Nara Baré: pela Amazônia e pela vida, de corpo, território e espírito!

Nara Baré: pela Amazônia e pela vida, de corpo, território e espírito!
De maracás em mãos e braços dados, cinco mil mulheres levaram suas cores, cantos e danças para as ruas de durante a II Marcha das Mulheres Indígenas, na sexta (10/9). O ato foi um grito pelo respeito aos seus corpos, territórios e espíritos e a reafirmação de que elas continuarão resistindo contra o  e pelo bem-estar de suas famílias e comunidades.
Por Victória Martins/ISA 
Junto às milhares de mulheres da Amazônia estava Nara Baré, exemplo e inspiração para muitas ali presentes. “Estamos aqui para reafirmar que a Amazônia é vida, [que] a Amazônia somos nós, originários dessa . Seguimos na luta juntas!”, disse à Rede de Comunicadores da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira).
Nascida em São Gabriel da Cachoeira (AM), o município mais indígena do país, Nara sempre acompanhou o movimento indígena local, desde as discussões internas do seu povo até a formação da Foirn, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, na década de 1980. O interesse e a curiosidade eram, particularmente, sobre a participação das mulheres. Poucas falavam, mas, quando o faziam, era com voz firme e iniciativa, buscando protagonismo.


felipe beltrame brigada amazonia
Nara Baré na XII Assembleia da Coiab, na Aldeia de Vila Betânia, do povo Ticuna

“Nós tínhamos porta-vozes, que eram nossos irmãos, nossos pais, nossos maridos. É diferente de hoje, porque estamos junto com eles”, afirmou à Amazônia Real. “Hoje a nossa voz vai muito mais longe”. Foi observando as mulheres que ela se fortaleceu e foi se dedicando, cada vez mais, à luta indígena.
Desde 2017, Nara é coordenadora-geral da Coiab, tendo sido a primeira a assumir o posto. A organização representa 160 povos dos nove estados da Amazônia, ou cerca de 60% da população indígena brasileira. Antes disso, havia sido tesoureira da organização. Também, passou pelo Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas, no qual ingressou quando cursava administração na Estadual do Amazonas (UEA), a primeira organização indígena em que participou efetivamente.
Eleita por uma assembleia composta majoritariamente por homens, ela se alegra em saber que sua postura, força e trabalho foram reconhecidos e valorizados.
“Creio que há uma maturidade do próprio movimento indígena, de nossos líderes, de ver a importância da participação da mulher”, contou ao jornal espanhol El Salto. “Não foi fácil, não foi um presente, passamos por uma dificuldade de aceitação, porque as mulheres cuidam dos filhos, da casa, do marido, trabalham, cuidam de suas organizações. [Mas] mostramos que é possível conciliar nossa vida particular com nossa vida de trabalho e no movimento indígena”, continuou.

felipe beltrame brigada amazonia1‘A luta da mulher indígena não é para hoje, mas para amanhã’, diz Nara Baré

Nos últimos anos, Nara passou a ocupar um espaço de predominância e referência enquanto liderança, ao lado de nomes destacados como os de Sonia Guajajara, Joenia Wapichana e Telma Taurepang. “Esse momento também é nosso. Não estamos sozinhas. Temos a força da mulher e de todos os povos indígenas,” sublinhou à Amazônia Real.
À frente da Coiab, ela ajudou a fortalecer a organização política e, institucionalmente, potencializou a articulação com as associações de base e parceiros. Nara esteve na Europa para denunciar os retrocessos e ataques do governo brasileiro e mostrou como a Amazônia e seus povos originários são uma coisa só. Sua atuação e compromisso com a defesa do meio ambiente e dos lhe renderam o Prêmio Franco-Alemão de Direitos Humanos e do Estado de Direito 2020.
“Nós somos a floresta. O nosso corpo sangra quando uma árvore é retirada, quando um rio é contaminado pelo mercúrio, quando as nossas casas são devastadas para colocar pasto, gado,” comentou, no podcast As Árvores Somos Nozes, do Greenpeace. “A , os ambientalistas, o governo federal, precisam ver que a Amazônia não existe sem os povos indígenas.”
Enquanto a devastação do bioma e a nos territórios não derem trégua e o direito indígena de viver em suas terras, de acordo com seus costumes e tradições, não for respeitado, sua luta vai continuar. Para Nara, é momento de nos unirmos em nome de um bem comum, seja em Brasília, nas comunidades, dentro ou fora do Brasil.

“Os povos indígenas só foram ouvidos depois que São Paulo escureceu”, refletiu ao podcast do Greenpeace. “Acredito que é importante a gente ter um pouco mais dessa cumplicidade [porque] o que afeta os povos indígenas, o que afeta a Amazônia, afeta não só a nós, mas afeta diretamente cada um de vocês nas suas casas. Afeta o , a água que vocês bebem, a alimentação.”
A luta é dura e as ameaças são grandes, mas ela garante: “com força e garra, nós seremos resistência para sermos existência. Somos como o bambu, que enfrenta inúmeros vendavais, que enverga, mas nunca se curva e nunca se quebra.”

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Imagens de Capa:kauri waiapi rede de comunicadores da coiabNara Baré durante a II Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília|Kauri Waiãpi/Rede de Comunicadores da Coiab
 
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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