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Neoliberalismo, neofascismo e democracia

Neoliberalismo, neofascismo e democracia

Diversas perguntas se tornam obrigatórias frente à possibilidade de retorno da barbárie. O genocídio no Oriente-Médio e nas guerras pelo mostram a barbárie sendo cultivada

Por Antonio Albino Canelas Rubim/Teoria e Debate

A emergência de movimentos de extrema-, caracterizados como neofascistas, parece ser uma das cicatrizes mais marcantes do mundo contemporâneo em que vivemos. Diversas perguntas se tornam obrigatórias frente à possibilidade de retorno da barbárie, que acometeu o século 20 e que agora ameaça o século 21, como se suas tragédias não bastassem para impedir uma nova tormenta. Os riscos na atualidade se mostram intensos. O genocídio no Oriente-Médio e nas guerras pelo mundo mostram a barbárie sendo cultivada.

Por certo, muitas são as possibilidades de reflexões a serem tecidas. Em um breve texto não cabe nenhuma pretensão de exaustão, apenas algumas tentativas de respostas, que estimulem a atenção para tema vital para a sobrevivência do mundo, o aprofundamento da democracia e a civilidade entre os seres humanos.

Por que parecem explodir nos mais variados países fenômenos de , com perfil autoritário e mesmo neofascista? Uma tentativa de resposta primordial acena para as condições sociais contemporâneas estimuladoras de tal aparecimento. Que condições são essas? De imediato, emerge o vertiginoso crescimento da desigualdade produzido pelo neoliberalismo. Ele tem sintonia fina com o ambiente que produz os neofascismos. O neoliberalismo não fabrica apenas desigualdades socioeconômicas, conformando privilégios e carências, para usar uma expressão cara à Marilena Chaui, mas cria igualmente intensas desigualdades de poder, em diversos campos sociais, dentre eles: a política e, inclusive, a .

As múltiplas desigualdades fabricam classes e pessoas governadas por interesses de mercado, destituídas de qualquer sentimento de cidadania e de vida comum, comandadas pela lógica capitalista do maior lucro possível, em detrimento de outros indivíduos, destituídos de tudo, pulverizados em situação de extrema instabilidade e sobrevivendo fragilidades as mais comezinhas. Fáceis presas de visões de mundo simplórias e atiçadas de ódios contra inimigos, reais ou imaginários, construídos como responsáveis por sua situação de miséria e penúria.

Como alternativas de mundo não se configuram publicamente, resta aderir, em ambientes de muita fragilidade, aquela existente, em especial quando ela parece se opor, real ou imaginariamente, ao sistema, que lhes impõe tantas carências e desigualdades. O ressentimento funciona aqui como possível sentimento da captura e mobilização.

A conformação de alternativas político-existenciais, entretanto, não se dá em um vazio societário, mas em condições concretas de vida social. Na circunstância contemporânea algumas alternativas críticas ao neoliberalismo têm dificuldades de transitar e se colocar efetivamente em cena, pois alguns agentes político-sociais relevantes tecem cenários de potente teor antipolítico, que dificultam e facilitam presenças e trânsitos.

A mídia, por exemplo, em muitas partes do mundo, publiciza o Estado, a política e os políticos, sem qualquer distinção, como seres abomináveis, como um mal para toda sociedade. Para ela, a alternativa sempre endeusada e positivada é o mercado, as empresas, os empresários e o empreendedorismo, que todos devem almejar para sair da marginalidade e da precariedade, em que o capitalismo neoliberal nos colocou.

A crítica, quase onipresente ao Estado, à política e aos políticos, produz um cenário de representação da antipolítica, para parafrasear a interessante noção de Venício Lima. Nela navegam com facilidade e simpatia todos aqueles que, de modo histriônico ou não, atacam o Estado, a política e os políticos e almejam, em processo aparentemente paradoxal, o poder político, por certo, para submetê-lo a sua tirania, imporem o autoritarismo e destruírem a democracia. O vertiginoso cenário da antipolítica funciona assim como ovo da serpente, como ambiente propício para todos os neofascismos.

