdade: Autoestima é uma maravilha, desde q não seja confundida com prepotência e falta de noção. Respeite o real desejo do outro!
5.3. Falso: “A turma da esquerda/progressista é mais evoluída!”
Verdade: Tem esquerdo macho que comete violências sexuais, tem manas que não respeitam as pessoas LGBTQIAPN+, tem mulheres misóginas, e tem gente que comete racismo, etarismo, capacitismo, gordofobia, aporofobia e por aí vai.
6. REGRAS DE OURO
6.1. Nunca exponha uma pessoa do bloco em público. Resolva conflitos e diferenças de forma priva e respeitosa.
6.2. Antes de ir a eventos com amigos ou parceiros, alinhem o respeito como prioridade.
6.3. Ninguém deve ser julgado pela roupa que veste ou pela forma como se expressa
6.4. A liberdade de um termina quando invade o direito do outro.
6.5 Abusar da confiança e da amizade de alguém pa tirar vantagens (econômicas, políticas, dentre outras) é imoral e em alguns casos pode ser forma de exploração ou violência patrimonial.
7. GARANTIND AMBIENTES SEGUROS: O RESPEITO AO ESPAÇO DE LAZER E À SAÚDE MENTAL
7.1. Privacidade e gatilhos
Em festas, é maravilhoso celebrarmos juntas, juntes e juntos, sempre atentos ao bem-estar de quem nos cerca. Se alguém trouxer um assunto delicado, acolha essa pessoa com sinceridade e empatia, demonstrando que ela é ouvida e valorizada.
Lembre-se de que algumas conversas podem despertar emoções intensas, tanto para quem compartilha quanto para quem escuta. Além disso, a exposição – tanto do que é dito quanto da imagem da pessoa – merece atenção. Em um ambiente com outras pessoas, fotos, vídeos ou comentários podem acabar circulando sem consentimento, trazendo riscos para a privacidade e o bem-estar de quem está se abrindo. Caso perceba que o relato pode gerar gatilhos ou que a pessoa está se expondo mais do que deveria, procure conduzir a conversa para um espaço mais reservado.
7.2. Evitar sobrecarga individual
Nos casos de relatos de violência, estaremos na escuta e disponíveis para acolher e orientar, mas é importante que essas conversas aconteçam em ambientes privados e adequados. É importante lembrar que a festa é, antes de tudo, um espaço de lazer, brincadeira e diversão, e também tem um papel fundamental na saúde mental de quem cuida, sendo um momento de respiro e alívio do estresse provocado pelo mundo do trabalho e obrigações domésticas. Por isso, é essencial lembrar que a festa não é o momento para monopolizar alguém na escuta individual. O dano psicológico da outra pessoa que te ouve ou de quem está próximo também deve ser levado em consideração. O respeito à outra pessoa no rolê é fundamental para que ela consiga também relaxar e brincar.
8. ORIENTAÇÕES E PROPOSTAS DE ENFRENTAMENTOS
Para que se possa oferecer suporte da melhor forma possível, sugere-se encaminhar as situações de suspeita ou casos confirmados de violências à uma pessoa da Diretoria, assegurando assim uma atenção cuidadosa, segura e sigilosa.
Ao passar o caso para alguém de confiança da Diretoria do Bloco, esta deve se comprometer em buscar integrantes com habilidade e experiência para juntas avaliarem caso a caso de forma sigilosa e particularizada. Com base em uma avaliação aprofundada, a equipe composta deverá propor ações pedagógicas, reparações e responsabilizações adequadas a cada caso.
OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: Esse protocolo existe para garantir que todas, todes e todos possam aprov eitar os eventos de forma segura e respeitosa. Contamos com a colaboração de cada integrante para fazer do Bloco “Não é Não” um espaço livre de violências.