Não nos esqueçamos do Povo Yanomami
“Todos os dias descemos um passo em direção ao inferno, sem horror através da escuridão.” Charles Baudelaire, As Flores do Mal.
Por Alfredo Pena-Vega
Esta citação de Baudelaire é muito significativa do horror que o povo Yanomami vive. Os números falam por si: 540 crianças com menos de 5 anos morreram durante a administração do ex-presidente Jair Bolsonaro (2018–2022).
As imagens transmitidas nestes dias pela imprensa brasileira e internacional e os testemunhos recolhidos pelo Presidente Lula durante sua viagem a Roraima mostram que estamos perante uma verdadeira tragédia humana. É inconcebível que as crianças e as pessoas idosas do povo Yanomami estejam a ser esfomeados e abandonados.
Esta é a demonstração mais clara de que se trata nada menos do que um genocídio premeditado. Jair Bolsonaro ignorou conscientemente os pedidos oficiais de ajuda que o povo Yanomami enviou às diferentes instituições estatais: Funai, Polícia Federal, Ministérios da Tutela etc.
A Hutukara, uma organização criada pelos próprios povos indígenas, enviou nos últimos dois anos várias cartas oficiais a organismos públicos sobre os “conflitos sangrentos”; que poderiam levar ao genocídio dos Yanomami. Emitiu também notas públicas sobre o ataque a uma estação ecológica do ICMBio, a morte de duas crianças por uma draga mineira e a situação precária da Aracaça.
Nesses documentos, os líderes indígenas comentam sobre as atrocidades que enfrentam quase diariamente. Os garimpeiros atravessam os rios ameaçando e disparando contra os Yanomami. Grupos isolados têm sido atacados por garimpeiros. Os postos de saúde foram encerrados devido a estes intensos conflitos, e as pistas de aterragem tornaram-se uma área de transporte de ouro e de garimpeiros ilegais.
Na ausência de médicos e devido à proximidade dos mineiros do ouro, a malária se alastrou entre os Yanomami. Encontram-se encerrados, isolados nos seus territórios, à mercê dos garimpeiros do ouro. Nós, os signatários da presente carta, exigimos:
- A constituição, logo que possível, de uma comissão de observação internacional composta por juristas, membros eleitos do Parlamento Europeu e especialistas, para visitar o território do povo Yanomami no estado de Roraima e escrever um relatório.
- A organização de apoio psicológico face ao trauma desta tragédia de genocídio, e a fuga do seu território sob a ameaça dos garimpeiros do ouro.
- A constituição de um fundo de ajuda de emergência, incluindo ajuda médica de emergência.
Finalmente, como é sempre o caso neste tipo de situação, uma minoria maliciosa tenta tirar partido da vulnerabilidade dos povos indígenas, e mais uma vez as famílias, especialmente as crianças, são as vítimas. É por isso que é importante que as instituições competentes tomem a medida dos riscos envolvidos a fim de evitar que outras tragédias sejam acrescentadas à que já está em curso.
Edgar Morin – Sociólogo. Filósofo. Raoni Metuktire – Chefe do Povo Kayapó. Vandana Shiva – Escritora. Alfredo Pena Vega – Sociólogo. Diretor do GYCP. Philippe Descola – Antropólogo. Professor Emérito do Collège de France. Eduardo Viveiros de Castro – Antropólogo. Véronique Nahoum-Grappe – Antropóloga. Laurent Binet – Escritor. Jean-Marc Salmon – Sociólogo. Cristovam Buarque – Ex-Governador. Ex-Senador. Ex-ministro da Educação. Marianne Cohen – Professora. Geógrafa. Michel Brunet – Paleontólogo do Collège de France. Elimar Pinheiro do Nascimento – Diretor do CDS/UnB. Didier Moreau – Diretor do l’Espace Mendès France de Poitiers. Gilles Boetsch – Presidente do l’Institut Ballanitès. Luis Flores – Filósofo.
NOTA DA REDAÇÃO: Este texto nos foi enviado de Paris pelo sociólogo Alfredo Pena-Vega em fevereiro do 2023. Dada a importância da luta constante em defesa dos Yanomami, consultamos o autor e optamos por publicá-lo tal como chegou, para que não nos esqueçamos nunca do Povo Yanomami.
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