Tal ambiente de conjunção perversa, para lembrar o instigante texto de Evelina Dagnino, tem bloqueado alternativas democráticas à situação contemporânea plena de impasses da democracia, que reduzida a sua versão liberal não consegue assegurar cidadania e direitos à população. De um lado, a conjunção estimula os neofascismos, e, de outro, ela inibe os democratas, sejam eles localizados à direita, ao centro e à . Para os segmentos mais à esquerda, o bloqueio decorre de múltiplo fatores. Eles têm acesso dificultado aos meios de produção e difusão de bens simbólicos, que produzem a realidade à distância, marca na nossa contemporaneidade glocalizada, pois a grande mídia está controlada pelas grandes corporações capitalistas, seja como empresários, seja como patrocinadores. A liberdade de expressão e a pluralidade são constrangidas e restringidas pela conformação dos meios de produção e difusão dos bens simbólicos, que produzem realidades. Desse modo, tais segmentos habitam muito pouco os espaços de visibilidade pública, enquanto a direita e a extrema-direita têm ampla publicidade. Mais que isso, suas mensagens estão em sintonia fina com aspectos importantes da visão de mundo construída cotidianamente pelos grandes meios de produção e difusão dos bens simbólicos.

Para além de tudo isso, outro drama acomete os setores democráticos com destaque para aqueles situados à esquerda. Em uma situação em que cada vez mais a direita e, em especial, a extrema-direita se posiciona abertamente contra a democracia liberal limitada, permitida no capitalismo e solapada pelo neoliberalismo, a extrema-direita não tem nenhum constrangimento em assumiu uma postura antissistema, ainda que seja apenas no discurso e não em seu comportamento efetivo, e uma atitude antidemocrática. Aliás, o e o nazismo utilizaram o mesmo expediente, envolvendo atitudes pretensamente antissistema e efetivamente antidemocráticas.

Assim, a democracia representativa, dentre outros fatores, tem sua imagem pública desgastada por políticos, que se apossam dela para ganhos pessoais, e potencializada pela mídia, que esquece a corrupção das empresas e denuncia, unilateralmente, a dos políticos. A deterioração pública da democracia tem sido assumida e monopolizada pela extrema-direita em uma pretensa postura antissistema, fácil de ser exercitada, pois não possui nenhum compromisso com o regime democrático e desenvolve um discurso antipolítica, afinado com a grande mídia.

A esquerda parece ter grande dificuldade de combinar de modo perspicaz a necessária crítica ao sistema, expressão do capitalismo neoliberal que ela pretende superar, e a crítica aos limites da democracia liberal, que também precisa ser superada pela confecção de uma democracia ampliada, na qual estado e sociedade sejam democratizados e a cidadania e os direitos assegurados a toda população. O momento da democracia liberal no capitalismo, com suas limitações imanentes, coincidiu com o estado de social, desmontado tendencialmente em toda parte pelo neoliberalismo, que restringe cidadania e direitos, aumenta desigualdades e inibe a participação político-social.

A combinação virtuosa da crítica e da atuação contra o sistema capitalista neoliberal e a crítica e atuação aos limites da democracia existente, buscando a superação de ambos, é um dos desafios mais contundentes da esquerda no mundo e no contemporâneos. A defesa radical da democracia, em um ambiente, neoliberal e fascista, cada vez mais tóxico para ela, não pode significar a paralisia da democracia em sua concepção liberal, nem inibir a imaginação ao possível no capitalismo. A atitude crítica precisa combinar defesa/ampliação da democracia e explicita postura antissistema, para que elas não sejam monopolizadas dos neofascistas e pela barbárie.

Antonio Albino Canelas Rubim é pesquisador e da Federal da Bahia (UFBA)

Fonte: Fundação Perseu Abramo Capa: Reprodução


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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